O Estado de São Paulo, n.46176, 21/03/2020. Metrópole, p.F1

 

Mandetta prevê colapso do sistema de saúde em abriu; Bolsonaro vê 'gripezinha'

Felipe Frazão

Marlla Sabino

21/03/2020

 

 

Número de mortes pela covid-19 chega a 11 (9 só em São Paulo) e governo declara transmissão comunitária no Pais; ministro compara situação com a Itália. Portaria oficializa restrições à circulação de pessoas acima de 60 anos e orienta sobre o isolamento domiciliar
No mesmo dia que o País confirmou a 11.ª morte pelo novo coronavírus, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse que até o fim de abril haverá um "colapso" no sistema de saúde por causa da velocidade com que a doença avança. O presidente Jair Bolsonaro, por outro lado, voltou a minimizar a pandemia, tratando o vírus que já matou mais de 10 mil pessoas no mundo como uma "gripezinha" em entrevista concedida após a declaração do auxiliar.

O presidente e o ministro têm demonstrado um descompasso nas declarações sobre a crise. O alerta de Mandetta foi dado durante videoconferência com Bolsonaro e 22 empresários de vários setores. Segundo o ministro, o "colapso" significa você ter recursos, mas não ter capacidade para atendimento dos doentes. "Você pode ter o dinheiro, o plano de saúde, mas simplesmente não há sistema (de saúde) para você entrar."

"A Itália que tem sistema de primeiro mundo, mas pela característica de ter população extremamente idosa, o tempo que ela suportou foi muito baixo. Temos alguns Estados que nos preocupam mais: o Rio Grande do Sul tem a maior faixa etária. Temos a Região Amazônica, que praticamente não tem caso. Nós somos um continente", observou o ministro.

A projeção de Mandetta é de que a velocidade de propagação da doença deve aumentar nas próximas semanas e o número de casos só começará a cair em setembro. "A gente deve entrar em abril e iniciar a subida rápida. Isso vai durar os meses de abril, maio, junho, quando ela vai começar a ter uma tendência de desaceleração. O mês de julho deve começar o platô. Em agosto, o platô vai começar a mostrar tendência de queda e aí a queda em setembro é profunda, tal qual a de março na China."

O Ministério da Saúde declarou ontem estado de transmissão comunitária em todo o Brasil, o que significa admitir não ser mais possível rastrear qual a origem da infecção, indicando que o vírus circula entre pessoas que não viajaram ou tiveram contato com quem esteve no exterior – só dois Estados ainda não relataram casos.

Portaria, publicada em edição extra do Diário Oficial da União, também oficializa recomendações para restringir a circulação de pessoas acima de 60 anos, além de orientar o "isolamento domiciliar" de quem tiver "sintomas respiratórios" e daqueles que moram com elas. O prazo estabelecido é de, no máximo, 14 dias. A pasta também estendeu a pessoas que residam no mesmo endereço de alguém com sintomas de gripe a possibilidade de solicitar um atestado médico para justificar a ausência no trabalho.

Diante do agravamento do cenário, Bolsonaro fez um apelo ontem por uma maior "conscientização" da população em relação ao enfrentamento do vírus. No entanto, ao ser questionado pelo Estado se divulgaria o resultado dos dois exames que realizou para saber se havia contraído a covid-19, voltou a se referir à doença como algo menor. "Depois da facada, não vai ser uma 'gripezinha' que vai me derrubar", disse o presidente, repetindo o gesto de usar máscara cirúrgica nas suas declarações à imprensa. Na semana passada, Bolsonaro se referiu à crise da pandemia como uma "fantasia".

Vítimas. A sexta-feira foi marcada pelo maior número de mortes registradas em um mesmo dia. Foram quatro, todas em São Paulo, onde os óbitos já chegaram a nove. As vítimas são idoso que já tinham outras doenças quando contraíram o coronavírus. Três são homens (de 70, 80 e 93 anos) e a outra é uma mulher de 83 anos. O número de casos confirmados também saltou de 621 casos para 904. O índice de letalidade está em 1,2%.