Valor econômico, v.20, n.4960, 16/03/2020. Política, p. A6

 

Bolsonaro participa de ato e pede "ajuda para governar"

Fabio Graner 

Matheus Schuch 

16/03/2020

 

 

Depois de recomendar adiamento dos atos de rua previstos para ontem por conta da crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro surpreendeu e acabou trazendo para o Palácio do Planalto a mobilização contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). O movimento de Bolsonaro acirrou ainda mais os já exaltados ânimos políticos, em especial com o Parlamento, gerando reações duras de diversos congressistas.

Por volta das 13h, o presidente desceu a rampa do Planalto e passou cerca de uma hora confraternizando com manifestantes que atacavam principalmente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ao voltar para a residência oficial, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro mais uma vez interagiu com militantes e fez um pedido aos seus apoiadores que ali o aguardavam: "Vocês me botaram aqui, agora têm que me ajudar a ficar e governar".

Mais que quebrar o protocolo médico recomendado pelo próprio governo, depois que retornou dos Estados Unidos com pessoas infectadas pelo coronavírus em sua comitiva, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou que está disposto a brigar. E, sem uma base parlamentar consistente, conta com uma tropa de populares para se defender nesses embates contra as instituições.

O ensolarado domingo parecia relativamente tranquilo após as recomendações do próprio presidente para se que se adiassem os protestos, feita em pronunciamento em cadeia de rádio e TV, na quinta-feira.

Bolsonaro não dava sinais de que iria sair. Por recomendação médica, estava em isolamento, devido ao temor derivado do contato que teve com pessoas com coronavírus.

Por volta do meio dia, porém, ele deixou o Alvorada e literalmente passeou por Brasília. Passou pela Esplanada dos Ministérios, onde ocorria a manifestação a seu favor e contra o Congresso e STF. Ali, o comboio presidencial foi saudado, sem que Bolsonaro mostrasse seu rosto. A comitiva, seguida por jornalistas, tornou-se uma mini-carreata. Passou pelo bairro Sudoeste, circulou próximo ao Hospital das Forças Armadas (onde ele costuma se consultar), contornou a rodoviária de Brasília e encerrou o circuito no Palácio do Planalto.

Acompanhado do lutador de MMA Borrachinha, Bolsonaro apareceu na rampa presidencial e foi saudado por alguns poucos populares. Ficou acenando às pessoas e, à medida que o público foi crescendo, desceu a rampa. De início, mostrou-se contido, evitando falar e se aproximar demais da rua, onde uma grade garante a separação entre a rua e o Palácio. O presidente, porém, foi se empolgando e passou a fazer contatos físicos e tirou muitas selfies, com os celulares das próprias pessoas, que se amontoavam perto deles.

Chutou ainda um boneco de plástico que remetia ao "pixuleco", representação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com roupa de presidiário, que fez sucesso nos protestos a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

Gritos a favor do AI-5, momento mais grave da ditadura militar, e contra Rodrigo Maia e a imprensa eram pronunciados com frequência. E sem qualquer reprimenda ou contrariedade de Bolsonaro.

Além do lutador, o presidente passou grande parte do tempo acompanhado do diretor-presidente substituto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres. Médico e integrante da Marinha, Barra Torres filmou o ato pró-governo e fez registros do presidente com apoiadores. Bolsonaro, que deve repetir o teste de coronavírus nos próximos dias, não utilizou máscara em nenhum momento.

A quebra de protocolo médico em um grupo no qual muitos demonstravam ceticismo e levantavam teorias conspiratórias sobre o coronavírus se somou a uma série de gestos simbólicos por parte do presidente. Ele carregou uma bandeira do Brasil, apontou para o povo e para o Palácio do Planalto, como se dissesse "isso aqui é do povo", e manteve em todo o tempo ao seu lado o lutador Borrachinha.

Era como se Bolsonaro estivesse arregimentando sua tropa, ainda que pequena e ocupando pouco mais de uma faixa do Eixo Monumental em frente ao Planalto. E apresentando-a ao Congresso e ao STF, que completam o conjunto arquitetônico da Praça dos Três Poderes.

Durante a semana, Bolsonaro algumas vezes negou que tenha estimulado as manifestações. Também repetiu que elas não seriam contra o Congresso e STF e sim a favor do Brasil. Mas o surpreendente encontro dele com seus apoiadores apontou em outra direção. A mensagem reforçada pelas diversas postagens de Bolsonaro nas redes sociais sobre as manifestações pelo Brasil.

Apesar da grande preocupação internacional sobre o coronavírus, dos alertas das autoridades e do decreto no Distrito Federal recomendando que se evite aglomerações, grande parte dos presentes parecia não ter qualquer preocupação com o risco de contrair a doença.

