Valor econômico, v.20, n.4969, 27/03/2020. Política, p. A10

 

Entrevista - Sérgio Moro

Isadora Peron

Andrea Jubé 

27/03/2020

 

 

Integrante do gabinete de crise de enfrentamento ao coronavírus no Brasil, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, buscou contemporizar o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro da última terça-feira, quando o chefe do Executivo criticou o confinamento e cobrou a volta à normalidade social. “Ele está preocupado com o bem-estar das pessoas”, justificou, em entrevista exclusiva ao Valor.

Mas apesar da preocupação com o emprego e a renda das pessoas, Moro é explícito ao assegurar que a prioridade zero é a saúde e, por isso, afirma que o governo continuará seguindo as diretrizes técnicas do Ministério da Saúde para conter o avanço da epidemia: “Se é necessário quarentena, isso vai ter que ser observado”.

 A gente compreende a preocupação [...], mas algumas medidas talvez tenham sido exageradas”

 O ministro também relativizou os embates do presidente com os governadores - “numa situação dessas, podem surgir ruídos” -, mas observou que os gestores estaduais tomaram medidas exageradas, como fechar aeroportos.

Moro nega que esteja em cogitação no governo decretar o estado de sítio. Pondera que a demora e as instituições no Brasil são sólidas e os governos estão trabalhando juntos contra o vírus. “Não há necessidade de ficarmos pensando em final trágico para essa história”.

Das medidas adotadas até agora pela pasta, é expressiva a redução do número de passageiros, brasileiros e estrangeiros, que desembarcou no país nos últimos 20 dias: de mais de 32 mil para 2,7 mil até o dia 24.

Agora Moro está trabalhando em uma portaria para direcionar a atuação da Força Nacional de Segurança para ações de apoio na prevenção do coronavírus. Ontem publicou uma nova portaria ampliando a restrição ao desembarque de estrangeiros nos portos.

Moro acabou submetendo-se ao teste para saber se estava infectado porque havia se reunido com vários integrantes do governo que foram positivados com o vírus, como os ministro Augusto Heleno (GSI). “Foi um teste preventivo”, explicou.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O que o senhor achou do pronunciamento do presidente, que pediu para as pessoas voltarem a trabalhar?

Sergio Moro: O presidente tem uma preocupação com a questão econômica. E quando se fala de questão econômica, a gente não está falando de dinheiro, a gente está falando de pessoas. São pessoas que precisam de emprego, de renda. Pessoas que precisam continuar vivendo. Essa epidemia tem impactado também nessa perspectiva. É uma preocupação com o bem-estar. O governo segue as recomendações do Ministério da Saúde. Se é necessário isolamento, é necessário isolamento. Se é necessário quarentena, é necessário quarentena. Isso vai ter que ser observado.

Valor: Não era o caso de o governo dar mais garantias ao trabalhador, pagar uma espécie de seguro-desemprego neste momento?

Moro: Várias medidas estão sendo tomadas. O governo já anunciou medida de transferências de recursos aos Estados e municípios e também de reforço das ações dos ministérios, com aquisições mais rápidas de equipamentos, de remédios, de respiradores. O Estado está agindo em parceria com os governadores.

Valor: Mas está em curso um embate entre União e Estados.

Moro: Evidentemente, numa situação dessas, podem surgir alguns ruídos. A gente compreende a preocupação com a disseminação da doença, mas algumas medidas talvez tenham sido exageradas. Isso se vai corrigindo pontualmente. Por exemplo, alguns governadores decretaram fechamento de aeroportos. Isso é competência da União, precisa ter aeroportos funcionando para questões de logística, até para receber mercadorias e medicamentos. Às vezes, os governadores querem resolver situações e acabam tomando decisões, bem-intencionadas, mas que têm efeitos colaterais.

Valor: O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), definiu que Estados e municípios podem adotar medidas contra o avanço do coronavírus.

Moro: Ele [Marco Aurélio] fez esclarecimentos dessa decisão. O ministro Tarcísio [Gomes de Freitas, da Infraestrutura] teve reuniões com secretários de transportes dos Estados para encontrar uma proposta comum das possibilidades de restrição do transporte interestadual. É importante a uniformidade, e os governos estaduais poderão ajustá-las conforme suas circunstâncias e sua autonomia.

Valor: Bolsonaro disse em entrevista que poderia decretar estado de sítio. Essa medida será necessária?

Moro: Temos instituições sólidas, uma democracia robusta, o governo federal está trabalhando, temos as ações dos governos estaduais e municipais, esse é um momento difícil para o país, mas, com união, solidariedade, compreensão da sociedade, nós vamos superar essa crise. As medidas estão sendo tomadas, não há necessidade de ficarmos pensando em final trágico para essa história. Vamos superar essas questões. Medidas excepcionais têm sido tomadas, agora, esse estado de exceção, ao que me consta, não está em cogitação. A maioria dessas questões se resolve com a imposição de medidas sanitárias. Essa questão de estado de sítio, eu não vi sendo discutida dentro do governo.

