Valor econômico, v.20, n.4968, 26/03/2020. Política, p. A15

 

Mourão contraria Bolsonaro e diz que política ainda é de isolamento

Fabio Murakawa 

Matheus Schuch

26/03/2020

 

 

O vice-presidente Hamílton Mourão disse ontem que o presidente Jair Bolsonaro "pode ter se expressado da maneira que não foi a melhor" durante pronunciamento em cadeia de rádio e TV na véspera sobre o coronavírus. Segundo o vice, a posição do governo para o combate à pandemia ainda é de isolamento.

"A posição do nosso governo, por enquanto, é uma só: o isolamento e o distanciamento social. Está sendo discutido e, ontem, o presidente buscou colocar. Pode ser que [Bolsonaro] tenha se expressado de uma forma que não foi a melhor, ele quis dizer sobre a segunda onda, a primeira é em relação à saúde e a segunda onda é a questão econômica", afirmou.

Mourão falou em uma entrevista coletiva por teleconferência sobre o Conselho da Amazônia. Ele disse que Bolsonaro tentou expressar preocupação com os reflexos do coronavírus na economia.

"Ontem [terça], o presidente buscou colocar e pode ser que ele tenha expressado de uma forma, digamos assim, que não foi a melhor. Mas o que ele buscou colocar é a preocupação que todos nós temos com a segunda onda."

Embora tenha tentado contemporizar e contextualizar a fala do presidente, o posicionamento de Mourão aumenta o isolamento político do presidente.

Em cadeia nacional, Bolsonaro defendeu o fim do "confinamento" de pessoas para conter o alastramento do coronavírus. E criticou medidas restritivas como o fechamento de escolas, pedindo que o país volte à "normalidade".

O presidente também acusou a mídia de criar "histeria" e acusou governadores de estabelecer um cenário de "terra arrasada", mas foi criticado até por aliados tradicionais. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), anunciou ontem sua ruptura com Bolsonaro. O presidente ainda bateu boca com desafeto João Doria (PSDB), governador de São Paulo, em uma teleconferência com governadores do Sudeste.

Mourão disse que a divergência entre Bolsonaro e os governadores "faz parte da política". Para ele, há um "ambiente de cooperação" entre o governo federal e os Estados.

No pronunciamento, Bolsonaro defendeu que o país adotasse o chamado "isolamento vertical", que consiste em isolar apenas pessoas idosas ou vulneráveis à doença. A medida não é consenso na comunidade médica e não tem ainda o apoio do Ministério da Saúde.

Em contraposição ao presidente, Mourão defendeu uma liberação "gradativa" do isolamento para as atividades essenciais, após um período de 14 dias.

"Existe uma discussão no mundo entre o isolamento horizontal e o isolamento vertical que são pessoas que pertencem ao grupo de risco e as que têm convívio com elas", disse Mourão. "A minha visão por enquanto é que temos que terminar esse período que estamos em isolamento para que haja calibragem da forma como está avançando a epidemia no país e, a partir daí, se possa gradativamente ir liberando as pessoas dentro de atividades essenciais para que a vida vegetativa do país prossiga."

Apesar de considerar que o presidente se expressou mal, Mourão entende que ele está em sintonia com o que o Ministério da Saúde defende, de abertura gradual do isolamento. A intenção de Bolsonaro ao fazer as recentes declarações, segundo Mourão, é no sentido de evitar o "verdadeiro desmantelamento da economia".