Valor econômico, v.20, n.4970, 30/03/2020. Brasil, p. A4

 

BNDES vai aportar capital em empresas em dificuldade

Francisco Góes 

Bruno Villas Bôas 

30/03/2020

 

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vai aportar capital em empresas que entraram em dificuldades a partir da pandemia do novo coronavírus. O aporte será feito via BNDESPar, a subsidiária de participações, e vai se valer de instrumento usado pelo banco no passado: a subscrição de debêntures conversíveis emitidas por companhias de diferentes setores.

O primeiro segmento beneficiado será o de empresas aéreas, que deverão receber recursos em abril, disse ontem o presidente do banco de fomento, Gustavo Montezano. Os valores das operações ainda não são conhecidos, uma vez que as negociações com as empresas aéreas estão em pleno andamento.

Montezano afirmou que a subscrição de debêntures deve incluir a cobrança de taxa de juros "baixa" a ser paga pelos tomadores dos recursos. O objetivo, segundo ele, é oferecer taxa "competitiva", que não pressione o fluxo de caixa das empresas. A transação não vai embutir subsídios, segundo ele. Uma das premissas é que os recursos sejam investidos "exclusivamente" nas operações brasileiras das companhias aéreas, sem a possibilidade de uso do dinheiro para pagamento de dívidas privadas.

Montezano disse que o aporte de capital nas empresas, a começar pelo setor aéreo, se dará por meio do que chamou de instrumento "híbrido" ou "quasi-equity", no caso as debêntures conversíveis em ações das companhias financiadas. E completou: "A ideia é que adote isso sim para outros setores [além do aéreo]".

A referência ao instrumento "híbrido" é porque uma operação que começa como financiamento pode depois se transformar em patrimônio para o banco, disse um especialista. Economista afirmou que o termo "quasi-equity" se refere a instrumentos financeiros que podem não ser considerados dívidas e que capturam a valorização ou desvalorização do patrimônio líquido da empresa ao longo do tempo.

A BNDESPar fez operações com debêntures conversíveis em crises anteriores envolvendo companhias elétricas no período pós-apagão, no início dos anos 2000, e também exportadores, em 2008-2009. Fonte disse que o instrumento existe, só não vinha sendo utilizado.

Em videoconferência ontem para falar das ações do BNDES na atual crise, Montezano afirmou que a pandemia está sendo um aprendizado para todos e reafirmou que medidas como o programa de financiamento de R$ 40 bilhões da folha de pagamentos de pequenas e médias empresas, operacionalizado pelo banco, representam uma "inovação". A operação com debêntures conversíveis mostra, porém, que, em outros casos, a "história se repete", disse interlocutor próximo do banco.

Debêntures conversíveis foram usadas pelo BNDES, no passado, para apoiar JBS, Marfrig, Suzano, Oi / BrT e Bertin, disse executivo com conhecimento do tema. Montezano reafirmou que o apoio não envolve operação de renda fixa com taxa subsidiada. "O objetivo é que o dinheiro público seja remunerado em linha com o dinheiro privado", insistiu.

Especialistas dizem que o principal ponto de negociação no contrato da debênture é o preço fixado para a conversão do financiamento em ações da companhia apoiada. Há outros elementos também importantes como prazo, carência, pagamentos de juros, garantias e se a conversão é mandatória ou não.

No caso das empresas aéreas, haverá queda de braço sobre o preço da conversão, previu fonte. O banco vai tentar determinar preço de conversão mais baixo enquanto as companhias privadas tentarão preço de conversão mais alto. Quanto menor o preço fixado, maior a diluição dos atuais acionistas caso a conversão seja mandatória. A lógica que baseia a operação é que essas empresas, que agora estão com seu valor de mercado depreciado pela crise, vão se recuperar, com suas ações subindo novamente em algum momento. "As pessoas vão precisar continuar voando", disse um executivo. Se no futuro eventualmente as ações não se recuperarem, o banco poderia simplesmente cobrar a dívida.

Por todas essas razões, a subscrição de debêntures conversíveis é considerada uma operação com grande possibilidade de ganhos para o BNDES. Mas não só para o banco. "Esse tipo de operação permite preservar empresas, empregos e a atividade econômica, e captura ganhos para o governo, além do benefício social envolvido", disse fonte próxima do banco.

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Banco cria linha de crédito de R$ 2 bi para ampliar leitos e equipamentos

Francisco Góes 

Bruno Villas Bôas 

30/03/2020

 

 

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deu detalhes, ontem, da linha de crédito de R$ 2 bilhões para empresas do setor de saúde com o objetivo de ampliar a oferta de leitos emergenciais, materiais e equipamentos médicos e hospitalares no país.

