Correio braziliense, n. 20770 , 04/04/2020. Política, p.2

 

Fritado por Bolsonaro, apoiado pela população

Renato Souza

Ingrid Soares

Luiz Calcagno

04/04/2020

 

 

Alvo de críticas do presidente, Mandetta mantém contraposição ao chefe do Executivo e recomenda que brasileiros sigam as medidas restritivas definidas pelos governadores. Ministro da Saúde recebe apoio nos três poderes e da opinião pública, como mostram pesquisas

Alvo de fritura explícita pelo presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não parece se abalar e mantém as orientações ao país de seguir com o isolamento social que tanto irrita o chefe do Executivo. Ontem, ele pediu à população que siga as determinações dos governadores para combater a disseminação da Covid-19. De acordo com o ministro, os líderes dos Executivos estaduais têm acesso aos dados detalhados sobre a situação de cada região e saberão o que fazer. Os governadores são alvo de críticas de Bolsonaro por terem decretado o fechamento de escolas e comércios.

“Nós recomendados que as pessoas, todas elas, atendam às recomendações dos governadores dos seus estados, que têm os melhores números, os melhores indicadores para propor as medidas. O que é da minha responsabilidade é dizer: temos uma doença infecciosa respiratória viral, o vírus é competente e, se nos juntarmos, vamos fazer contaminação uns dos outros”, pregou.

Questionado se pedirá demissão por causa das críticas que vem sofrendo de Bolsonaro, Mandetta afirmou: “Quanto a deixar o governo por minha vontade, tenho uma coisa na minha vida que aprendi com meus mestres: médico não abandona paciente”, enfatizou o ortopedista. “O compromisso do médico é com o paciente, e o paciente, agora, é o Brasil”, frisou. Na quinta-feira, o chefe do Executivo acusou o ministro de falta de humildade e disse que ele extrapolou suas funções. Também revelou que os dois se bicam “há algum tempo”. Perguntado sobre o assunto, Mandetta comparou a atitude de Bolsonaro à de um familiar que contesta procedimentos médicos, mas ressaltou que “o compromisso (do médico) é com o paciente”. “É normal que quem tem amor pelo Brasil, como é o caso do presidente Bolsonaro, se preocupe e questione as decisões. Da minha parte, isso é muito tranquilo.”

Mandetta frisou que todo o primeiro escalão do governo tem acesso aos dados que revelam a profundidade da doença no país e que cada um decide como usá-los. “É muito temerário perguntar para alguém que tem todos os números que nós temos, todas as informações que nós temos, que são compartilhadas com todos os ministros, com o presidente, os números estão lá, ai é uma questão de saber como interpretar esses números”, completou. Ele destacou, ainda, que chegou a cargo por vontade do chefe do Executivo, e que continua por vontade dele.

Elogios

Em meio aos ataques que sofre do chefe, Mandetta tem ganhado cada vez mais apoio. Na quinta-feira à noite, sem previsão na agenda, ele se reuniu com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). No encontro, recebeu elogios dos líderes do Congresso por seu trabalho.

Ontem, Maia enalteceu a postura do ministro. Disse que a atuação dele é pautada na ciência e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da experiência de outros países no enfrentamento da doença, por isso, tem o respaldo de parlamentares e da população. Uma evidência é mostrada por pesquisa da Datafolha, apontando que 76% dos brasileiros aprovam a atuação do Ministério da Saúde, e 33%, menos da metade, a de Bolsonaro — o instituto entrevistou 1.511 pessoas, por telefone, entre 1º de abril e quinta-feira.

“É um resultado que mostra que a sociedade está compreendendo, primeiro, o que representa o vírus, a prevenção e todo o trabalho comandado pelo ministro Mandetta”, disse Maia. “É a demonstração clara da sociedade de que a ciência é prioridade de todos. Acompanhar o que dizem os profissionais da área de saúde, os resultados de outros países e a condução firme e corajosa do ministro, que vem conduzindo com muita competência e mostrando suas qualidades como gestor público em um momento difícil como este.”

Maia também afirmou que todos os decretos do presidente são avaliados rigorosamente por parlamentares. Uma medida que, eventualmente, contrarie as determinações do Ministério da Saúde e da OMS, por exemplo, não passaria na Câmara. “O presidente fez escolhas pessoais para os ministérios. E deixou isso claro. O Mandetta foi escolha dele, embora seja filiado ao partido, um grande quadro, ele foi escolhido pelas qualidades técnicas”, afirmou. “Esse conflito que ele (Bolsonaro) constrói não faz nenhum sentido. Ele delegou ao ministro a área técnica. O que eu acredito é que o ministro tem conseguido, com toda a dificuldade, organizar as coisas.”