Alguns minimizavam, outros diziam que o vírus mais sério "é a corrupção", e outros levantavam teorias conspiratórias sobre a China espalhar o vírus por razões econômicas.

Antes do ato protagonizado por Bolsonaro, as manifestações em Brasília ocorriam a partir de dois pontos de protestos. No Museu da República estava concentrado o pessoal que fez uma carreata. Por volta das 10 horas havia cerca de 150 veículos que partiram pela cidade.

O principal carro de som trazia uma faixa com os dizeres: "Fora Regina [Duarte, secretária de Cultura], namoradinha da esquerda exonera ala Bolsonaro e nomeia asseclas esquerdistas. Presidente, votamos no senhor para isso?".

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Presidente não quer que haja "histerismo"

Fabio Graner

16/03/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse em entrevista à rede CNN que vai instalar um gabinete ampliado de crise para tratar da questão do coronavírus. Ele apontou que considera haver uma histeria que seria prejudicial à economia e ao país.

“Conversei hoje com o chefe da Casa Civil, instalaremos amanhã um gabinete de crise com mais gente para tomar as providências, em especial no tocante à economia. Certas medidas tomadas por governadores, que tem autoridade para fazer isso, precisamos ver aqui até que ponto essas medidas vão afetar nossa economia, que grande parte vem do povão”, disse. “Quando proíbe jogo de futebol, entre outras coisas, está se partindo para o histerismo, no meu entender”, disse.

Ele disse que vai defender junto à CBF que venda parte dos ingressos para jogos e não simplesmente faça a partida com portões fechados. “Não partir para simplesmente proibir isso ou aquilo porque não vai, no meu entender, conter essa expansão dessa forma muito rígida”, disse.

“Devemos tomar providência, porque pode sim se transformar em uma questão bastante grave o vírus no Brasil. Mas sem histeria. A economia tem que funcionar porque não podemos ter uma onda de desemprego no Brasil”, disse, completando que isso levaria as pessoas a se alimentarem pior e ficarem mais suscetíveis aos problemas do vírus.

Na entrevista, Bolsonaro respondeu às críticas feitas pelos presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) à ação dele hoje, que levou às portas do Palácio do Planalto ato contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. “Eu gostaria que eles saíssem às ruas como eu. Nós políticos devemos ser quase que escravos da vontade popular”, disse, afirmando que está tranquilo. “Espero que eles não queiram partir para algo belicoso depois dessas minhas palavras”, acrescentou.

Ele disse que os acordos têm que ser entre os políticos e o povo. “Se chegarmos a um bom entendimento e partirmos para uma pauta de interesse da população todos seremos bem tratados, reconhecidos e até idolatrados nas ruas. Eu não quero eu aparecer e eles não”.

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Bolsonaristas afirmam que coronavírus é "mentira"

André Guilherme Vieira 

Marcos de Moura e Souza

16/03/2020

 

 

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que se concentraram na manifestação da avenida Paulista, em São Paulo, classificaram a pandemia do coronavírus como "uma mentira para esvaziar protestos". A afirmação foi feita pelo líder do Movimento Direita Conservadora (MDC), o psicólogo de Uberlândia Vagner Cunha, que puxava o protesto do alto do único caminhão de som utilizado no ato. Os manifestantes gritaram palavras de ordem pedindo a prisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli e do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

"O Doria pinóquio, cara de pau que se elegeu mentindo, pensou que a gente não ia para a rua, mas tem de saber que esse é um ato de desobediência civil", disse Cunha.

No entorno do caminhão, manifestantes chamaram o coronavírus de "comunavírus".

Policiais militares presentes na Paulista estimaram o público em cerca de 3 mil pessoas no pico da manifestação. Mas não houve estimativas oficiais. Um advogado que se declarou como "pré-candidato a prefeito" de São Paulo, Antonio Ribas Paiva, sem filiação partidária, disse que foi o responsável por alugar o caminhão de som de 23 metros de comprimento.

O padrão se repetiu no país: os atos ocorreram em diversas cidades em todos os Estados, mas com público menor do que em outras manifestações bolsonaristas, e mais radicalizadas. A manifestação do dia 15 inicialmente havia sido concebida para o recolhimento de assinaturas para a criação do partido "Aliança pelo Brasil". Posteriormente, os organizadores elegeram o Congresso e o Supremo Tribunal Federal como alvos.

Bolsonaro incentivou o comparecimento às manifestações em um primeiro momento. Com o agravamento da crise do coronavírus, recuou e recomendou que a população evitasse aglomerações no fim de semana. Mas ontem ele foi a ato realizado em Brasília e cumprimentou militantes.

