Valor econômico, v.20, n.4971, 31/03/2019. Política, p. A7

 

Manifesto de senadores defende isolamento

Vandson Lima

Renan Truffi 

31/03/2020

 

 

Em mais um sinal do crescente distanciamento do presidente Jair Bolsonaro de outras lideranças políticas do país, o Senado divulgou ontem, com o aval de praticamente todos os líderes, um manifesto em defesa do isolamento social para o combate à pandemia do coronavírus. Até os dois senadores que representam as lideranças do governo - Fernando Bezerra (MDB-PE) no Senado e Eduardo Gomes (MDB-TO) deram aval ao documento.

A linha adotada no texto segue as recomendações dos órgãos de Saúde e se opõe frontalmente à opinião do presidente, que propõe isolamento vertical, com reabertura do comércio e quarentena apenas a idosos e outros grupos considerados vulneráveis.

"Somente o isolamento social, mantidas as atividades essenciais, poderá promover o 'achatamento da curva' de contágio, possibilitando que a estrutura de saúde possa atender ao maior número possível de enfermos, salvando assim milhões de vidas, conforme apontam os estudos sobre o tema", defenderam os senadores.

No domingo, indo contra as recomendações, Bolsonaro passeou na área comercial de regiões administrativas do Distrito Federal, causando aglomerações em torno dele em Taguatinga, Sobradinho e Ceilândia.

A iniciativa não significa, contudo, que Bezerra, tido como o mais hábil articulador governista, esteja rompendo com o presidente. Segundo interlocutores, havia uma pressão para que o Senado se posicionasse sobre a questão. Bezerra então, ao invés de tentar barrar o movimento, pôs-se na linha de frente, como forma de controlar a narrativa.

"Alguns senadores ligaram para mim apenas preocupados com que a defesa pelo isolamento social não seja por prazo indeterminado. Em algum momento, haverá uma discussão sobre critérios de flexibilização para que a gente possa ajustar a boa causa de buscar o achatamento da curva de contágio e, por outro lado, buscar a proteção de emprego e renda para os brasileiros", disse Bezerra na sessão deliberativa, após o presidente em exercício, Antonio Anastasia (PSDB-MG), ler o manifesto.

Ao apontar a necessidade de discussão do isolamento social, mas só futuramente, o líder tentou equilibrar as posições do Senado e a de Bolsonaro.

Os senadores apontaram ainda que "a experiência dos países em estágios mais avançados de disseminação deixa claro que, diante da inexistência de vacina ou tratamento plenamente comprovado, a medida mais eficaz de minimização dos efeitos da pandemia é o isolamento social". O manifesto chama o governo à sua responsabilidade. "Ao Estado cabe apoiar as pessoas vulneráveis, os empreendedores e segmentos sociais que serão atingidos economicamente pelos efeitos do isolamento".

Integrante da chamada "ala sênior" do MDB - que reúne caciques como Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA) e Eduardo Braga (AM) -, Bezerra foi escolhido líder de Bolsonaro por influência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que fez a aproximação.

Recentemente, Alcolumbre, ele próprio infectado pelo coronavírus, passou de aliado a crítico do governo, após Bolsonaro ir à TV e chamar a covid-19 de "resfriadinho". Em nota oficial, o presidente do Senado disse que o país precisava de uma "liderança séria" para o combate à pandemia.