Valor econômico, v.20, n.4969, 27/03/2020. Brasil, p. A4

 

Fiocruz quer quintuplicar produção de testes

Rafael Rosas

27/03/2020

 

 

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) trabalha para quintuplicar a produção de testes para detectar o novo coronavírus, com a expectativa de entregar 300 mil testes em abril, ante as 60 mil reações que serão disponibilizadas neste mês.

O vice-presidente de produção e inovação em Saúde da Fiocruz, Marco Krieger, explica que a capacidade física de fabricação dos testes poderia até crescer mais, mas é necessário coordenar a produção com a logística de distribuição e realização dos testes.

Para isso, a fundação se prepara desde janeiro para enfrentar a chegada do novo coronavírus ao Brasil. Krieger ressalta que a Fiocruz foi, por meio do seu laboratório de referência em vírus respiratórios e sarampo, a primeira unidade do país credenciada a realizar o teste. Desde então começou a treinar diversos laboratórios do país para a coleta de material e realização dos testes, a começar pelo Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e o Instituto Evandro Chagas, em Belém.

"Num segundo momento, fizemos a capacitação de nove laboratórios das Américas e também o desenvolvimento da produção nacional, isso tudo antes de termos o primeiro caso no Brasil", frisa Krieger, acrescentando que, a partir do surgimento dos primeiros casos houve uma ação de descentralização, com capacitação e entrega de kits de testes para os laboratórios centrais dos Estados brasileiros.

O teste produzido na Fiocruz é o molecular, que detecta o ácido nucleico do vírus. "É um teste que funciona desde o início da infecção. Já há relatos de que você tem a eficiência desse teste no primeiro dia", diz Krieger, revelando que a análise do material leva cerca de duas horas, embora, por causa da logística envolvida, os resultados saiam entre 24h e 48h depois da coleta. O pesquisador explica que há outro teste no mercado, o imunológico, que detecta os anticorpos contra o vírus. Embora seja de mais fácil execução, o teste imunológico pode dar falso negativo durante a janela imunológica, que é quando a pessoa está infectada, mas ainda não tem anticorpos contra o vírus, período que pode chegar a sete dias.

A ampliação da produção e distribuição de testes foi possível graças à garantia de R$ 150 milhões em recursos extras ao orçamento anual de R$ 900 milhões da instituição. Inicialmente, a Fiocruz enviou propostas para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) com projetos de desenvolvimento tecnológico e de introdução de novas ferramentas, como novos modelos de controle. "Mas temos que reconhecer que houve movimentação muito grande do Ministério da Saúde, do Parlamento e vários recursos acabaram sendo canalizados para essa resposta ao coronavírus", diz Krieger, afirmando que a instituição está "satisfeita" com os cerca de R$ 150 milhões extras, dos quais R$ 100 milhões serão para investir nas ferramentas de diagnóstico da covid-19, com o restante indo para áreas de pesquisa de fármacos e substâncias que podem atuar contra o vírus.

Esse dinheiro novo está previsto dentro do pacote de R$ 5 bilhões de socorro à saúde. "A gente sabe que a maior parte desses recursos vai ser destinada para a assistência e é na assistência que a guerra vai ser travada, mas a Fiocruz recebeu sinal verde para aumentar sua escala de produção e melhorar a capacidade de pesquisa nessa área."

A Fiocruz trabalha ainda com o desenvolvimento de mapas e cenários sobre as diferentes possibilidades de avanço da doença pelo país. Atualmente, diz Krieger, esses estudos ainda estão em fases preliminares, mas ele alerta que alguns cenários são preocupantes. "Embora o nosso sistema de saúde seja uma das nossas fortalezas para enfrentar essa situação e vá nos ajudar bastante, temos uma desigualdade regional grande. Além disso, há as questões sócio-econômicas."

Ele diz que em cidades como o Rio de Janeiro há uma uma grande porcentagem da população vivendo em comunidades, "onde temos densidade demográfica alta, com muitas pessoas na mesma residência, reduzindo a possibilidade de isolamento".

"Infelizmente não podemos construir outra cidade. Vamos ter que enfrentar essa situação com as nossas ferramentas. É possível que a gente tenha um caso ainda mais complicado pelas desigualdades sociais", diz, acrescentando que, embora ainda seja cedo para passar dados concretos sobre os estudos, algumas projeções mostram efeito do vírus nas populações dez vezes pior nas periferias de grandes cidades quando comparado a núcleos urbanos da região Sul.

Hoje, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, e o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, anunciam um ensaio clínico multicêntrico da OMS no Brasil, que envolverá 18 hospitais em 12 Estados e avaliará, entre outras questões, o uso de medicamentos para o tratamento da doença. Na Fiocruz, os estudos serão realizados no centro hospitalar que está sendo construído com 200 leitos para tratamento intensivo e semi-intensivo para pacientes graves infectados pelo novo coronavírus.