Valor econômico, v.20, n.4971, 31/03/2020. Brasil, p. A6

 

Liberação adicional de FGTS pode ser de R$ 1 mil por conta

Fabio Graner

31/03/2020

 

 

A liberação adicional do FGTS pode chegar a R$ 1 mil por conta. Do ponto de vista técnico, a medida já está pronta, mas falta a decisão política sobre se será esse o valor ou algum número menor, cenário que também foi trabalhado na área técnica, e quando será efetivamente liberado o dinheiro.

A nova rodada de liberação do FGTS foi uma das medidas anunciadas no início do processo de combate aos efeitos econômicos do coronavírus. À época, contudo, não houve anúncio sobre valores, apenas a definição de que o caixa do Fundo seria reforçado com R$ 21,5 bilhões relativos à unificação do saldo do PIS/Pasep com o FGTS para viabilizar o pagamento dos cotistas.

A iniciativa atingirá um segmento de trabalhadores formais, em meio a uma ameaça de desemprego em massa por causa da crise econômica que está em curso devido ao coronavírus. O governo priorizou em suas ações iniciais os trabalhadores informais, com um projeto de renda extra que ficou em R$ 600, e as micro e pequenas empresas, que ganharam a possibilidade de adiar o pagamento da parcela federal do Simples e linhas de financiamento de capital de giro.

O governo sabe que vai encarar uma forte recessão e injetar pelo menos parte desse dinheiro do FGTS pode ser uma forma de fortalecer o poder de compra das famílias daqueles que não perderam emprego, mas que estão com menor confiança sobre o futuro e tendem a ficar mais retraídos.

Um anúncio pode ocorrer ainda nesta semana, embora também estejam na fila de medidas a operacionalização do pagamento extraordinário de R$ 600 para os informais e a medida que regulamenta a redução da jornada de trabalho com redução de salários, que será parcialmente compensada pelo pagamento do seguro-desemprego.

Além da nova rodada de saques, o governo também usou o fundo para dar fôlego de caixa para as empresas. Na primeira rodada de medidas, o governo permitiu o diferimento (adiamento) por três meses do recolhimento mensal feito ao FGTS. Essa iniciativa representa na prática um capital de giro da ordem de R$ 30 bilhões para as empresas durante esse período.

A liberação de saques do FGTS no ano passado foi uma das medidas tomadas para dar algum fôlego à atividade econômica, que em meados de 2019 estava fragilizada e com expectativa de recessão por parte de alguns economistas. Chamada de saque imediato, a iniciativa foi acompanhada de uma mudança estrutural no fundo, com a criação da modalidade saque-aniversário, que permite ao trabalhador uma vez por ano retirar parte dos seus recursos.

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Início da crise puxa o preço dos alimentos, mas alta é passageira 

Arícia Martins 

31/03/2020

 

 

André Braz: consumidor aumenta estoques domésticos, mas se não houver problema de oferta, situação vai se normalizar André Braz: consumidor aumenta estoques domésticos, mas se não houver problema de oferta, situação vai se normalizar
André Braz: consumidor aumenta estoques domésticos, mas se não houver problema de oferta, situação vai se normalizar

A mudança de hábitos provocada pela pandemia do coronavírus já elevou as cotações de alimentos neste mês, mas a pressão não deve se sustentar. Segundo economistas, março e abril serão meses de inflação um pouco mais salgada devido à "corrida" aos supermercados e farmácias. Passado o primeiro momento de aumento da demanda e sem grandes problemas nas condições de oferta, porém, os reajustes devem se normalizar. Por isso, as projeções para a variação dos índices ao consumidor neste ano continuam sendo revistas para baixo.

Divulgado ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) deixou para trás uma queda de 0,04% em fevereiro e avançou 1,24% em março, acima da mediana de 1,12% estimada por 19 analistas consultados pelo Valor Data. A inflação maior foi puxada pela parte de alimentação.

Com peso de 60% no IGP-M, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) saltou 1,76% na medição atual, ante recuo de 0,55% na anterior. O principal impacto de alta veio dos alimentos processados, que registraram deflação de 1,57% em fevereiro e, agora, aumentaram 1,27%. A aceleração foi espraiada: ficaram mais caros itens como carne bovina (-8,1% para 3,3%), carne suína (-3,2% para 2,5%), farinha de milho e derivados (2,9% para 5%), açúcar refinado (1,6% para 2,4%) e queijos (1,7% para 2%), entre outros.

Ainda na parte de bens finais, os alimentos in natura avançaram de 0,5% para 7,33% na passagem mensal. Para André Braz, especialista em inflação do Ibre/FGV, os preços mais pressionados refletem a mudança de comportamento dos consumidores, que passaram a fazer mais refeições em casa devido ao confinamento imposto para conter a disseminação da covid-19.

"Essa situação força um ajuste na despensa. As pessoas compram mais para dar conta de todas as refeições, o que já cria um cenário propício para aumentos de preços", afirma o economista.

Com algumas pessoas fazendo estoques e problemas pontuais na entrega de produtos, houve também redução na oferta, que contribuiu para a alta nos preços, diz Braz. "Não vemos mais as gôndolas tão cheias". O resultado já apareceu Índice de Preços ao Consumidor - M (IPC-M), que cedeu de 0,21% para 0,12%, mas mostrou aceleração nos alimentos (0,28% para 0,86%).

