Correio braziliense, n. 20770 , 04/04/2020. Economia, p.8

 

Crédito para empresas sai do papel

Marina Barbosa

04/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Ministério da Economia garante que no início da próxima semana começarão a ser liberados financiamentos para cobrir a folha de pagamento de pequenas e médias companhias. A expectativa é de conceder uma linha de crédito no valor de R$ 40 bilhões

Muitas empresas ainda não sabem como vão pagar os salários de março, que vencem agora no início de abril, por conta da queda da receita provocada pela crise do coronavírus. Por isso, o governo prometeu colocar para rodar no início da próxima semana a linha emergencial de crédito para financiar a folha de pagamento de pequenas e médias empresas. A medida havia sido anunciada há mais de uma semana. No total, devem ser liberados R$ 40 bilhões para 1,4 milhão de empresas pagarem o salário de 12,2 milhões de trabalhadores.

O Ministério da Economia informou, ontem à noite, em uma coletiva de imprensa convocada na última hora, que o presidente Jair Bolsonaro assinaria ainda ontem a chamada Medida Provisória (MP) do Pagamento das Folhas. "Assim que for publicada, faremos uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) para detalhar o programa. É uma questão de horas. Podemos fazer uma reunião extraordinária no fim de semana, assim que tiver a documentação pronta, para que o programa possa ser implementado de imediato. Então, já no começo da semana que vem, os bancos podem ativar o programa", garantiu o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys.

Também presente na coletiva, o diretor de Regulação do Banco Central (BC), Otávio Damaso, lembrou que a linha de crédito vai permitir que empresas com faturamento anual de R$ 360 mil a R$ 10 milhões financiem o pagamento de até dois salários mínimos por trabalhador por um período de dois meses. O crédito poderá ser contratado nos bancos com os quais essas empresas já têm relacionamento e será oferecido com condições especiais. O financiamento terá juros de 3,75% ao ano, carência de seis meses e mais 30 meses de prazo de pagamento.

O dinheiro vai cair direto na conta do trabalhador, que terá a garantia da manutenção do emprego assegurada no contrato do empréstimo. "A empresa não poderá demitir sem justa causa os empregados durante a vigência do programa, e por mais 60 dias após o recebimento de recursos", informou Damaso.

Recursos
A linha de crédito emergencial que será criada pela MP do Pagamento das Folhas tem orçamento de R$ 40 bilhões, dos quais R$ 36 bilhões são do Tesouro Nacional e R$ 6 bilhões de bancos privados. "Os riscos também serão divididos. As instituições financeiras cobrirão 15% do risco de uma eventual inadimplência e o Tesouro, os outros 85%", informou o secretário da Fazenda, Waldery Rodrigues. Ele lembrou, ainda, que os R$ 36 bilhões que serão disponibilizados pelo Tesouro terão um impacto equivalente a 0,45% do PIB nas contas públicas.

"É uma medida que faz parte da caixa de ferramentas que o governo federal colocou à disposição de empresas e empregados para a manutenção dos empregos durante a crise", disse o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco. Ele afirmou que a decisão é complementar à medida provisória que permite a redução dos salários durante a pandemia do coronavírus, já que ajuda as empresas a pagarem salários nos próximos meses.

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Acordos ja feitos têm que ser adaptados

Alessandra Azevedo

04/04/2020

 

 

Empresas que já mudaram jornadas e salários de funcionários para conter os prejuízos com a pandemia de Covid-19 têm até 12 de abril para adequar os termos dos acordos à Medida Provisória (MP) nº 936. A MP, editada na última quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, permite a redução em 25%, 50% ou 70% dos salários, e até a suspensão dos contratos, durante três meses. Parte do valor do corte será complementada pelo governo.

Os termos dos acordos que já tenham sido feitos entre trabalhadores e empregadores, de forma coletiva ou individual, devem seguir as regras estabelecidas. Ou seja, as mudanças só podem ser por negociação direta, sem participação de sindicatos, em três situações: para funcionários que recebem até três salários mínimos (R$ 3.135), para os que ganham acima do dobro do teto do Instituto Nacional do Seguro Social (R$ 12.202) e para reduções de 25%.

O prazo de 10 dias é apenas para validar acordos que já foram fechados. Novas negociações podem ser feitas desde que a MP foi editada. As empresas têm três meses para escolher se vão recorrer à medida e por quantos meses. Podem, inclusive, mudar os termos ao longo do período. Por exemplo, reduzir em 50% por um mês e, depois, mudar para 25%, caso a situação melhore, no mês seguinte. Ou o caminho contrário: aumentar o corte para 70% ou suspender o contrato, o que só pode ser feito por até dois meses.

Os acordos devem ser registrados no site ou no aplicativo Empregador Web, do governo federal. É a mesma ferramenta usada pelas empresas para enviar o requerimento de seguro-desemprego. Isso vale também para empregados domésticos. O secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, explicou que o sistema é intuitivo e já faz parte da rotina das empresas, sem novidades.

A consultora jurídica da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA), Lirian Sousa Soares Cavalhero, explica que as atas das discussões, decisões e formalização da convenção podem ser feitas por meio eletrônico. A proposta precisa ser enviada ao empregado com, pelo menos, dois dias de antecedência, com a garantia de manutenção dos benefícios previstos em convenção coletiva, como plano de saúde e vale alimentação, proporcionalmente ao tempo trabalhado.

