Correio braziliense, n. 20772 , 06/04/2020. Política, p.4

 

"Estrelas" na mira de Bolsonaro

Marina Barbosa

06/04/2020

 

 

Presidente diz não ter “medo de usar a caneta e que vai chegar a hora dos integrantes de seu governo que estão se achando”. Alega provocações e, embora não cite nomes, sugere que poderá demitir aqueles que “falam pelos cotovelos”

O presidente Jair Bolsonaro disse, ontem, que não tem “medo de usar a caneta” e garantiu que, por isso, “vai chegar a hora” dos integrantes do seu governo que estão se achando estrelas. Ele não citou nomes, mas já deixou claro o incômodo com o protagonismo que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ganhou durante o processo de combate ao novo coronavírus.

“Algumas pessoas no meu governo, algo subiu à cabeça deles. Estão se achando. Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas. Falam pelos cotovelos”, disse Bolsonaro, ao conversar com um grupo de religiosos que, incentivados pelo próprio presidente, fizeram um dia de jejum e oração contra o novo coronavírus na frente do Palácio do Alvorada ontem.

Na conversa, Bolsonaro ainda afirmou que “tem provocações” e que, por isso, “vai chegar a hora dele”. “A hora dele não chegou ainda não. Vai chegar a hora dele, porque minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta, nem pavor. E ela vai ser usada para o bem do Brasil. Não é para o meu bem. Nada pessoal meu”, afirmou.

Apesar de não citar nomes, a declaração de Bolsonaro foi entendida como um novo recado para o ministro Mandetta. Afinal, o atrito entre os dois é claro, sobretudo no que diz respeito à necessidade do isolamento social no Brasil. Crítico dessa medida, que é recomendada por todo o mundo como uma forma de conter a disseminação da Covid-19, Bolsonaro já chegou a dizer que falta humildade a Mandetta e que o ministro devia ouvir mais o presidente. Por isso, muitos chegaram a cogitar a demissão do ministro da Saúde. Pesquisa divulgada recentemente pelo Datafolha mostrou que 76% da população brasileira aprova o posicionamento adotado pelo ministério durante a pandemia da Covid-19.

Ontem, por sinal, Bolsonaro voltou a criticar essas medidas. Ele disse aos religiosos “que a gente tem que pregar uma mensagem de paz e não de terrorismo, histeria, como foi pregado ao povo brasileiro”, em relação ao novo coronavírus. E insinuou que as preocupações dos governadores quanto ao avanço da doença não passam de uma “jogada política”. “Cada chefe de executivo querendo dizer que determinou mais medida restritiva que o outro. Como se estivessem preocupados com a vida de alguém. A gente sabe que a preocupação não é com vida. É jogada política na maioria das vezes”, afirmou Bolsonaro.

Weintraub x China

Enquanto o presidente criticava os governadores e ameaçava Mandetta, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, implicava com a China. Disse, em live realizada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Instagram, ontem, que é alta a probabilidade de outra pandemia como a da Covid-19 surgir na China nos próximos 10 anos. É que, para Weintraub, os hábitos dos chineses não são saudáveis e colocam a população em risco.

“Comem tudo que o sol ilumina e algumas coisas que o sol não ilumina comem também. Eles têm contato com um monte de bicho que não é para comer, além de comer porco e frango. “Eles não vão mudar os hábitos dos últimos milhares de anos em 10 anos.” O ministro explicou que estudou um período do seu MBA em Hong Kong e, por isso, constatou os hábitos dos chineses. “Quando você entra nos mercados, mesmo em Hong Kong, que é uma área quase toda ocidentalizada, é tudo bicho vivo. Eles acham que têm que matar na hora de comer. Tem sapo, enguia”, relatou. “Na China, as pessoas têm um contato muito direto com os bichos. Aqui, a gente cria frango na granja e porco, no chiqueiro. A população é urbanizada”, comparou.

“Nos últimos 20 anos, teve quatro epidemias que vieram da China. Esta é a quarta. E por quê? Geralmente, um parasita não quer matar o hospedeiro. Mas quando chega uma espécie nova, às vezes, não está calibrado, aí vem mais forte e mata o hospedeiro. Vem descalibrado de outra espécie animal, de outro bicho. E, na China, as pessoas têm contato muito direto com os bichos. O ser humano pega a doença de uma mutação que passa para outro ser humano e fica mais agressiva, como no caso do coronavírus”, argumentou.