Popularidade

Mandetta ganhou apoio também do ministro da Justiça, Sérgio Moro, de integrantes da ala militar, e do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. A popularidade dele tem aumentado a cada dia, com muitos pedidos na internet para que se candidate nas eleições presidenciais de 2022, embora afirme que não tem pretensões políticas.

Para Rodrigo Prando, cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, é natural que a sociedade encontre novos líderes quando os atuais começam a falhar. “O poder não fica órfão. Se alguém não exerce o poder, outro exercerá. No meio da crise da pandemia, o presidente não mostrou qualidades suficientes para se tornar o líder que o Brasil precisaria, a tranquilidade, a seriedade e a competência técnica para lidar com esse problema grave, com consequências sociais, econômicas, políticas e até mesmo culturais”, argumentou. “Na ausência da liderança de Bolsonaro nesse processo, o ministro Mandetta assumiu esse posto. Quando se lidera numa situação como essa, de crise, de guerra, de pandemia, de desastre, se fizer da maneira correta, se comunicando com transparência, sendo competente no discurso e nas ações, você ganha capital político.”

Frase

“Quanto a deixar o governo por minha vontade, tenho uma coisa na minha vida que aprendi com meus mestres: médico não abandona paciente (...) O compromisso do médico é com o paciente, e o paciente, agora, é o Brasil”

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Risco de instabilidade com eventual demissão

Bruna Lima

Sarah Teófilo

04/04/2020

 

 

Para evitar mais desgaste, a orientação interna no Ministério da Saúde é de concentração total nas tomadas de decisões técnicas, deixando de lado qualquer embate pessoal. Quem atua na linha de frente afirma que a liderança do ministro Luiz Henrique Mandetta tem agradado cada vez mais aos membros da equipe e se convertido em união de esforços. Segundo membros do gabinete estratégico ouvidos pelo Correio, esse alinhamento ecoa na sociedade.

Os apoios a Mandetta também surgem fora do ministério. Coordenadora da Frente Parlamentar Mista da Saúde (FPMS), a deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC) evitou avaliar que tipo de sinal o presidente Jair Bolsonaro emitiria se demitisse Mandetta. A parlamentar afirmou, entretanto, que "não trabalha com a possibilidade" de saída do ministro. "Ele tem todo o apoio da Frente Parlamentar", enfatizou, ressaltando que o titular do ministério é necessário neste momento.

Sanitarista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Brasília, Cláudio Maierovitch acredita que retirar Mandetta da pasta atrapalharia todos os esforços no combate ao coronavírus. "Qualquer movimento de instabilidade neste momento no ministério, que é a única parte do governo que está conduzindo adequadamente a epidemia, ameaça o que está sendo feito", ressaltou.

Para ele, o combate à pandemia depende muito de credibilidade e de três frentes: conhecimento, amplamente compartilhado pelos veículos de comunicação; medo, uma vez que as pessoas estão assustadas; e confiança. "As pessoas acreditam em alguém que oriente e diga que o que elas estão fazendo, é prática de uma política de saúde pública que enfrenta a epidemia. No momento em que a equipe fica instável, essa credibilidade vai (embora) junto", afirmou.

O sanitarista frisou, ainda, que trocar um ministro que tem seguido orientações técnicas, mesmo divergindo do presidente, pode significar colocar no seu lugar alguém sem divergências com o chefe do Executivo e que pode minimizar a doença; alguém que acredite que a economia deve voltar com força. "E isso vai dar um baita impulso na transmissão do vírus", ressaltou.

Cientista político da Arko Advice, Cristiano Noronha afirmou que a eventual saída de Mandetta e da equipe seria extremamente negativa para o governo em um momento de crise como este. Ele pontuou que o gestor e seus assessores estão familiarizados com as ações contra o coronavírus e sabem de todo o histórico de medidas. "Uma eventual substituição dele poderia causar uma certa descontinuidade (das ações)", argumentou.

Outro ponto citado pelo cientista político é o que a substituição poderia significar, uma vez que o ministro tem se pautado em questões técnicas e científicas para tomar decisões. "Poderia causar a impressão de que a postura mais técnica estaria sendo deixada de lado, e isso não seria muito bem-aceito. Poderia, inclusive, afetar a imagem do país no exterior", enfatizou.