O Estado de São Paulo, n.46174, 19/03/2020. Economia e Negócios, p.B1

 

BC corta juros básicos para 3,75% ao ano para tentar combater efeito de vírus

Eduardo Rodrigues

Indiana Tomazelli

19/03/2020

 

 

Redução de 0,5 ponto porcentual na Selic já era aguardada em meio ao caos no mercado; este é o sexto corte consecutivo da taxa no atual ciclo, após período de 16 meses de estabilidade; comunicado do Copom indica que na próxima reunião juro deverá ser mantido

Com o risco real de retração da economia global em 2020 por causa da pandemia do novo coronavírus, o Comitê de Política Monetária (Copom) seguiu o caminho de diversos bancos centrais ao redor do mundo e voltou a cortar a taxa básica de juros brasileira (Selic). Com uma redução de 0,5 ponto porcentual, a taxa caiu de 4,25% para 3,75%, renovando o menor patamar da história para os juros no País. Foi o sexto corte consecutivo da taxa após um período de 16 meses de estabilidade.

Na última reunião do Copom, no começo de fevereiro, o colegiado chegou a afirmar que não cortaria os juros em março. Mas a disseminação da covid-19 por todos os continentes e a reação de governos e do mercado nas últimas semanas alteraram drasticamente o cenário para a reunião desta semana, levando a um novo corte da taxa básica de juros.

Ao longo da semana, o BC brasileiro sofreu forte pressão para intensificar a queda da Selic. Depois que o Fed (Federal Reserve) anunciou, no domingo, corte na taxa de juros americana em reunião extraordinária, que ficou entre de zero e 0,25%, aumentaram as expectativas para que o comitê intensificasse o corte na taxa Selic.

Desde dezembro de 2017, os juros básicos brasileiros renovam as mínimas históricas. Mesmo com o corte, no entanto, o Brasil ainda tem juro real positivo.

De acordo com levantamento da Infinity Asset Management é a nona taxa mais alta entre 40 países. Ou seja, uma aplicação financeira que renda esse porcentual durante os próximos 12 meses terá resultado superior ao da inflação projetada pelo mercado financeiro para o mesmo período.

No comunicado da decisão de ontem, o Copom indicou que o BC manterá a Selic nesse patamar na próxima reunião, daqui a 45 dias. Enfatizou, no entanto, que o cenário para economias emergentes – como é o caso do Brasil – se tornou desafiador.

Freada. “No cenário externo, a pandemia causada pelo novo coronavírus está provocando uma desaceleração significativa do crescimento global, queda nos preços das commodities e aumento da volatilidade nos preços de ativos financeiros”, detalhou o BC.

Uma nova queda nos juros era esperada por todo o mercado, ainda que o tamanho do corte não fosse um consenso. Em levantamento realizado na segunda-feira pelo Projeções Broadcast com 26 instituições, 16 apostaram no corte de 0,5 ponto porcentual que foi efetivado ontem.

Na avaliação do BC, a pandemia do novo coronavírus atingiu o Brasil enquanto os indicadores da atividade ainda apontavam para uma recuperação gradual da economia. Agora, a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) dependerá da duração e da magnitude dos efeitos da covid-19 sobre os diversos setores econômicos. Se, por um lado, o ritmo lento da atividade econômica e a pandemia do novo coronavírus podem causar uma inflação menor que a projetada, de outro, os juros tão baixos em um cenário externo ruim e com paralisação das votações de reformas podem elevar os preços no País.

Por isso, o BC voltou a pregar “cautela” para a próxima reunião, marcada para os dias 7 e 8 de maio. Embora avalie como adequada a manutenção da Selic em 3,75% ao ano, o Copom reconheceu que novas informações nas semanas à frente serão essenciais para a próxima decisão sobre os juros.

Para o economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas, o Copom tomou uma decisão equilibrada. “O momento é desafiador e o BC apontou o risco de haver uma demanda maior por juros mais altos lá na frente, então, a decisão está de bom tamanho, foi dentro do possível, equilibrada e com critério técnico”, afirmou.

Já o professor titular da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Kfoury, avaliou que o BC poderia ter sido mais ousado, com um corte maior nos juros que desse mais impulso à atividade econômica. “O Copom agiu em desacordo com os manuais de inflação porque essa crise é deflacionária. Para mim, o BC está guardando munição para as próximas reuniões. Estou convicto de que teremos PIB negativo neste ano”, completou. / COLABORARAM ANDRÉ ÍTALO ROCHA E FRANCISCO CARLOS DE ASSIS

Desafio

“O momento é desafiador e o BC apontou o risco de haver uma demanda maior por juros mais altos lá na frente, então, a decisão está de bom tamanho, foi dentro do possível, equilibrada e com critério técnico.”

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Tesouro Selic deve render abaixo da inflação

Talita Nascimento

19/03/2020

 

 

Títulos mais longos, atrelados à inflação ou prefixados, subiram prêmio, mas têm mais riscos para o investidor

Com a redução de 0,5% ponto porcentual da taxa básica de juros, a aplicação no Tesouro Selic deve ter rendimento abaixo da inflação. O que significa que, em um ano, o dinheiro investido ali, perde poder de compra.

A conta é simples. Considerando-se, para os próximos 12 meses, a inflação projetada para 2020 pelo Boletim Focus, que é de 3,1%. Com a nova taxa de juros, descontadas as taxas e Imposto de Renda, o Tesouro Selic renderia 2,8% em um ano. Sendo assim, a alta de preços da economia seria maior que o rendimento da aplicação.

Os cálculos são do professor de finanças da FGV e colunista do Estado, Fábio Gallo. Mesmo assim, a aplicação segue um pouco acima da poupança – que ficou com rendimento de 2,62% ao ano –, seguindo com características importantes em tempos de crise: liquidez e segurança.

As letras de crédito imobiliário (LCI), que paguem 97% do CDI, e CDBs, que remunerem 116% do CDI, seguem ganhando da inflação projetada. Em um ano, estima-se que eles tenham, respectivamente, rendimentos de 3,64% e 3,48%.

Já para o investidor que tem mais prazo para resgatar o investimento e está disposto a correr risco, há outras possibilidades na renda fixa. Em meio à crise causada pela pandemia do coronavírus, títulos atrelados à inflação com vencimento em 2026, por exemplo, aumentaram seu prêmio sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para 4,16%. Com vencimento no mesmo ano, os títulos prefixados – que definem no momento da compra toda a remuneração que o investidor terá quando fizer o resgate – apresentam remuneração de 8,32%. Isso acontece porque, apesar do corte de ontem, promovido pelo Copom, a expectativa do mercado é que, no futuro, os juros voltem a subir. Sendo assim, os títulos que têm prazos mais longos, oferecem uma remuneração melhor.

“Podemos dizer que, no momento, as melhores oportunidades estão nos títulos atrelados à inflação e nos prefixados.

Agora, os prefixados têm mais risco, já que, caso a taxa de juros ou a inflação subam mais que o esperado, o investidor já aceitou a remuneração”, diz Gallo.

Para André Perfeito, economista-chefe da Necton, os títulos atrelados à inflação até podem ser uma possibilidade nas carteiras dos investidores, mas a recomendação é ficar no pós. “Na nossa visão, o Copom não fará mais cortes e, lá na frente, volta a subir as taxas.”.

O coordenador do laboratório de finanças do Insper, Michel Viriato, diz ainda que a inflação pode arrefecer mais com a crise e fazer o Tesouro Selic, que é um título pós-fixado, voltar a ter ganho real.

Cautela

“Podemos dizer que, no momento, as melhores oportunidades estão nos títulos atrelados à inflação e nos prefixados.”