Valor econômico, v.20, n.4968, 26/03/2020. Brasil, p. A11

 

Estratégia de isolamento vertical divide empresários

Stella Fontes

Ana Paula Machado

Chiara Quintão

Cibelle Bouças

26/03/2020

 

 

Embora os impactos da covid-19 sobre a economia preocupem o empresariado brasileiro, não parece haver consenso sobre os caminhos que devem ser adotados pelo governo para conter a pandemia. Enquanto há aqueles que avaliam que é melhor que uma maior parcela da população pare neste momento, para que o sistema de saúde tenha condições de atender a todos os doentes, outros acreditam que o isolamento vertical, defendido por Jair Bolsonaro, é a melhor saída para evitar uma crise econômica mais forte.

Para o empresário José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Associação Brasileira da Indústria Plástica (Abiplast), o Brasil deveria continuar seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no enfrentamento à covid-19. Em sua avaliação, o isolamento de apenas um grupo da população não parece a solução adequada, tendo em vista o que fizeram os países que conseguiram conter a pandemia, como a Coreia do Sul.

Por outro lado, o agravamento da crise econômica no Brasil pós -pandemia do novo coronavírus é o argumento usado pelo presidente da farmacêutica brasileira Biolab, Cleiton de Castro Marques, para defender o isolamento vertical.

Segundo o empresário, a crise social em curso pode piorar caso as medidas de isolamento total da população persistam por muito tempo. "Parar o país e os Estados Unidos vai ser nefasto para o Brasil. Por isso, sou favorável ao isolamento vertical", diz.

"Estou muito preocupado porque é preciso haver convergência do que deve ser feito no Brasil. A população não pode ficar em dúvida sobre o que deve ser feito", diz Roriz. Segundo ele, há também uma preocupação real com os impactos da pandemia na economia e com a necessidade de manutenção da renda do brasileiro, o que deveria ser atacado de frente pelo governo. "O que fizeram os países que deram certo e as recomendações da OMS é o que a gente deveria estar aplicando aqui", afirma.

Marques, da Biolab, diz que cabe aos empresários serem responsáveis ao usar a medida para não parar a produção. Na farmacêutica, cuja operação não pode parar, foi adotado o revezamento do trabalho remoto tanto na área administrativa quanto na produção. "Aqueles funcionários que estão no grupo de risco, foram afastados. Toda a área de propaganda médica também está trabalhando remoto. Mas, hoje, o que vejo é que estamos no meio de uma disputa política e isso é um desserviço para o Brasil."

Marques afirma ainda que, na Biolab, o horário de trabalho foi reduzido para diminuir a exposição dos funcionários que usam o transporte público. Na fábrica, a prioridade agora é produzir medicamentos essenciais e, por ora, foi interrompida a fabricação de amostras grátis. "Colocamos enfermeiros na entrada de cada unidade para medir a temperatura de cada empregado. Caso se constate que essa pessoa está com sintomas ela é, imediatamente, levada ao setor médico e afastada. Não estamos pedindo atestado médico para esse afastamento, temos que confiar nas pessoas. O momento exige responsabilidade", afirma.

O empresário Rubens Menin, fundador da MRV, defende que ainda não está na hora de o Brasil passar por um isolamento vertical - situação em que somente maiores de 60 anos e pessoas de outros grupos de risco são afastadas do convívio com as demais. Para ele, é preciso manter o isolamento social até que seja possível entender a curva de contaminação do coronavírus, no país, e a necessidade de leitos. "Quando entendermos essa curva, será a hora de começar a pensar na reativação da economia. Teremos de fazer isso um dia", afirma o empresário, ressaltando que não está claro qual será o momento para a mudança de postura.

Segundo Menin, a seletividade a ser adotada, mais para frente, deve se referir às indústrias e não às pessoas. "Empresas do grupo A, de utilidade pública, como padarias, não podem parar. As indústrias do grupo B, importantes para a recuperação da economia, como siderúrgicas e a construção civil, deverão ser retomadas quando for a hora de reativação. Outras empresas, as do grupo C, como turismo e cinema, terão de esperar mais."

Já Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) defende um modelo mais sofisticado de quarentena para conter a pandemia de covid-19 sem paralisar a economia. "Temos que cuidar das pessoas e cuidar da economia. Temos que encontrar um equilíbrio, com a adoção de ações coordenadas", afirmou Fernando Pimentel, presidente da Abit. O executivo considera importante que o país observe os resultados da quarentena nesta semana e na semana que vem para, a partir daí, definir um novo plano de ação.

"Os resultados da quarentena vão indicar a velocidade de contaminação e onde a situação é mais crítica. O ideal seria já começar a avaliar as informações e começar a ter uma volta das atividades econômicas de forma controlada", diz Pimentel. O executivo sugere manter em isolamento os grupos de risco - como pessoas com diabetes, hipertensão, doenças pulmonares, e idosos - com a liberação gradual de outros grupos para voltar ao trabalho."