Em apresentação ao vivo ontem pela internet, o presidente do banco, Gustavo Montezano, disse que 30 empresas do setor de saúde foram mapeadas e que a linha setorial vai acelerar o repasse de recursos para enfrentar os efeitos do novo coronavírus.

"O desafio é combater a crise e fomentar o SUS e as instituições médicas com equipamentos."

O banco detalhou que podem pleitear os créditos as empresas que atuam na montagem de leitos emergenciais; que prestam serviços de saúde; que atuam na produção/comercialização de bens ao setor; ou que pretendam adaptar suas atividades excepcionalmente para fornecer ao setor.

A contratação da linha será feita diretamente com o BNDES, que vai financiar até 100% da operação. O limite de crédito é de R$ 150 milhões por empresa e o valor mínimo por operação, de R$ 10 milhões. Segundo o banco, a constituição de garantias reais poderá ser flexibilizada para operações de até R$ 50 milhões em financiamento.

Com a medida, o BNDES espera que a quantidade de leitos de UTI seja ampliada em 3 mil, o correspondente a 10% da atual disponibilidade. O número de respiradores pulmonares pode crescer em 15 mil, e os monitores, em mais 5 mil unidades. O banco prevê ainda mais 88 milhões de máscaras cirúrgicas.

Montezano também comentou sobre a linha de crédito emergencial de R$ 40 bilhões para pequenas e médias empresas quitarem suas folhas de pagamento durante dois meses. Segundo ele, a linha estará disponível no começo de maio, para pagamento da folha de abril.

"Estamos tentando encurtar esse prazo para poder tentar realizar algum pagamento em abril. Mas o cenário-base hoje é ter a linha disponível no começo de maio."

Sobre a suspensão do pagamento de financiamentos por seis meses, medida anunciada há uma semana, o banco informou que, em apenas dois dias, 259 clientes solicitaram a paralisação, num total de 425 contratos. Isso significa 15% de todas as empresas que tinham direito à suspensão, no valor de R$ 3,6 bilhões.

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Minas fala em cenário 'dantesco' e prevê déficit no Orçamento de R$ 20 bi 

Marcos de Souza e Moura

30/03/2020

 

 

O governo de Minas Gerais já considera a possibilidade de fechar o ano com um déficit orçamentário de R$ 20 bilhões, um quadro que o secretário da Fazenda, Gustavo Barbosa, descreve como dantesco.

Para tentar mitigar esse cenário, uma das possibilidades no radar é a venda de uma estatal para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O Orçamento de 2020 aprovado no ano passado pela Assembleia Legislativa previa um déficit de R$ 13 bilhões. Mas esse cenário levava em conta que o Produto Interno Bruto do país cresceria 2,5% neste ano. A pandemia de coronavírus arruinou todas as previsões e a estimativa mais recente do Ministério da Economia é de um avanço de 0,02%.

No sábado, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, lembrou que mesmo essa previsão já está defasada e que os novos números oficiais deverão apontar uma retração da economia este ano, como já preveem diversas instituições privadas.

Em um cenário de retração de 4%, Minas deixaria de arrecadar R$ 7,5 bilhões em ICMS - como já anunciou o governador Romeu Zema (Novo). O imposto é responsável por pouco mais de 80% da arrecadação do Estado. Os R$ 7,5 bilhões equivalem a duas folhas de pagamento do funcionalismo.

"Temos receita corrente líquida de quase R$ 60 bilhões e teríamos um déficit de quase um terço dessa receita. É uma coisa dantesca", disse Barbosa ao Valor.

O Orçamento de Minas roda no vermelho desde 2015, e Zema diz desde o início do mandato, em janeiro de 2019, que as contas só serão reorganizadas se o Estado aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), do governo federal.

As negociações com a União ocorrem desde o ano passado, mas até agora não há um prazo claro sobre quando Minas conseguirá aderir ao regime.

Segundo Barbosa, não há alternativa para o Estado a não ser um socorro emergencial da União. "Se essa ajuda não vier, a situação fica mais aguda ainda."

Minas já não paga parcelas da dívida que tem com a União - pleito de outros Estados neste momento. Mas fala em linhas de crédito, em recomposição de perdas com concessão de isenção de ICMS para alguns produtos, entre outras medidas de Brasília.

Barbosa disse que uma das opções que o governo de Minas tenta elaborar é a ajuda do BNDES para a venda da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).

É por meio desta estatal que Minas é sócia do maior "player" mundial de nióbio - a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), controlada pela família Moreira Salles. "A intenção é pedir um auxílio técnico ao BNDES que poderia culminar com a compra de parte das ações [da Codemig pelo banco]. O BNDESPar tem participações em várias empresas."