Dentro do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, a inflação de alimentos deve superar 1% este mês, estima Fábio Romão, economista da LCA Consultores, tendência que deve se repetir em abril. Em seus cálculos, o IPCA vai acelerar de 0,02% na prévia de março para 0,18% na medição fechada, e registrar alta de 0,30% em abril. "Nesses dois meses a inflação vai captar as famílias correndo para os supermercados e fazendo estoques, mas depois disso vai refluir", avalia.

Se de um lado há pressão pontual de alimentos e produtos farmacêuticos, do outro, há uma série de vetores de alívio à inflação, que mais do que compensam o encarecimento localizado de alguns itens, aponta Romão. Como o consumo total de energia deve diminuir com o fechamento de vários estabelecimentos, é provável que a bandeira tarifária permaneça verde, que deixa as contas livres de cobranças extras, diz ele.

Há, ainda, o impacto da paralisação da atividade nos serviços, que representam cerca de 35% do IPCA. Os preços do setor devem subir apenas 2,5% em 2020 no cenário da LCA. "O efeito líquido [do choque do coronavírus] é deflacionário. O segundo trimestre vai ser perdido em termos de atividade. Podemos ter uma pressão pontual agora, mas há uma grande ociosidade na economia do país", resume Romão, que cortou em 0,2 ponto a estimativa para a alta do IPCA em 2020, a 2,8%. E o número tem viés de baixa.

De acordo com o boletim Focus, do Banco Central, a expectativa do consenso de mercado para a inflação oficial deste ano caiu de 3,04% para 2,94% na última semana. "Não consigo enxergar grandes problemas. A inflação está controlada e com tendência de queda", avalia Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe).

Na terceira quadrissemana de março, o IPC-Fipe, que mede a variação de preços na cidade de São Paulo, aumentou 0,10%, ante 0,12% na quadrissemana anterior. A parte de alimentação acelerou de 0,29% para 0,49% na passagem semanal, com preços maiores em alimentos industrializados (0,44% para 0,55%) e itens in natura (0,77% para 1,01%).

Para Moreira, esses últimos preços estão em alta devido à sazonalidade da época. Fora isso, não há nenhum problema de abastecimento nos supermercados, e os restaurantes estão de portas fechadas, quadro que inibe repasses. No momento, ainda não é possível mensurar o impacto da crise nos preços de serviços, mas certamente o efeito é deflacionário, diz o economista. "Não tem como ver o que subiu ou caiu. Está tudo fechado. Mas o baque na economia é forte e se sobrepõe a pressões localizadas."

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Com mais 3 meses de isolamento, PIB cai 1,8%, estima IPEA

Bruno Villas Bôas

31/03/2020

 

 

A pandemia do coronavírus pode provocar perda de 0,4% a 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2020, a depender da duração de isolamento social, mostra o documento "Visão geral de conjuntura", do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Se o isolamento durar mais um mês (até o fim de abril), a queda do PIB será de 0,4%, conforme cálculos do Ipea. Caso o tempo de isolamento dure mais dois meses (até o fim de maio), a retração será de 0,9%. E, se perdurar mais três meses, a retração será de 1,8%.

No fim do ano passado, quando divulgou a versão anterior do documento a expectativa do Ipea era de crescimento de 2,3% do PIB deste ano.

José Ronaldo de Castro Souza Júnior, diretor da área macroeconômicas do Ipea, explica que o documento trabalha com cenários sem atribuir probabilidades de ocorrerem. O motivo é a incerteza sobre os próprios aspectos epidemiológicos associados ao novo vírus.

"Quanto maior a duração do isolamento, maior será a dificuldade de a economia se recuperar no período posterior. Isso não implica, porém, qualquer juízo de valor em relação à necessidade das medidas restritivas para conter a velocidade de disseminação", avalia.

"O custo em termos de PIB é crescente porque, mesmo com medidas mitigadoras bem-sucedidas, os riscos de falências e de demissões aumentam quanto maior for o tempo em que as empresas ficam com perda muito grande (ou total) de faturamento", acrescenta.

No documento, os pesquisadores reconhecem, porém, as dificuldades de realizar projeções. "Dado o ineditismo do choque sobre a economia mundial, fazer projeções macroeconômicas com um nível razoável de confiança tornou-se tarefa muito difícil."

O Ipea calcula que o pior momento de retração do PIB de 2020 será no segundo trimestre. Dessazonalizado, o PIB vai recuar 3% ante o primeiro trimestre se o isolamento durar mais um mês. A queda seria intensificada para 5% e 9% nos dois outros cenários.

Setores como transporte aéreo, hotéis e atividades artísticas, criativas e espetáculos foram praticamente paralisados ou reduzidos a uma parcela ínfima do normal. Apenas segmentos específicos do comércio devem crescer, como supermercados e farmácias.

"A queda do segundo trimestre é dominada pelo fator doméstico. O mesmo raciocínio não pode ser extrapolado para o ano, já que supomos que a piora nas condições externas perdurará pelo ano de 2020."

Nos três cenários de extensão do isolamento, a hipótese é de uma rápida recuperação parcial da atividade econômica no terceiro trimestre. Este cenário dependerá, porém, da efetividade das políticas econômicas adotada no Brasil e em outro países.

"A recuperação da atividade econômica será consequência natural da suspensão gradual das medidas restritivas. Além disso, quanto maior a queda, maior a recuperação na margem por conta do efeito de base."

Nos cálculos do Ipea, as medidas anunciadas pelo governo já superam os R$ 300 bilhões. A rápida volta da atividade não implica, contudo, recuperação completa do PIB, que sofrerá os efeitos colaterais da interrupção abrupta da economia.