Valor econômico, v.20, n.4971, 31/03/2020. Brasil, p. A4

 

Auxílio a informais terá apoio de bancos oficiais e Correios

Fabio Graner

Lu Aiko Otta

31/03/2020

 

 

Com o Congresso concluindo a aprovação do pagamento extraordinário de R$ 600 para os trabalhadores informais, o governo finaliza agora o quebra-cabeça operacional da medida. Há uma preocupação em fazer com que o dinheiro chegue nas pessoas e, ao mesmo tempo, de evitar que o socorro provoque aglomerações e prejudique o combate à epidemia do coronavírus.

Uma das definições já foi tomada: a operação não ficará restrita à Caixa (com sua rede de lotéricas) e ao INSS. Incluirá também Banco do Brasil, Basa, BNB e Correios. "Será a maior rede possível para o recurso chegar ao cidadão", afirmou o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni.

Ele disse ontem que, uma vez aprovada a ajuda mensal de R$ 600,00 aos informais, ainda faltarão três etapas: a sanção, que ocorrerá da forma mais rápida possível, a regulamentação por meio de um decreto presidencial e a edição de uma medida provisória (MP) com um crédito extraordinário para que a iniciativa tenha previsão orçamentária.

A ideia no governo é concluir o decreto que viabiliza a operação nesta semana, para tentar iniciar os pagamentos já na semana que vem, apurou o Valor. O Cadastro Único de programas sociais, a despeito de estar incompleto e não capturar todos os informais, será o principal meio para definir quem terá acesso ao benefício extraordinário.

A Caixa deve ser um dos principais operadores do pagamento extra, mas, com a presença dos demais bancos e ainda dos Correios e do INSS, a instituição ficará menos sobrecarregada.

Na instituição presidida por Pedro Guimarães, um dos caminhos que estão sendo preparados é a criação de um aplicativo, semelhante ao que existe hoje para o pagamento do FGTS. Nesse caso, quem não for correntista da Caixa conseguirá fazer transferência para sua conta bancária em outra instituição.

Outro tópico da preparação é como lidar com a parte física, presencial, daqueles que não têm acesso à internet. Uma das hipóteses é ter um escalonamento de datas de saque, conforme mês de nascimento e eventualmente outros critérios. Isso também precisa ser acertado internamente no governo.

Na área econômica, também havia uma ideia de se buscar parcerias com as operadoras de máquinas de pagamento para que elas pudessem participar do processo, exigindo por exemplo apenas a digitação de CPF na máquina em algum estabelecimento comercial, como supermercados e padarias. Isso ajudaria a dar capilaridade ao processo e facilitaria para aqueles que estão na informalidade e não têm acesso à rede bancária. Mas, com a maior participação de instituições públicas, essa alternativa perdeu força.

Na entrevista coletiva, Onyx fez um apelo às pessoas para não darem informações a qualquer site que se propõe a cadastrar os candidatos à ajuda, pois o sistema ainda não está pronto. Ele destacou o esforço por parte dos ministérios da Economia, da Cidadania e da Casa Civil para tornar o benefício operacional. "O mais importante é darmos agilidade e segurança."

O ministro informou ainda que sua pasta já incluiu, durante o mês de março, mais 1,220 milhão de novas famílias no Bolsa Família, com os recursos adicionais liberados pelo governo. Os pagamentos serão realizados já em abril. Com isso, a cobertura do programa chega a 14,290 milhões de famílias.

O ministro afirmou ainda que nenhuma família será excluída dos programas Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC). Antes de iniciar a crise o governo vinha sendo questionado porque deixou a fila do Bolsa Família crescer. (Colaboraram Fabio Murakawa, Murillo Camarotto e Rafael Bitencourt)

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Não há atraso na implementação de medidas, diz Sachsida

Fabio Graner

Edna Simão

Mariana Ribeiro 

31/03/2020

 

 

O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, afirmou ontem que não há demora do governo na implementação das medidas anunciadas. Segundo ele, diferentemente de Europa e EUA, o país começou a agir antes de o sistema de saúde ficar sob forte estresse por causa da epidemia.