Em Belo Horizonte, a preocupação com risco de contaminação pelo coronavírus também pareceu não ter sido levada a sério pelos manifestantes que se reuniram na Praça da Liberdade. Muitos militantes, no entanto, especialmente os mais velhos, cobriam o rosto com máscaras cirúrgicas. Algumas traziam a expressão "corruPTvírus" estampada. Uma grande foto de Rodrigo Maia exibia a legenda "chantagista". Ao lado, a imagem do presidente do STF, Dias Toffoli, e as palavras "desprezível" e "nada".

Um dos oradores que discursaram na praça falou sobre o que considerava a ameaça da instituição do parlamentarismo no Brasil e de uma eventual tentativa de impeachment de Bolsonaro. Disse que não é a hora de falar na possibilidade de intervenção militar para proteger o presidente - uma das ideias que circulam pelas redes bolsonaristas mais radicais - mas prometeu: "o povo irá em massa para as ruas. Direita BH e Movimento Orgulho Nacional foram alguns dos organizadores.

No Rio de Janeiro a manifestação aconteceu na orla de Copacabana. A militância ostentava cartazes com dizeres como "Congresso e STF matam mais que coronavírus" e "Fora Rodrigo e Companhia, SOS Generais, Intervenção Militar Já", segundo registro do portal G1. Muitos manifestantes usavam máscara facial.

A manifestação foi marcada por um incidente em Goiânia, onde o governador Ronaldo Caiado (DEM) foi até a Praça Cívica para tentar convencer manifestantes a encerraram o ato. "Vocês precisam mais do que nunca ter responsabilidade de impedir que aglomerações provoquem a disseminação do coronavírus". Foi calado com ofensas, gritos de "vai pra Cuba" e vaias.

Em Belém e Ribeirão Preto (SP), as manifestações contaram com a participação de deputados federais. No Pará, o delegado Eder Mauro (PSD-PA) desprezou, logo de manhã, no twitter, a emergência mundial de saúde: "Pandemia meus ovos", escreveu, substituindo a palavra "ovos" pelo emoji que reproduz o alimento. No interior de São Paulo o deputado Marco Feliciano (sem partido-SP) marcou presença.

No Recife, a manifestação se concentrou na avenida Boa Viagem, na zona sul da cidade. Muitos manifestantes usavam máscaras hospitalares. Do alto do trio elétrico, os organizadores anunciaram a presença de 50 mil pessoas, mas não foi divulgado levantamento oficial da Polícia Militar. Um dos cartazes fazia um apelo ao vice-presidente, Hamilton Mourão. "Hey, Mourão! Presta atenção, fecha o Congresso e põe o Maia na prisão" (colaborou Marina Falcão, do Recife, com Folhapress).

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Atitude é condenada por Alcolumbre, OAB e oposicionistas

16/03/2020

 

 

A participação do presidente Jair Bolsonaro em manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, desrespeitando orientações da equipe médica e o protocolo do Ministério da Saúde, gerou repercussão imediata. O Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em nota enviada à imprensa, disse que “é inconsequente estimular a aglomeração de pessoas nas ruas”. Segundo Alcolumbre,. “a gravidade da pandemia exige de todos os brasileiros, e inclusive do presidente da República, responsabilidade! Todos nós devemos seguir à risca as orientações do Ministério da Saúde”. O parlamentar do DEM criticou os responsáveis por convocar manifestantes para participarem de atos contra os Poderes. “Convidar para ato contra os Poderes é confrontar a Democracia”, afirmou Alcolumbre.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, disse em nota que o presidente “dolosamente aumenta o risco de um pico de contágio pelo coronavirus, em um momento de união e prudência, em que todas as instituições estão se reunindo para suspender eventos”, segundo registrou o portal Uol.

Rivais de Bolsonaro na disputa presidencial de 2018 foram particularmente duros. O ex-governador do Ceará, Ciro Gomes (PDT), pelas redes sociais, chamou o presidente de “canalha irresponsável” que “estimula seus fanáticos a se aglomerarem e aumentar o risco para eles e para todos”.

O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), que disputou contra Bolsonaro o segundo turno na eleição, também criticou o presidente pelas redes sociais. “ Hoje a democracia brasileira sofreu um duro ataque. O próprio presidente, entusiasmado com os apelos pelo fechamento do regime, desconsiderou as recomendações das autoridades sanitárias para celebrá-lo. Se não é caso de impeachment, é de interdição”.

Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o ministro da Saúde afirmou que a orientação dada para que pessoas não participem de aglomerações vale para todos, mas ressalvou que trata-se de simples orientação. “É igual quando eu coloco no cigarro- o Ministério da Saúde faz o quê? Ele adverte: causa câncer. Mas eu não determino a proibição. Como quando o médico fala pra você: ‘tem que fazer caminhada, não pode comer gordura’”.