Estabilidade
As empresas que adotarem a medida, em qualquer percentual, são obrigadas a manter o contrato com o funcionário afetado pelo mesmo tempo que durar a suspensão ou redução da jornada. Se aderir por três meses, fica garantido o vínculo pelo mesmo período ou o pagamento dos salários do tempo correspondente. Caso opte por demitir um trabalhador que receba R$ 3 mil, depois de três meses com salário reduzido, precisará pagar R$ 9 mil.

Para Emerson Casali, diretor da CBPI Produtividade Institucional, a estabilidade pode desestimular alguns empregados a aderir à medida. "Não há certeza de que depois de três meses a situação terá melhorado. É arriscado prometer que vai manter o contrato, sem saber se a crise vai se resolver em um prazo tão curto", explicou.

Frase
"Não há certeza de que depois de três meses a situação terá melhorado. É arriscado prometer que vai manter o contrato, sem saber se a crise vai se resolver em um prazo tão curto"
Emerson Casali, diretor da CBPI Produtividade Institucional

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"MP dos salários aprofunda recessão"

Rosana Hessel

04/04/2020

 

 

Apesar de pretender socorrer o trabalhador formal, a Medida Provisória nº 936, que permite a redução de salários e de jornada em até 70%, abre caminho para matar empregos e empresas, criando um ambiente favorável para uma depressão econômica muito pior do que estava sendo prevista, na avaliação da economista Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics, de Washington.

"Essa MP aprofunda a depressão que já está contratada", afirmou Monica, em entrevista ao Correio. Por enquanto, ela prevê queda de 6% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, mas adiantou que o tombo deverá ser maior se a medida não for devolvida ao governo pelo Congresso.

A depressão é o pior dos mundos na macroeconomia, quando o PIB cai bruscamente, a taxa de desemprego dispara, há um grande número de falências de empresas, e a credibilidade do governo e sua capacidade de lidar com o problema são postas em xeque.

Pelas estimativas de Monica, nos Estados Unidos, já é possível ver o estrago que a pandemia de Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, vem fazendo no mercado de trabalho. Para ela, no Brasil não vai ser diferente. Ela estima que a taxa de desemprego nos EUA deverá explodir devido à crise, passando de 4,4% da população ativa, em março, para 14%, em abril.

"Esse dado de março ainda não pegou os 6,5 milhões de pedidos de auxílio desemprego desta semana no mercado norte-americano. Se nos EUA, esse cenário já configura uma depressão, porque seria diferente no Brasil?", questionou a economista. Em fevereiro, o desemprego no Brasil ficou em 11,6%, atingindo 12,3 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para Monica, a MP não vai ajudar a combater a crise financeira que está sendo formada pela pandemia. "Ela pode ser extremamente danosa para as pessoas e para a economia como um todo, porque vai reduzir a massa salarial da maioria dos trabalhadores formais e criar um ambiente deflacionário e que não vai contribuir para a retomada da atividade", disse a economista.

Pelas contas de Monica, 70% dos trabalhadores formais afetados pela medida ganham até três salários mínimos (R$ 3,1 mil), que já é uma renda "muito baixa", e devem sofrer uma diminuição nos rendimentos em até 30%. "Um achatamento da massa salarial dessa magnitude pode ter efeitos danosos para a macroeconomia, porque não haverá espaço para uma reação da atividade", alertou.

Segundo a economista especialista no estudo de crises financeiras, em uma situação de deflação, quando todos os preços caem de forma generalizada devido à forte retração na demanda porque a massa salarial está sendo comprimida. Fatalmente, o país pode ter uma situação de depressão econômica.

Efeitos perversos
Na avaliação de Monica de Bolle, a MP mostra que a equipe econômica liderada pelo ministro Paulo Guedes não está sabendo como lidar com a crise. "Essa medida é muito grave e mostra o desconhecimento dos dados, e como isso vai afetar as pessoas e as empresas de maneira geral", resumiu.

Para ela, a forma mais justa de se combater o desemprego da grande massa de trabalhadores que ganham até três salários mínimos seria garantir um subsídio para complementar a folha de pagamentos, condicionado à manutenção dos salários, "desde que não sejam salários exorbitantes".

Monica defende que o Congresso rejeite a medida provisória o quanto antes e faça um plano diferente, para preservar empregos. "Esse não é o momento de reduzir salários, sobretudo, de pessoas de baixa renda e que recebem vencimentos muito baixos", afirmou. "É a precarização absoluta do trabalho."

Judicialização
Aa MP 936 também deve gerar uma enxurrada de processos judiciais, na avaliação de analistas e entidades da área jurídica. Marcos Chehab, coordenador do Movimento da Advocacia Trabalhista Independente (Mati), por exemplo, considera a medida inconstitucional, porque fere o artigo 7º da Constituição, que trata dos direitos dos trabalhadores. "Uma MP nunca pode autorizar a supressão de convenções ou acordos coletivos mediante acordos ou ajustes individuais entre patrões e empregados", declarou. "A MP também exclui participação de sindicatos, retirando de cena quem poderia brigar por melhores condições para a massa de trabalhadores", emendou.

6%
É a previsão da economista para a queda do PIB em 2020. Mas, segundo ela, retração pode ser ainda maior