Título: Para Dilma, o Brasil agora dá as cartas
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 17/11/2012, Economia, p. 12

Líder brasileira discursa hoje na Cúpula Ibero-americana ciente de que a correlação de forças mudou. Espanha e Portugal dependem cada vez mais de oportunidades em antigas colônias para retomar o crescimento e sair de uma severa crise

Cádiz (Espanha) — A inversão das forças entre os países da América Latina e da Europa será o tema principal da presidente Dilma Rousseff no discurso de hoje na XXII Cúpula Ibero-americana de Chefes de Estado. Ao longo das últimas duas décadas de realização do encontro, espanhóis e portugueses comandaram as principais negociações de acordos políticos e comerciais. O poder, entretanto, mudou de eixo com a crise europeia e o crescimento e a estabilização dos latinos ao longo dos últimos cinco anos.

Assim, o Brasil chega a Cádiz, onde o desemprego alcança 37%, como principal mercado de oportunidades para a Espanha e Portugal, mesmo ostentando crescimento minguado de 1,5% neste ano. No discurso de hoje, Dilma deve reforçar o que mudou nessa correlação de forças e apresentar o Brasil como um aliado na ajuda para os dois países enfrentarem a crise iniciada há cinco anos, mas que mostra maiores reflexos sobre a população há 18 meses, cuja revolta se dá por meio de greves gerais e protestos como os ocorridos na última quarta-feira em 23 países da Europa.

O governo brasileiro pretende, assim, fechar com mais facilidade acordos de cooperação comercial e tecnológica, incluindo intercâmbios de estudantes no exterior. Como moeda de troca, o Brasil deve facilitar os vistos de trabalho para profissionais espanhóis — neste caso, por meio de um acordo bilateral celebrado em Madri na próxima segunda-feira, como mostrou o Correio. Ontem, o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse “que o Brasil sempre foi um país que acolheu os imigrantes de braços abertos”.

Confirmado em Madri, o anúncio ocorrerá oito meses depois de o Brasil adotar a reciprocidade na entrada de espanhóis no Brasil e ser mais severo na liberação de entrada de turistas daquele país. A medida foi tomada por causa do alto número de brasileiros recusados na Espanha, que, desde então, vem caindo vertiginosamente, chegando a 160 este ano, o que representa menos de 10% do total de 2010.

Com a entrada de profissionais espanhóis, o Brasil espera melhorar a qualificação da mão-de-obra local. Um dos representantes brasileiros na negociação da cúpula afirmou ao Correio que é clara a mudança no comportamento dos atores espanhóis e portugueses. “Sou recebidos com tapete vermelho neste momento”", disse. A dúvida é se o Brasil tem se tornado mais europeu ou se a Europa se tornado mais integrante da América Latina. "”É um pouco das duas coisas”", afirmou a fonte.

No discurso de ontem, o rei da Espanha, Juan Carlos, citou a crise econômica europeia, mas sem mencionar o Brasil, disse que é preciso a união dos países ibero-americanos para pôr em prática formas de trabalho conjunto. O presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, assinalou, antes do início da cúpula, que quer mais Brasil na Espanha e mais Espanha no Brasil. Hoje, o país europeu é o segundo maior investidor estrangeiro no Brasil, com ativos que chegam a 55 bilhões de euros. Os estrangeiros miram, sobretudo, os negócios proporcionados pela Copa do Mundo e pelas Olimpíadas.

Ontem, Rajoy voltou a exaltar o crescimento latino-americano e lamentou a crise espanhola. “A América Latina soube transformar a velha década perdida na atual década de prosperidade”, afirmou. “Na América Latina, muitos espanhóis encontraram uma segunda oportunidade. Também a Espanha tem sido uma terra de oportunidades”, acrescentou ele, considerando que a experiência latina em sair da crise pode ajudar a Espanha.

Em seu discurso, Dilma também reforçará que apenas austeridade fiscal não será suficiente para que os países europeus possam enfrentar a crise, por mais que tal ação seja dada como respostas ao mercado e ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse mantra vem sendo entoado todos os dias pelo ministro de Assuntos Exteriores e Cooperação, José Manuel García Margallo, ao pregar a necessidade de investimentos para que o bloco europeu saia da crise. O apelo por menos impostos deve dominar o debate entre os líderes ao longo do dia de hoje.