Valor econômico, v.20, n.4971, 31/03/2020. Brasil, p. A3

 

Reação à crise pode exigir R$ 1 tri, diz estudo

Anai's Fernandes

31/03/2020

 

 

A atuação do governo brasileiro em relação à crise do coronavírus será crucial para definir a profundidade da retração econômica no país, e medidas para garantir a liquidez e o emprego devem concentrar esforços da ordem de 10% a 15% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, algo entre R$ 700 bilhões e R$ 1 trilhão, sugere estudo da consultoria Roland Berger.

A equipe traçou três cenários para a economia brasileira neste ano: recuperação rápida, cura tardia e recessão profunda. No primeiro, a projeção pré-crise da Roland Berger para o PIB brasileiro em 2020, que era de 2,1%, ficaria entre zero e 1%. Nesse cenário, medidas de contenção do vírus surtem efeito, é restrito o número de cidades em quarentena e o impacto da atividade externa é mais suave. Na cura tardia, o PIB ficaria entre -0,9% e 0,1%. As dificuldades para conter a epidemia levariam ao aumento rápido de casos e quarentenas seriam estendidas, gerando, entre outras coisas, gargalos nas cadeias e fechamento temporário de fábricas.

Já no caso de recessão profunda, não seria possível fugir de variação negativa do PIB, entre -2% e -1%. Chegar a esse ponto implicaria descontrole no combate ao vírus, que desencadearia rupturas de oferta e falência de empresas. As políticas fiscal e monetária não dariam conta de conter os estragos.

Cada cenário é também uma possibilidade para as trajetórias das curvas de queda e recuperação da economia no Brasil, se em "V" (queda abrupta, mas retomada rápida), em "U" (recuperação menos veloz) ou, no pior caso, em "L" (queda profunda que gera mudanças estruturais).

Em meio a incertezas, os especialistas da Roland Berger evitam apontar qual é o cenário mais provável, mas o que eles afirmam é que a atuação do governo será determinante para definir "a primeira perna" dessa curva. "O governo pode atuar na velocidade e na profundidade dessa descida e criar condições que permitam uma retomada mais rápida", afirma Jorge Pereira da Costa, sócio-global da Roland Berger. Para ele, a área econômica tem tomado decisões na direção certa, mas "elas precisam ser ampliadas e alargadas".

Preservar a liquidez dos mercados é essencial, mas isso inclui não só o sistema financeiro, mas também as famílias, afirma o executivo. O estudo da Roland Berger cita medidas como o aumento de limite e prazo do cheque especial e troca de parte da dívida do rotativo no cartão.

"As famílias brasileira vivem, basicamente, de três produtos de crédito: cheque especial, consignado e rotativo. Já houve iniciativa recente para redução das taxas no cheque especial e o governo anunciou agora medidas para o consignado. Mas falta ainda a questão das prestações do cartão, que têm taxas significativamente elevadas. As famílias não vão ter como pagar e isso significa uma situação em que não poderão comprar coisas básicas."

Medidas de apoio às empresas também são corretas, mas os valores anunciados ainda podem ser insuficientes, diz Pereira da Costa. Para a manutenção de emprego, outros países focam na desoneração da folha, diz o especialista. "Eles têm permitido que os vínculos contratuais sejam suspensos durante o período de fechamento forçado, mas o Estado entra com parte significativa do salário. E foi isso que faltou."

O pacote do Banco Central para oferecer mais de R$ 1 trilhão em liquidez aos bancos também vai na direção certa, mas a avaliação da Roland Berger é que o governo precisa ajudar a "retirar" o risco do balanço das instituições, sobretudo nas de médio porte. "O Brasil estava se recuperando de uma crise profunda com aumento significativo da inadimplência, os bancos estavam digerindo isso. Os níveis de risco vão aumentar significativamente se não houver apoio. Não adianta inundar de dinheiro se o risco não for minimizado e os bancos não colocarem esse crédito na economia", afirma.

Esse "risco" pode ser compartilhado, por exemplo, por meio da compra de créditos mais arriscados. A Caixa Econômica Federal já anunciou que tem montante reservado para a aquisição de carteiras de outros bancos. Outra possibilidade são programas garantidores por parte do governo, diz Marcus Ayres, também sócio global da Roland Berger.

Faltam também, na opinião dos especialistas, medidas de apoio para setores-chave da economia mais vulneráveis à crise, o que vai além do aéreo e inclui, por exemplo, logística e varejo, além das indústrias automobilística, química, de petróleo e siderurgia. "São empresas que por si só movimentam toda uma cadeia. Se elas caírem, cai a cadeia", diz Pereira da Costa. Nesse caso poderia ser criado um "fundo de socorro" para o qual, não tem jeito, o dinheiro terá que vir do Tesouro.

Se a "amortização" dos choques fica mais a cargo do governo, o futuro da "segunda perna" da curva depende, em boa medida, das empresas. "Do macro para o micro, as empresas podem atenuar a descendência no seu negócio, mas também se preparar para a curva ascendente", afirma Ayres.

Na gestão imediata da crise, os executivos precisam garantir a agilidade das decisões e evitar a "paralisia" dos seus recursos humanos - e, nisso, a flexibilização temporária da lei trabalhista pode ajudar. "Temos casos internacionais de modelos colaborativos, em que funcionários foram 'emprestados' entre empresas diferentes, para manter as pessoas ocupadas", diz Pereira da Costa.

Tão importante quanto a gestão da crise, porém, é a preparação para a retomada, o que envolve a rápida digitalização de processos, mas, principalmente, "olhar a empresa estendida". Isso significa que as companhias vão precisar identificar os elos mais frágeis de sua cadeia de valor e atuar para prestar suporte.

Enquanto comitês fazem o gerenciamento da crise, outros grupos da empresa precisam se manter atentos às oportunidades, incluindo de fusões e aquisições. "Em grau maior ou menor, o mundo não será o mesmo após essa crise, as cadeias produtivas não serão as mesmas. Entender o que mudou e a vocação da empresa é muito importante", diz Ayres.