Valor: Os panelaços contra o presidente preocupam o governo?

Moro: A preocupação do governo é enfrentar a epidemia. Desconheço preocupação específica com esse tipo de situação, mas claro que é algo a ser pensado.

Valor: Esses protestos geraram alguma reflexão?

Moro: O governo tem trabalhado para conter a epidemia e, no que for possível, tentar manter a agenda de outras políticas públicas que são importantes, porque existe vida além do coronavírus.

Valor: O senhor vai prorrogar a portaria que fechou as fronteiras terrestres do país? O prazo termina em 2 de abril.

Moro: Existe, nesta epidemia, toda uma dinâmica, cada dia podem haver políticas diferentes, e isso está sendo avaliado a cada momento. É provável, isso evidentemente é algo que ainda vai ser decidido, que haja uma prorrogação.

Valor: E em relação aos voos internacionais? Podem ser incluídos novos países na lista de restrição?

Moro: Nós temos um dado da Polícia Federal. Em 8 de março, chegaram ao país 32.252 pessoas [estrangeiros e brasileiros], e no dia 24, foram apenas 2.736. Houve uma queda abrupta, tanto recorrente da portaria, quanto das próprias dificuldades e do desejo das pessoas de permanecerem em seus países, onde elas têm, em tese, maiores facilidades.

Valor: Houve críticas pelo fato de os Estados Unidos, que podem se tornar o novo epicentro da pandemia, não estarem na lista.

Moro: Quando nós editamos essa portaria, algumas questões, que não só o número de infectados, foram levadas em consideração, como a reciprocidade. Critica-se a situação dos Estados Unidos, mas no fundo nós não bloqueamos nenhum país das Américas de entrada aérea. A preocupação com os países vizinhos foi a fronteira terrestre.

Valor: Pessoas vindas dos EUA podem ser barradas no futuro?

Moro: Como eu disse, existe toda uma dinâmica e isso pode mudar, pode ser alterado. O que a gente tem observado é que, simplesmente, as pessoas não estão viajando. O único fluxo aéreo significativo são de brasileiros retornando para o Brasil. Isso eu entendo que nós não podemos bloquear.

Valor: E haverá novas portarias?

Moro: Houve uma restrição de ingresso de estrangeiros por parte da Antaq [Agência Nacional de Transportes Aquaviários] e nós vamos editar uma portaria ampliando essa medida [a nova portaria foi publicada ontem].

Valor: Alguma outra medida?

Moro: Nós estamos direcionando a atuação da Força Nacional para ações de apoio ao Ministério da Saúde, assim como o Exército vem realizando. A ideia é dar apoio às forças de segurança locais nos trabalhos de prevenção ao corona ou aos seus efeitos colaterais.

Valor: Já há algum caso de coronavírus em presídios brasileiros?

Moro: Não tem nenhum caso confirmado.

Valor: Haverá “saidinha” de Páscoa ou está tudo vetado?

Moro: A orientação é para que essas saídas sejam evitadas, porque quando o preso sai, corre o risco de voltar com o vírus.

Valor: Essas medidas não podem levar a rebeliões?

Moro: Havia um certo receio disso, mas até o momento não houve nada significativo. Me parece que os presos estão conscientes de que a medida não é uma punição, mas sim algo destinado a protegê-los. Cabe aí um elogio inclusive à população prisional do país.

Valor: Detentos conseguiram fugir em São Paulo.

Moro: Houve de fato essa fuga, mas em estabelecimento semiaberto. A maioria foi recapturado.

Valor: Há previsão de novas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em presídios?

Moro: A situação que nós temos, no presente, é uma situação de tranquilidade. Mas a GLO é sempre o último recurso.

Valor: O confinamento deve levar a uma diminuição da violência? Há a preocupação de que hajam saques?

Moro: A expectativa é que haja uma redução [dos índices de criminalidade]. E não existe notícias de distúrbios significativos até o momento. Claro que a segurança pública está sempre preparada para qualquer intervenção.

Valor: O senhor fez o teste do coronavírus. Sentiu algum sintoma?

Moro: Acabei fazendo, porque a gente teve contato com muita gente que testou positivo. Mas foi um teste preventivo. Na verdade, eu relutei bastante, por bastante tempo. Mas diante dessa perspectiva de, eventualmente, contaminar pessoas que são fundamentais para a continuidade de gestão de ministério e apoio da segurança pública, houve essa opção de realizar o teste.