Título: Maluf devolverá US$ 22 milhões
Autor: Braga, Juliana ; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Correio Braziliense, 17/11/2012, Política, p. 3

Justiça de paraíso fiscal inglês condena o ex-prefeito a enviar à capital paulistana recursos supostamente desviados de obra. Caberá a Haddad repatriar o dinheiro do aliado. PT nega constrangimento

O ex-prefeito de São Paulo e deputado federal Paulo Maluf (PP) foi condenado ontem pela Justiça de Jersey, paraíso fiscal na Inglaterra, pelo suposto desvio de US$ 22 milhões, nos anos 1990, das obras de construção da Avenida Água Espraiada (atual Jornalista Roberto Marinho, que vai da Marginal Pinheiros até a proximidade do Aeroporto de Congonhas). De acordo com a sentença da Corte, “o município foi vítima de uma fraude”, Paulo Maluf participou dos desvios e deve devolver o dinheiro. Além da dor de cabeça para Maluf, a condenação traz outro constrangimento, esse para o futuro prefeito da cidade, Fernando Haddad (PT). Após contar com o apoio do pepista para a sua eleição, Haddad será o gestor responsável por pedir a repatriação desses recursos. Enquanto negocia cargos para a legenda do deputado, o PT afina o discurso a fim de evitar saias justas.

A saída elaborada pelo partido de Haddad para contornar problemas ao prefeito eleito no processo de recuperação dos recursos desviados foi descolar Maluf do partido ao qual pertence. “Nós temos uma aliança com o PP, não com o Maluf. E, ao que me consta, o PP não tem dinheiro no exterior”, declarou ao Correio o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), um dos coordenadores da campanha de Haddad.

Ainda durante o primeiro turno, a foto de Maluf ao lado de Haddad e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva causou constrangimentos ao PT e decretou o fim da aliança com a ex-prefeita da capital paulista e deputada Luiza Erundina (PSB). Para o PT, o fato de Haddad ter sido eleito mostra que a militância e o eleitorado paulistano assimilaram a aliança. “Quem está negociando os cargos na prefeitura é o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, não o Maluf”, completou Zarattini.

Para outro petista paulistano, o fato de a decisão da justiça de Jersey ter sido tomada antes da posse de Haddad, marcada para janeiro, ajuda o futuro prefeito, já que ele assume com o compromisso de repatriar esses recursos. “Se Haddad não fizer isso, poderá ser acusado de improbidade administrativa. Haddad não pode condicionar isso à aliança eleitoral firmada com o PP.” Pela Lei n° 8.429/92, constitui improbidade administrativa “qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa” que cause lesão ao erário.

Por meio de nota, Maluf voltou a afirmar que nunca teve contas no exterior. Alegou ainda ilegalidade no processo, que, segundo ele, deveria ter ocorrido no Brasil, não no exterior. E argumentou ainda que o período investigado pelo processo é posterior ao mandato na prefeitura. “A sentença mostra claramente que os eventuais recursos citados na ação teriam sido movimentados em janeiro e fevereiro de 1998, quando Paulo Maluf não era mais prefeito de São Paulo, já que seu mandato acabou em dezembro de 1996. Portanto, já havia saído da prefeitura havia mais de um ano”, diz.

Ainda cabe recurso da decisão. A defesa tem prazo de 30 dias, mas a Corte em Jersey costuma acatar a determinação de instâncias inferiores. Não existe, entretanto, previsão para que os recursos sejam de fato devolvidos. Segundo o professor de direito administrativo da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo Maurício Zockun, como a repatriação envolve dois países, com regras diferentes, não há como estimar quanto pode demorar.

Superfaturamento De acordo com o Ministério Público de São Paulo, os recursos foram desviados da obra viária por meio de superfaturamento. O dinheiro era primeiro remetido a duas empresas controladas por familiares de Maluf nos Estados Unidos, a Kildare Finance e a Durant International, e, de lá, os recursos eram mandados para paraísos fiscais. Parte da verba retornou ao Brasil, por meio de investimentos de empresas offshore, também da família Maluf, na forma de empréstimos e na compra de ações.

Ainda segundo o Ministério Público, o dinheiro continuou sendo desviado mesmo quando o ex-prefeito deixou o cargo. As remessas ao exterior só cessaram em 1998. O processo também cita o filho do deputado, Flávio Maluf, como um dos diretores de empresas nos Estados Unidos. O pepista ainda responde por outros dois processos de improbidade administrativa no Brasil e dois processos criminais. Acusado de lavagem de dinheiro, pelo suposto envio de US$ 11,6 milhões para uma conta bancária nos EUA e, posteriormente, para a Ilha de Jersey, Paulo e Flávio Maluf têm os nomes no alerta vermelho da Interpol (Polícia Internacional) — índex dos mais procurados em todo o mundo — e podem ser presos caso deixem o Brasil.

R$ 840 milhões Custo dos 4,5 quilômetros da Avenida Jornalista Roberto Marinho, inaugurada em 1995. Na época, o empreendimento ficou conhecido como “a rua mais cara do mundo”

"Quem está negociando os cargos na prefeitura (de São Paulo) é o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, não o Maluf" Carlos Zarattini, deputado do PT-SP, um dos coordenadores da campanha de Fernando Haddad à prefeitura paulistana