"Eu entendo a ansiedade, respeito a angústia das pessoas e estamos trabalhando para que as medidas sejam implementadas. Mas elas não estão demorando. As medidas foram anunciadas aqui com a epidemia em estágio anterior ao que ocorreu nos países da Europa e nos Estados Unidos, que agiram quando seus sistemas de saúde já estavam sob forte estresse", disse Sachsida, avaliando que essa situação ainda não aconteceu no Brasil.

O secretário ressaltou que algumas medidas anunciadas ainda não foram efetivadas porque há processos legislativos e orçamentários que precisam ser respeitados. "Nós temos que avançar com as ações respeitando o ordenamento jurídico", afirmou.

Até agora, apesar dos anúncios feitos nas últimas duas semanas, algumas das principais medidas do governo ainda estão sem validade. São os casos do pagamento extraordinário aos informais e mais pobres, aprovado em votação simbólica pelo Senado, das ações voltadas para manutenção do emprego com redução de jornada e compensação pelo seguro-desemprego, entre outras, como a liberação dos recursos do FGTS, que foi anunciada, mas ainda não tinha seus critérios finalizados para ser acessado pelas pessoas.

O governo já foi criticado por analistas por ter demorado para anunciar as medidas e ficar com um discurso direcionado para as reformas no início desta crise. Com a mudança de atuação, agora, há questionamentos sobre a velocidade de implementação das iniciativas anunciadas nas últimas duas semanas.

Ontem, em entrevista coletiva, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, fez um discurso na mesma direção do de Sachsida. Ele destacou que a necessidade de cumprimento de muitas regras fiscais na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias "torna difícil a execução das despesas, mesmo quando se tomou a decisão política de gastar mais".

Mansueto ressaltou que a decretação de calamidade pública só liberou o governo de cumprimento de meta de primário. Nesse sentido, o secretário defendeu a aprovação da PEC do orçamento de guerra, em discussão no Congresso Nacional, que permite que, em períodos de calamidade pública, o governo tenha certeza de que poderá executar as políticas necessárias, sem risco fiscal.

Mansueto ainda destacou que a liminar concedida no fim de semana pelo Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a pedido do governo, vai dar tranquilidade para a adoção das medidas emergenciais, pois flexibiliza as regras fiscais em meio ao avanço do novo coronavírus.

Segundo Mansueto, o governo "não se pode dar ao luxo de ficar discutindo" por cerca de 30 dias as estimativas sobre impacto de uma medida neste momento. Isso porque, as decisões tem que ser tomadas em questão de dias.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Plano Mansueto pode ir à votação hoje na Câmara

Marcelo Ribeiro 

Raphael Di Cunto

Lu Aiko Otta

31/03/2020

 

 

Apontado como uma das prioridades na pauta legislativa do governo, o projeto de lei que regula o chamado Plano Mansueto pode ser votado hoje na Câmara. O relator, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), disse ao Valor que finalizou seu parecer. O relatório, distribuído para os partidos na noite de ontem, será apresentado diretamente no plenário.

Originalmente, o Plano Mansueto (referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida) facilitava a contratação de crédito por Estados com situação financeira frágil, em troca de medidas de ajuste fiscal. O governo aproveitou o texto para "enxertar" medidas de socorro aos Estados e municípios anunciadas na semana passada.

Entre elas, está a suspensão do pagamento de dívidas dos Estados e municípios com o Tesouro. O que o Ministério da Economia anunciou era a suspensão do pagamento por seis meses. Mas os Estados pressionavam por 12 meses. O texto, que ainda estava em ajuste, prevê a suspensão do pagamento dessas dívidas e também das parcelas devidas aos Caixa e BNDES pelo período que durar a calamidade. Banco do Brasil ficou de fora por se tratar de empresa de economia mista. O relator não contemplou pleito dos Estados de suspender o pagamento de dívidas com organismos internacionais com aval da União. Haverá possibilidade de contratação de novos créditos. O processo de contratação deverá ser simplificado.