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Condições financeiras têm forte piora e voltam ao nível da crise de 2015, diz Ibre/FGV

Arícia Martins

30/03/2020

 

 

Já relevantes para prever o comportamento da atividade antes do coronavírus, as variáveis financeiras ganharam ainda mais importância como indicador antecedente num momento de elevada volatilidade como o atual, que leva a revisões quase diárias nas projeções de desempenho do Produto Interno Bruto (PIB).

Para monitorar a trajetória desses dados no Brasil, que têm se descolado da política monetária expansionista, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) passará a divulgar em breve o seu próprio Índice de Condições Financeiras (ICF). Elaborado pelos pesquisadores José Júlio Senna e Luana Miranda, do Ibre, e por João Victor Issler, professor da EPGE/FGV, o ICF terá atualização diária e será publicado de forma gratuita no site da entidade.

A metodologia do índice é semelhante à de outras medições já existentes: o ICF agrega componentes de preços (commodities, petróleo e câmbio, por exemplo), de confiança dos agentes econômicos e incerteza - já publicados pelo Ibre - e variáveis do mercado financeiro, como índices nacionais e internacionais das bolsas de valores, medidas de risco-país e spreads de juros.

"Esse indicador é um resumo do que aconteceu nos mercados doméstico e externo em termos de índices financeiros importantes para o Brasil e é útil para avaliar o que ocorreu a cada dia", explica Luana. Em sua visão, o ICF é o melhor dado disponível para projetar o desempenho do PIB um trimestre à frente.

"Com o passar do tempo, o interesse pelas condições financeiras deixou de ficar restrito ao mundo dos bancos centrais e do mercado e se percebeu sua influência sobre a atividade econômica", diz Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre e ex-diretor do BC.

Do ponto de vista acadêmico, afirma Issler, da EPGE/FGV, existem pesquisas que tentam juntar o mundo financeiro ao "lado real" da economia. Como a análise macroeconômica está interessada em movimentos gerais, e não apenas de um ativo específico, o ICF é uma medida mais interessante para avaliar o impacto das condições financeiras na atividade do que usar apenas a Selic ou o juro básico da economia americana. "O ICF capta o retorno geral dos ativos."

Nos Estados Unidos já existem vários indicadores dessa natureza, como o estimado pelo Goldman Sachs. Por aqui, bancos e consultorias costumam calcular um agregado das condições financeiras para uso interno, como o próprio Ibre vinha fazendo desde agosto passado. E o Banco Central brasileiro também está atento a esses números.

O Relatório Trimestral de Inflação de março dedicou uma seção à apresentação de um indicador diário de medição das condições financeiras para o Brasil, com o objetivo de "incorporar informações diárias sobre as condições gerais dos mercados financeiros, capturando tanto choques domésticos quanto externos". No documento, o Banco Central explica como o dado é calculado e mostra um gráfico com sua evolução desde 2006, mas não detalha a trajetória.

Segundo a autoridade monetária, o ICF atingiu mínimas históricas no começo deste ano, mas subiu de forma significativa no período mais recente devido ao estresse nos mercados causado pela covid-19. A avaliação está em linha com o desempenho do ICF do Ibre, antecipado ao Valor.

Depois de ficar abaixo de zero de junho de 2019 a meados de fevereiro deste ano, o indicador teve forte subida ao longo deste mês e atingiu níveis comparáveis ao observado no terceiro trimestre de 2015, pior momento da última recessão. O ICF é medido em desvios-padrão acima ou abaixo da média histórica. Números negativos indicam condições financeiras frouxas, e positivos, apertadas.

Na última atualização feita pelo Ibre, de 26 de março, o ICF estava em 0,95, mas chegou a atingir 1,8 no dia 19, patamar próximo ao registrado em setembro de 2015. O nível de aperto, no entanto, ainda está longe do que vigorou no fim de 2008, quando, em meio à crise financeira, alcançou 3,36. Mesmo assim, ressalta Senna, a piora recente ocorreu na contramão da política monetária, que está em terreno ainda mais estimulativo à atividade.

Os bancos centrais perderam capacidade de influenciar as condições financeiras por meio das taxas de juros, o que também ocorre no Brasil, afirma Senna. Assim, o impacto das decisões de política monetária no nível de atividade também fica comprometido. "É muito comum ver manifestações de empresários sobre decisões do Copom, mas o foco está errado. Para quem está preocupado com a atividade, as condições financeiras importam mais do que a Selic", resume.

À frente das projeções de atividade do Ibre ao lado da pesquisadora Silvia Matos, Luana aponta que há vários indicadores antecedentes do PIB, como os dados de produção industrial e vendas do varejo do IBGE, mas a divulgação deles é defasada. Por ter frequência diária, o ICF é um antecedente "poderoso", diz.

A entidade estima que o PIB deve subir 0,1% entre o primeiro e o segundo trimestres, feitos os ajustes sazonais, com redução de 3,3% de abril a junho, mas a economista afirma que há viés de baixa em ambos os números.