Valor econômico, v.20, n.4971, 31/03/2020. Política, p. A8

 

Em boletim, Eurasia avalia risco de pandemia desestabilizar Bolsonaro

Daniel Rittner

31/03/2020

 

 

O fundador e presidente da Eurasia Group, Ian Bremmer, cogitou pela primeira vez, ao falar dos impactos da pandemia de coronavírus no mundo emergente, um cenário de impeachment de Jair Bolsonaro no Brasil.

Em mensagem semanal aos clientes e contatos da consultoria de risco político, distribuída ontem, Bremmer dedica parte do texto para uma análise dos reflexos da covid-19 sobre as respostas de países em desenvolvimento à emergência sanitária.

No caso do Brasil, menciona que Bolsonaro tem feito campanha contra governadores defensores do isolamento social e acusado a mídia de incitar o pânico na sociedade. "Ele diminuiu a importância do vírus, dizendo que as escolas deveriam ser abertas porque crianças não estão em risco e que as pessoas deveriam voltar à sua vida cotidiana", escreve.

Bremmer explica aos seus leitores que, como nos Estados Unidos, o sistema político no Brasil é "fortemente descentralizado", mas avalia que as declarações do presidente brasileiro minam a eficácia das medidas adotadas por administrações estaduais.

Ele, então, alerta: "O avanço da doença, que sobrecarrega o sistema de saúde, recairá solidamente sobre os ombros de Bolsonaro - arriscando o desenrolar de sua aliança reformista no Congresso e potencialmente até levando ao seu próprio impeachment."

Nas redes sociais, Bremmer tem sido crítico do modo como o presidente Bolsonaro está lidando com a crise. No domingo, ele tuitou que nunca viu "um nível de irresponsabilidade" tão grande em líderes democraticamente eleitos e que "Bolsonaro faz [Donald] Trump parecer Churchill" no enfrentamento ao coronavírus, mas não havia usados os próprios relatórios de sua empresa para fazer esse tipo de advertência.

A Eurasia tem grandes investidores globais como clientes e Bremmer é um dos consultores mais cortejados da atualidade pelo mercado. É um dos mais prestigiados, por exemplo, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial em Davos.

"A maioria dos líderes de nações em desenvolvimento reconheceu a severidade da crise, mas com dramática desigualdade nas respostas", afirma Bremmer, no relatório de ontem. Como casos positivos, cita o peruano Martín Vizcarra (cuja popularidade subiu de 52% para 85% graças à quarentena rígida e à transparência na comunicação do governo) e o argentino Alberto Fernández (cuja liderança tem lhe dado mais voz de comando dentro do próprio governo e ofuscado a vice-presidente Cristina Kirchner).

O sul-africano Cyril Ramaphosa também é mencionado como exemplo de fortalecimento, tendo suas medidas apoiadas por partidos e grandes empresários. Bangladesh e Turquia, por outro lado, recebem menções negativas e de dificuldades na mensagem semanal do presidente da Eurasia.

Bremmer faz uma leitura transversal sobre os reflexos do coronavírus políticos, eleitorais e na popularidade de líderes em todo mundo. Para ele, quem demorou para decretar o fechamento da economia pode arcar com a responsabilidade de mais mortes, mas é essencialmente resultado da "inação". Quem decidir reabrir a economia mais rapidamente, colhendo eventualmente mais doentes e mais mortos, será responsabilizado pela "ação". E a ação, mais do que a inação, terá consequências político-eleitorais.

A mensagem termina com um quadro desalentador. Para ele, se há duas semanas poucas pessoas conheciam alguém com a covid-19, daqui a duas semanas é muito provável que muitos de nós tenhamos pelo menos um conhecido morto pela doença.

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Oposição defende a troca de presidente

Cristiane Agostine

Malu Delgado 

31/03/2020

 

 

Em uma ação política coordenada, lideranças da oposição lançaram ontem um manifesto em defesa da renúncia do presidente Jair Bolsonaro. Expoentes do PT, PDT, PSB, PCdoB e Psol criticaram como "irresponsável" a conduta de Bolsonaro no enfrentamento do coronavírus, e afirmaram que o presidente é o "maior obstáculo" para o governo federal tomar decisões para "reduzir a evolução do contágio, salvar vidas e garantir a renda e o emprego" no país.

O manifesto é endossado pelos ex-presidenciáveis Ciro Gomes (PDT), Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (Psol), adversários de Bolsonaro nas eleições de 2018.

Na tentativa de atrair o apoio da centro-direita, a oposição não pede o impeachment de Bolsonaro, mas defende que o presidente seja contido pelo Judiciário e pelo Congresso, e que responda por seus atos na Justiça. Dentro dessa estratégia, a oposição estuda apresentar uma queixa-crime contra Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal para pedir o afastamento do presidente, sob a justificativa de que Bolsonaro tem atentado contra a saúde da população.

Para a oposição, o Congresso deve "proteger o povo e o país" da pandemia, e o Judiciário precisa "deter prontamente" medidas tomadas por um governo que "aposta irresponsavelmente no caos social".

No manifesto, os líderes da oposição afirmam que o presidente "atenta contra a saúde pública" e desconsidera determinações técnicas e experiências de outros países.

"Bolsonaro não tem condições de seguir governando o Brasil e de enfrentar essa crise, que compromete a saúde e a economia. Comete crimes, frauda informações, mente e incentiva o caos, aproveitando-se do desespero da população mais vulnerável", afirmam os líderes da oposição. "Precisamos de união e entendimento para enfrentar a pandemia, não de um presidente que contraria as autoridades de saúde pública e submete a vida de todos aos seus interesses políticos autoritários. Basta! Bolsonaro é mais que um problema político, tornou-se um problema de saúde pública", registram no manifesto. "Falta a Bolsonaro grandeza. Deveria renunciar, que seria o gesto menos custoso para permitir uma saída democrática ao país. Ele precisa ser urgentemente contido e responder pelos crimes que está cometendo contra nosso povo."

O texto é assinado pelos presidentes do PT, PSB, PDT, Psol e PCdoB; pelo governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB); pela deputada Manuela D'Ávila (PCdoB), pelos ex-governadores Roberto Requião (MDB) e Tarso Genro (PT), e pela líder social Sonia Guajajara (Psol), além de Ciro, Haddad e Boulos.

Em coro às críticas apresentadas pela oposição, o PSDB afirma que Bolsonaro "não está à altura do povo brasileiro". Em nota, o partido também criticou a postura do presidente como "irresponsável".

"Todos os esforços isolados e solidários que vêm sendo seguidos pelo país afora correm risco de serem comprometidos pela postura irresponsável adotada pelo presidente em relação ao tema", diz o PSDB, em nota divulgada ontem. Para os tucanos, o Brasil se ressente de falta de liderança. "Mais uma vez, o presidente demonstra não estar à altura do que merece o povo brasileiro."

O partido afirmou que Bolsonaro, com suas atitudes, "deseduca, desorienta e causa ainda mais intranquilidade e insegurança a uma população já atônita com o avanço da doença e com a grave crise econômica que bate à sua porta".