A proposta não está na pauta divulgada - que conta com três itens, como a proibição de exportações de equipamentos médicos e produtos de higiene essenciais para o combate ao coronavírus -, mas poderá entrar se houver acordo entre os líderes partidários.

Pedro Paulo modificou a proposta para tentar contemplar todos os Estados, inclusive os com melhor situação fiscal (rating A e B), que não tinham benefícios no projeto original do governo. A ideia é facilitar as condições de empréstimos deles garantidos pelo Tesouro Nacional.

O Regime de Recuperação Fiscal será modificado para permitir adesão de Estados "quebrados", como Goiás, Minas e Rio Grande do Sul.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Suspensão de contrato de trabalho valerá para domésticas

Edna Simão

31/03/2020

 

 

O governo vai permitir que as pessoas físicas possam suspender contratos ou reduzir jornada de trabalho e salário dos trabalhadores domésticos no período da crise provocada pela pandemia do coronavírus. A medida deve constar da medida provisória que o governo pretende editar para conceder uma compensação salarial aos trabalhadores.

Com a inclusão dessa possibilidade, a estimativa de impacto das compensações para os cofres públicos deve subir de R$ 36 bilhões para algo em torno de R$ 50 bilhões.

Segundo fonte ouvida pelo Valor, no início da discussão sobre ajuda financeira aos trabalhadores, a ideia era conceder o benefício apenas para pequenas empresas que mantivessem o emprego e existiam dúvidas sobre a inclusão dos domésticos. Mas os técnicos da equipe econômica decidiram expandir a medida para todas as empresas e pessoas físicas para incluir os trabalhadores domésticos.

Os técnicos da Secretaria de Previdência e Trabalho já finalizaram o texto da medida provisória, que agora aguarda avaliação da Secretaria Especial de Fazenda, da Receita, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e do Palácio do Planalto.

O empecilho que existia para a publicação da medida provisória, que era a necessidade de apresentação de uma fonte de receita para cobrir a nova despesa como está previsto na Lei Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi retirado com a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo que não seja necessária a compensação, neste momento, de necessidade de adoção de medidas emergenciais.

A MP deve prever três percentuais fixos de compensação salarial com antecipação do seguro-desemprego para os trabalhadores que fizerem negociação com os empregadores para redução de jornada e, consequentemente, do salário devido ao efeito da pandemia do coronavírus na economia. Neste caso, o teto do benefício poderá ser limitado a até 70% do seguro-desemprego. No caso do trabalhador que tiver a suspensão do contrato por dois meses, a regra é diferente e o benefício será de 100% do valor.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Ajuda alivia um terço de impactos sobre atividade, estima estudo da FGV

Anai´s Fernandes

31/03/2020

 

 

No aguardo de sanção presidencial, o auxílio de R$ 600 têm potencial para mitigar pouco mais de um terço dos impactos de paralisações e medidas de isolamento na renda, no emprego, e, assim, na atividade, apontam pesquisadores da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV).

Por mês, a medida custaria cerca de R$ 18,4 bilhões, diz o estudo. Seriam 26,9 milhões de beneficiários dos R$ 600, além de 1,9 milhão de mães solteiras chefe de família que terão direito a cota dupla. A política evitaria perda líquida de renda mensal para os 30% mais pobres da população, estimam Marco Brancher, Guilherme Magacho e Rafael Leão, pesquisadores associados do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo (CND), a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad).

O impacto da medida, considerando reflexos indiretos na cadeia de produção e o efeito induzido da renda, seria uma sustentação de R$ 28,4 bilhões mensais em termos do Produto Interno Bruto (PIB), além de 6,2 milhões postos de trabalho. Em três meses - hipótese para a duração de medidas de isolamento -, o montante chegaria a R$ 85,1 bilhões, ou um acréscimo de 1,2% do PIB (tendo 2019 como referência). Com isso, o impacto negativo projetado para 2020 ficaria em 2,1% do PIB, já que, sem nenhuma medida de recomposição de renda, o choque seria de 3,3%, de acordo com o estudo.