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Salário de servidor pode ser congelado

Denise Rothenburg

06/04/2020

 

 

A contar pelo que disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, a parlamentares do DEM, ontem, a tendência atual do governo é a de congelar os salários dos servidores públicos por dois anos. Só não haverá cortes nos vencimentos neste ano porque o presidente Jair Bolsonaro “não quer nem ouvir falar disso”. Foi o segundo encontro de Guedes com parlamentares, no fim de semana, no sentido de explicar o que está sendo feito na área econômica para tentar reduzir a segunda onda resultante da pandemia da Covid-19, a da crise econômica. O primeiro foicom o MDB, no sábado, mo início da noite. Ambos foram por videoconferência, entre o ministro e deputados.

Nas duas conversas, Guedes disse que o setor público precisará dar o exemplo não reivindicando aumento de salários. Ele calculou ainda que os efeitos da crise causada pela pandemia vai perdurar mais três ou quatro meses. Depois, as coisas voltam a entrar nos eixos. Apesar desse prazo, o ministro não considera 2020 um “ano perdido”. Mas, para concretizar essa visão, é preciso que o Congresso avance nas reformas, segundo ele.

Guedes pediu aos deputados prioridade de votação para duas propostas: o projeto de lei que institui as regras para socorro a estados e municípios em dificuldades, mais conhecido como Plano Mansueto; e a aprovação do pacto federativo, previsto na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita no Senado. O Plano Mansueto deve sair logo: está previsto que seja votado, em regime de urgência, hoje, na Câmara. Quanto à PEC, nada está garantido a curto prazo.

Essa resposta, entretanto, o ministro não obteve ontem, uma vez que a proposta do pacto federativo tramita no Senado. “Nós podemos nos responsabilizar pela agenda que está na Câmara. Não podemos falar pelo Senado. Porém, o Plano Mansueto tem parte do que está previsto no novo pacto federativo”, disse o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), que participou da videoconferência.

O ministro tratou ainda de dar uma injeção de ânimo nos políticos ao dizer que, embora o deficit caminhe para ser o mais alto da história, o endividamento não subirá tanto, por causa do aumento do dólar. Por isso, dizem os deputados, Guedes entende que o país se recuperará logo. O discurso de crescimento de 2,4%, não fosse a crise decorrente da pandemia, não convenceu. Porém, obteve dos deputados o compromisso de retomada do calendário das reformas tributária e administrativa tão logo o país volte à normalidade. Nessa agenda, segundo os deputados, estará ainda o pacto federativo.

A PEC do pacto federativo foi sugerida pelo governo e apresentada pelos seus líderes no Senado. A emenda muda a forma de distribuição dos recursos entre União, estados e municípios. O problema é que muitos senadores resistem em votar mudanças constitucionais pelo sistema de plenário virtual.

Votação virtual

Hoje, o Senado fará seu primeiro teste de votação de emenda constitucional no plenário virtual. Na pauta, o orçamento de guerra, aprovado sexta-feira pela Câmara no mesmo sistema. Parte dos senadores, em especial os que integram o grupo Muda Senado, rejeita esse tipo de votação para PECs. “A ampliação da despesa prevista para o orçamento de guerra não precisava de emenda constitucional. Estamos abrindo um precedente grave”, observa o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

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Encolhimento do Brasil no exterior

Simone Kafruni

06/04/2020

 

 

Ao negar a necessidade de distanciamento social e, mais do que isso, desobedecer as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), passeando e provocando aglomerações em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro manchou a já combalida imagem do país no exterior. Para especialistas, a fatura do discurso contrário às orientações com bases científicas não será barata e o Brasil corre o risco de sofrer um isolamento comercial por conta da falta de controle sanitário. Nem mesmo a mudança de tom no último pronunciamento aliviou as críticas internacionais.

A imagem do país lá fora começou a se desfazer com a política ambiental do governo Bolsonaro — ou a ausência dela — em relação às queimadas na Amazônia. A falta de diplomacia nas relações com a China agravaram o quadro. Porém, nada foi tão contundente quanto a insistência do presidente em negar a gravidade da pandemia de coronavírus. Para piorar, Bolsonaro insiste em comemorar o golpe militar. Tanto que  diversas entidades de direitos humanos apresentaram denúncia contra o governo brasileiro na Organização das Nações Unidas (ONU) por conta do comportamento do chefe do Executivo.

