Correio braziliense, n. 20774 , 08/04/2020. Política, p.3

 

O novo alvo do gabinete do ódio

Jorge Vasconcellos

08/04/2020

 

 

Ao tomar a frente das ações contra o vírus e influenciar na permanência de Mandetta, Braga Netto entra na mira da ala ideológica do governo

O ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, entrou na mira da ala ideológica do governo depois de tomar as rédeas das ações federais na crise do novo coronavírus e de convencer o presidente Jair Bolsonaro a não demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A projeção do general tem desagradado ministros ligados ao escritor Olavo de Carvalho e também o chamado gabinete do ódio, como é conhecido o grupo de assessores palacianos ligados ao filho 02 do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).

Braga Netto passou a ser alvo de uma série de ataques de perfis bolsonaristas nas redes sociais, à semelhança do que já vinha sendo feito contra Mandetta. O titular da Saúde, mesmo tendo reiterado que permanece no governo, continua com o cargo ameaçado, por não sucumbir às pressões do presidente para relaxar as medidas de distanciamento social, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter o avanço da pandemia.

Braga Netto, que ficou conhecido por comandar a intervenção da Segurança Pública no Rio de Janeiro, em 2018, assumiu a Casa Civil com a missão de ser uma espécie de gerente do governo, encarregado de coordenar as ações dos ministérios.

O convite foi feito após um acordo entre vários ministros, incluindo os militares. Estes últimos, internamente, têm tratado Braga Netto como “chefe do Estado-maior do Planalto” e “presidente operacional” do Brasil, encarregado de cuidar do dia a dia da máquina do governo em um momento de grave crise.

O general é o mais novo colaborador a ofuscar a imagem de Bolsonaro dentro do governo, após o mesmo papel ter sido desempenhado por Mandetta e pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Em 30 de março, quando inaugurou o novo formato das entrevistas diárias sobre as ações federais contra o coronavírus, Braga Netto disse a que veio ao assegurar que “não existe essa ideia de demissão do ministro Mandetta”, antecipando-se a responder uma pergunta dirigida ao titular da Saúde.

Na segunda-feira, Braga Netto e outros ministros militares conseguiram, pelo menos por enquanto, demover Bolsonaro da ideia de exonerar Mandetta. Pesou o argumento de que uma eventual demissão fortaleceria governadores que travam uma queda de braço com o presidente por manterem as medidas de distanciamento social, principalmente os de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), maiores desafetos do chefe do Executivo.

A ala ideológica do governo e o gabinete do ódio sempre rejeitaram o poder concedido aos militares na equipe, e os ataques a Braga Netto nas redes sociais são reflexo dessa oposição. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada ontem, o general disse que não se incomoda com as agressões e que continua trabalhando normalmente, gerenciando as ações do governo.

O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, criticado com frequência por Carlos Bolsonaro nas redes sociais, saiu em defesa do chefe da Casa Civil. Ele negou que Braga Netto tenha enquadrado o presidente ao convencê-lo a não demitir Mandetta.

“Ele não está enquadrando ninguém, mas apenas fazendo a verdadeira governança. Assim, a Casa Civil passa a atuar como um verdadeiro centro de governo”, disse Mourão, ao jornal paulista. “Braga Netto está fazendo o que sabemos: colocar ordem na casa, coordenando as ações ministeriais, de modo que haja sinergia, cooperação e, como consequência, os esforços do governo sejam mais eficazes.”

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Terra: "Eu nunca pedi nada"

Sarah Teófilo

Maria Eduarda Cardim

08/04/2020

 

 

Nos últimos dias, o nome do deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) ganhou atenção nos bastidores políticos, com a visível ambição dele pelo Ministério da Saúde. O emedebista, que teve atuação apagada como ministro da Cidadania, pôs-se a minimizar a pandemia do novo coronavírus. No fim de fevereiro, já dizia que a imensa maioria da população teria a forma “benigna” da Covid-19, sem risco de um quadro grave, e pregando que a vida deve continuar, ou seja, que as pessoas deveriam permanecer em suas atividades normalmente.

O discurso, que vai ao encontro do que prega o presidente Jair Bolsonaro, o fez entrar no radar como uma das opções do comandante do Executivo para substituir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que contraria o chefe por defender o isolamento social. Ontem, em entrevista à Rádio Bandeirantes, Terra negou ter sido convidado para o cargo. Segundo ele, o almoço com o presidente no Palácio do Planalto, na segunda-feira, foi apenas para falar sobre o uso da hidroxicloroquina. “Não se tocou em nenhuma questão política de cargos, de nada. Eu nunca pedi nada… Eu vou quando o presidente me chama, eu não tomo iniciativa de procurá-lo sem ser convidado”, disse. Apesar de Terra afirmar que o encontro foi apenas para tratar sobre o medicamento, Mandetta não foi chamado para participar.