Com a renda emergencial, a perda de ganhos mensais dos trabalhadores informais e autônomos, bem como de desempregados/desalentados, somaria R$ 33,9 bilhões. Sem auxílio, saltaria para R$ 52,3 bilhões, um impacto negativo total de R$ 80,6 bilhões em PIB mensal, além do fechamento de 17,6 milhões de postos de trabalho, estimam. Três meses de isolamento gerariam um aumento de 19,7 pontos percentuais na taxa de desemprego, que encerrou 2019 em 11%.

"O impacto imediato do período poderia ser uma taxa superior a 30%", diz Guilherme Magacho, PhD pela Universidade de Cambridge e também professor da Universidade Federal do ABC. "Os R$ 600 têm efeito positivo significativo e, vigente por três meses, custaria menos de 1% do PIB. O impacto é menor do que se a renda emergencial fosse de um salário mínimo, que seria o ideal, mas pelo menos mitiga parte do problema gerado", afirma.

A implementação de uma renda emergencial de um salário mínimo (R$ 1.045) e horizontal (para todas as classes), também direcionada aos grupos vulneráveis, custaria mais que o dobro: R$ 49,6 bilhões por mês, de acordo com o estudo. Nesse cenário, porém, a política poderia garantir R$ 76,5 bilhões em termos de PIB mensal, além de 16,7 milhões postos de trabalho. Em três meses, significaria um impacto positivo para o ano de 3,1% do PIB. "O choque seria quase todo compensado", diz Magacho.

De todo o modo, ele ressalta, o pagamento de R$ 600 por três meses deve ser um prazo mínimo. "É importante que esse valor seja reduzido progressivamente, para que as famílias possam se restabelecer, senão, é um baque na economia", afirma.

Na recomendação de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um benefício temporário teria valor mínimo de R$ 450, mas duraria seis meses, com possibilidade de prorrogação. O valor estaria disponível para todas as 21,1 milhões famílias com renda abaixo de meio salário mínimo per capita registradas no Cadastro Único. O público atingido pelas transferências aumentaria em cerca de 50%, para 63,6 milhões de pessoas, pouco mais de 30% da população.

Essa é uma das três medidas mínimas sugeridas pelos pesquisadores Luís Henrique Paiva, Pedro H. G. Ferreira de Souza, Leticia Bartholo e Sergei Soares, que simularam 72 cenários para potencializar o uso do Bolsa Família (PBF) e do Cadastro Único na redução dos prejuízos à baixa renda.

As outras ações incluem zerar a fila do Bolsa Família, com todas as famílias elegíveis incorporadas, expandindo a base para quase 15,5 milhões - hoje, são 13,8 milhões de famílias. Além disso, linhas de elegibilidade e benefícios do PBF precisariam ser reajustados permanentemente em cerca de 29%.

As mudanças propostas acarretariam aumento de R$ 68,6 bilhões nos gastos com transferências assistenciais em 2020, passando de 0,4% do PIB para cerca de 1,4%. Mais de 80% do custo adicional, porém, seria decorrente dos benefícios temporários.

Os pesquisadores alertam para a situação "dramática" da assistência social no país. Segundo o estudo, o Ministério da Cidadania estima que, para manter os serviços funcionando num contexto de normalidade, seriam necessários recursos anuais de R$ 1,7 bilhão (proteção básica) e R$ 814 milhões (especial). De 2019 para 2020, a dotação orçamentária caiu cerca de R$ 800 milhões - de R$ 1,8 bilhão para R$ 1,03 bilhão. "Considerando-se a regra de ouro e a dotação condicionada à aprovação de projeto de lei (PLN), esse valor se reduz a R$ 687 milhões."