“Nunca, antes, o país esteve tão isolado diplomaticamente”, alerta André Reis, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Bolsonaro está em isolamento internacional, porque pouquíssimos países ignoram a pandemia”, diz. Segundo ele, o negacionismo é de origem da direita antiglobalista, cujo principal defensor é Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, a quem Bolsonaro imita. “Eles têm ranço contra organismos internacionais. Veem ameaça em qualquer órgão da ONU, como é o caso da OMS, desprezam a atividade científica e divulgam informações falsas ou distorcidas”.

No entanto, Trump recuou e ampliou o período de quarentena. “Vamos ver como Bolsonaro se comporta. Seria o momento de recuar também, mas ao que parece, dobrou a aposta”, lamenta o especialista. Para ele, há um repúdio internacional ao presidente brasileiro. “As críticas são pesadas quanto ao comportamento pessoal dele diante da crise. Em resumo, a comunidade internacional acredita que Bolsonaro não está preparado para enfrentar a crise. Por isso, enfrenta isolamento, tanto dentro do governo quanto no cenário internacional”, avalia.

O efeito é o encolhimento do Brasil. “Hoje, o país não tem capacidade de influenciar nada, isso tem impacto no comércio exterior, porque provoca afastamento de importantes compradores e investidores”, considera Reis. A segunda questão, segundo o professor, é sanitária, um dado muito importante em relações comerciais. “Se o Brasil se mostrar descontrolado sanitariamente, vai perder espaços nas exportações. Corre o risco de um isolamento comercial”, sentencia.

Dupla criticada

Para Juliano da Silva Cortinhas, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a postura do presidente é lamentável. “O comportamento diante de um assunto de vida ou morte dos cidadãos se baseia nos achismos e visões incorretas do mundo. Isso pode trazer consequências muito graves”, avalia. O professor alerta para o isolamento de Bolsonaro, inclusive das associações que apoiavam seu governo. “Há um distanciamento interno das Forças Armadas. Do ponto de vista externo, a imagem é ruim desde que o presidente assumiu, porque o chanceler Ernesto Araújo não colabora em nada”, destaca.

Cortinhas alerta que os dois — Bolsonaro e Araújo — são indivíduos muito criticados no meio internacional por posturas contrárias aos direitos humanos e ao meio ambiente. “Desde que Bolsonaro assumiu, o país perdeu o status de cooperativo, de uma nação que privilegiava a cooperação. Hoje, o Brasil é unilateral, um país que não respeita o conhecimento científico”, lamenta. As atitudes do presidente, segundo o professor, demonstram sua inépcia para o cargo, sua incapacidade de conduzir o país. “Eu vejo que existe um cálculo por trás das suas afirmações. Ele tentou se capitalizar politicamente com o discurso de proteger o interesse dos mais pobres, garantindo empregos. Diante da gravidade do coronavírus, foi um grande erro de leitura. Perdeu muito apoio nas redes sociais, se deu conta de que a tacada foi errada, mas não sabe como corrigir”, assinala.

A paralisação da economia não é uma opção, conforme o professor André Cunha, da UFRGS. “Vai parar. O governo tem que tentar minimizar os custos e apoiar as famílias. Ao negar tudo, a imagem que fica, fora e dentro do país, é de falta de sintonia com a realidade”, avalia. Para ele, o governo de Bolsonaro corre o risco de implosão interna. “Os ministros não obedecem, os governadores, também não. E o mundo está observando isso. A imagem é de um país sem liderança.”

O professor explica que os comandantes da área econômica estão desmontando o Estado, em um momento em que a presença estatal é muito mais necessária. “Os sinais são confusos, falta coordenação. As instituições existem, mas precisam de comando competente e eficiente. Em nenhuma área isso está ocorrendo. O mundo está vendo um presidente contra o seu povo”, resume.

Ação descordenada e tímida

No entender do professor de Economia da UFRGS André Cunha, do ponto de visto de econômico, o Brasil está agindo de forma descoordenada e tímida. “O FMI (Fundo Monetário Internacional) tem um site onde atualiza as políticas adotadas pelos países. Há exemplos positivos de países liberais, como o governo se diz ser”, afirma. Segundo ele, na Inglaterra, o governo promete pagar salários de até 2,5 mil libras, o que é um valor acima da média no país. “E a Inglaterra tem um governo pró-mercado”, lembra.