O Estado de São Paulo, n.46174, 19/03/2020. Política, p.A4

 

Vinte e duas capitais têm panelaço contra Bolsonaro

Jussara Soares

Jullia Lindner

19/03/2020

 

 

Apesar de fazer aceno a Congresso, presidente mantém tom político na condução da crise, aparece com máscara em coletiva e diz não descartar pegar “metrô lotado em São Paulo'

Pelo segundo dia consecutivo, o presidente Jair Bolsonaro foi ontem alvo de protestos nas principais cidades do País. Moradores de ao menos 22 capitais fizeram panelaços contra o presidente. Marcados inicialmente para as 20h30, os atos ocorreram ao longo do dia, enquanto Bolsonaro fazia aparições públicas para falar sobre medidas de combate ao coronavírus.

Desde o início da tarde, o presidente tentou neutralizar o efeito do protesto contra seu governo. Nas redes sociais e em entrevista coletiva, Bolsonaro divulgou a existência de outro panelaço, às 21h e a favor do seu governo. Houve registros de mobilização pró-Planalto em pelo menos oito capitais até a conclusão desta edição.

Depois de passar dias minimizando o impacto do coronavírus, Bolsonaro tentou demonstrar que está no comando do enfrentamento da pandemia. Ao lado de oito ministros, todos usando máscaras brancas, o presidente afagou o Legislativo e o Judiciário, disse que vê um momento de “grande gravidade”, mas não admitiu ter errado quando, no domingo, foi ao encontro de apoiadores que se aglomeraram diante do Palácio do Planalto. Sua participação nos atos do dia 15 rendeu críticas de políticos e médicos.

Auxiliares do Planalto disseram que o saldo do dia foi negativo. Os panelaços foram vistos internamente como consequência de um “erro político” de Bolsonaro na condução da crise. A avaliação é de que o presidente demorou a reconhecer o problema e passou a impressão de que foi contra o sentimento da maioria da população.

Foram registrados panelaços em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Vitória, Belo Horizonte, Porto Alegre, Maceió, Natal, São Luís, João Pessoa, Fortaleza, Recife, Belém, Florianópolis, Goiânia, Natal, Aracaju, Teresina, Curitiba, Palmas e Boa Vista.

Antes que as manifestações ocorressem, Bolsonaro classificou o panelaço como um movimento “espontâneo” e uma “expressão da democracia”. Lembrou que também haveria manifestação a favor do governo. Os atos foram registrados em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Goiânia, Salvador, Belo Horizonte, Florianópolis e Maceió. “Qualquer movimento por parte da população, eu encaro como expressão da democracia”, afirmou o presidente.

Embora tenha moderado o discurso, Bolsonaro afirmou ontem que não descartava pegar “um metrô lotado em São Paulo” ou uma “barca no Rio de Janeiro”, na travessia até Niterói, para mostrar que está “ao lado do povo.” O Ministério da Saúde recomenda, no entanto, que as pessoas evitem aglomerações para não se contaminar. “Não é demagogia ou populismo, (mas, sim) demonstração de que estou ao lado do povo na alegria e na tristeza”, afirmou.

A mudança de tom de Bolsonaro também atende a interesses políticos. Enquanto ele continuava insistindo que a pandemia tinha como o pano de fundo uma “luta pelo poder”, Alcolumbre e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, se organizaram para apresentar medidas.

Maia não compareceu a uma reunião no fim da tarde, convocada por Bolsonaro. “O presidente nos convida para conversar, queremos organizar a pauta e com isso poder avançar no diálogo objetivo que construa soluções para os brasileiros. Não é apenas uma pauta para fotografia”, disse Maia. O único presente ao encontro foi Toffoli, já que Alcolumbre está com coronavírus .

Poder. Em meio à crise do coronavírus, Bolsonaro assiste a uma redução de apoio em sua base política e nas redes sociais. O comportamento do presidente tem gerado críticas até entre aliados do Palácio do Planalto. Em caráter reservado, parlamentares da base governista disseram que o presidente erra ao minimizar o vírus e temem a repercussão que isso pode ter entre eleitores de direita. Parlamentares bolsonaristas ouvidos pela reportagem revelaram temor com o isolamento político do presidente.

Além disso, um estudo elaborado pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPPFGV) mostra que, desde a última quinta-feira, a base pró-Bolsonaro no Twitter perdeu metade do espaço na rede no debate sobre coronavírus. O grupo que, no último dia 12, reunia 12% das interações, caiu para 6,5% até anteontem. Houve também crescimento na participação de temas ligados a Maia e Alcolumbre, com posicionamentos em defesa de esforços pragmáticos para a redução do impacto futuro da pandemia no Brasil.