Atualmente, as publicações e discursos de Terra são, principalmente, sobre o vírus, e se tornaram ainda mais enfáticas quanto à contrariedade do isolamento social. As postagens relativas a um bom trabalho que, segundo ele, Mandetta vinha fazendo, acabaram. O último pedido para que a população seguisse o órgão federal foi em 17 de março. “É uma pandemia como as outras que ocorreram nas últimas décadas e com uma mortalidade igual ou menor. Não é caso de suspender aulas e parar a atividade econômica. Sigamos as orientações do MS (Ministério da Saúde)!”, escreveu.

Dois dias antes, Bolsonaro havia descumprido orientação do próprio ministério ao ir cumprimentar apoiadores em manifestação a seu favor e contra o Congresso. O fato gerou ampla repercussão negativa para o presidente. Depois da última publicação dizendo que as pessoas deveriam seguir orientações do MS, Terra não mais citou o órgão. Passou a postar ainda mais informações contrárias ao isolamento, assim como faz seu ex-chefe.

Médica

Da reunião com Terra e o presidente, participou também a médica Nise Yamaguchi. Ela foi convidada a integrar o gabinete de crise para monitorar a disseminação da Covid-19, mas ainda não respondeu se aceitará. A oncologista também faz coro com Bolsonaro ao defender o isolamento vertical (só doentes crônicos e idosos ficariam em quarentena) e o uso da hidroxicloroquina. Por isso, tem respaldo de apoiadores do governo e da ala ideológica do Executivo para assumir o Ministério da Saúde.

Ontem, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) postou um vídeo de uma entrevista da médica à CNN Brasil em que defende a hidroxicloroquina. A parlamentar escreveu:  “Absolutamente encantada com a dra Nise Yamaguchi nessa entrevista. Sobriedade, equilíbrio, elegância e muito conhecimento e generosidade”. Bolsonaro também postou o mesmo vídeo, com o texto: “Imumologista/oncologista Nise Yamaguchi e o uso da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19”.

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Após novela com ministro, Bolsonaro falta a eventos e adota silêncio

Renato Souza

Ingrid Soares

Augusto Fernandes

08/04/2020

 

 

Nas últimas 48 horas, o presidente Jair Bolsonaro manteve uma postura um pouco diferente do habitual. Como reflexo da quase demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ele evitou qualquer declaração à imprensa nos últimos dois dias e faltou a eventos oficiais do Planalto. O sumiço foi justificado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República como “ajustes de compromissos na agenda”, que não foi atualizada durante o dia. À noite, ele foi a um jantar, de acordo com a assessoria.

Fontes do governo dizem que o passo atrás de Bolsonaro, tanto na desistência de exonerar Mandetta quanto no comportamento fora do gabinete, foi, principalmente, para evitar um repúdio em massa do Congresso, onde ele já não tem uma boa relação. Atualmente, há pelo menos 17 pedidos de impeachment protocolados contra o chefe do Executivo no parlamento. Se o ministro da Saúde caísse, deputados já se articulavam para que pelo menos um dos processos tivesse andamento na Câmara. Além disso, a pressão de ministros militares que despacham do Planalto e do vice-presidente Hamilton Mourão pesou para Bolsonaro não mandar Mandetta embora.

Um dos compromissos a que Bolsonaro faltou ontem foi o lançamento do projeto Arrecadação Solidária, que visa obter doações para organizações sem fins lucrativos. Antes, ele já havia faltado à coletiva que detalhou informações sobre o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais e pessoas de baixas rendas atingidos pela crise causada pelo coronavírus.

Ontem pela manhã, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro evitou falar sobre a reabertura de comércios. Um apoiador o questionou sobre a possibilidade de assinar um decreto que está “em cima da mesa”, liberando o funcionamento do setor. “Você sabe o que está acontecendo na política brasileira? Você sabe o que representa uma resposta para você aqui agora”, provocou.

O presidente ainda ouviu apelos da claque que pedia para que Mandetta fosse demitido. “Mandetta não merece sua confiança, presidente”, comentou um homem. O chefe do Executivo não conversou com a imprensa e, após entrar no carro, os apoiadores entoaram gritos de “fora, Mandetta”.