Valor econômico, v.20, n.4971, 31/03/2020. Especial, p. A16

 

Crédito para folha salarial sai em breve, diz secretário

Edna Simão

Mariana Ribeiro 

31/03/2020

 

 

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse ontem que o governo está estudando algumas minutas da medida provisória para viabilizar a criação da linha de crédito emergencial para financiamento da folha de pagamento de pequenas e médias empresas e espera "ter a versão final até no máximo quarta-feira".

A medida foi anunciada na semana passada pelo governo para ajudar as empresas a custearem a folha de pagamento neste momento que sofrem com os efeitos da pandemia do coronavírus na economia. Somente o Tesouro, deve injetar R$ 34 bilhões em dois meses para garantir o financiamento, que terá carência de seis meses e prazo para pagamento de 36 meses. Ele não detalhou como será o aporte.

Mansueto afirmou que cabe ao Tesouro transferir os recursos e "deixar a conta clara". "A operacionalização é do BNDES, e a fiscalização, do Banco Central. Do ponto de vista de transparência, disse, sua preferência é para que o impacto fiscal se concentre neste ano

"O ideal é que depois dos seis meses você apurasse periodicamente o quanto retornou para o BNDES e isso retornasse para o Tesouro. A gente está vendo se é possível desenhar o programa dessa forma, sai como despesa primária, duas tranches de R$ 17 bilhões, e, quanto voltar, o recurso volta como receita primária", disse.

Mansueto explicou que uma possível ampliação do programa depende de decisão política e do ministro da Economia, Paulo Guedes. Mas isso pode não ser necessário, pois há outros programas sendo colocados em prática para ajudar na manutenção do emprego.

Segundo ele, o governo ainda avalia como operacionalizar a ajuda de R$ 600 para os trabalhadores informais, mas usará toda a rede de programa sociais (INSS, Cadastro Único do Ministério da Cidadania e transferência direta na conta do informal). "É um desafio, uma operação de guerra."

Questionado sobre se as medidas emergenciais poderão implicar aumento da carga tributária para cobrir o avanço das despesas, explicou que é preciso verificar como será a recuperação econômica após a crise. "Cada problema na sua hora."

Ele confirmou ainda que a Receita Federal estuda a possibilidade de permitir o adiamento do pagamento de outros tributos federais para um alívio de caixa as empresas, conforme antecipado pelo Valor, lembrando que o governo já anunciou o diferimento da parte da União no Simples Nacional.

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Déficit será de 4,5% do PIB, prevê Tesouro

Mariana Ribeiro 

Edna Simão

31/03/2020

 

 

Com as medidas emergenciais que serão adotadas para conter os efeitos da pandemia do coronavírus na economia, o governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) deve fechar o ano com um déficit primário superior a R$ 350 bilhões (4,5% do PIB), informou ontem o Tesouro. Se confirmado, será o pior resultado anual da história. A meta para este era de um rombo de R$ 124,1 bilhões, mas com a decretação de estado de calamidade pública o governo está livre para descumprir esse resultado.

Caso o rombo nas contas de Estados e municípios fique em R$ 30 bilhões, o déficit do setor público consolidado (governo federal, Estados, municípios e estatais) vai se aproximar de R$ 400 bilhões, o que corresponde a mais de 5% do PIB - ante déficit primário de R$ 61 bilhões (0,9% do PIB) no ano passado.

Em fevereiro, o resultado primário do governo central foi deficitário em R$ 25,857 bilhões, resultado de um déficit de R$ 7,611 bilhões do Tesouro Nacional e de R$ 18,271 bilhões da Previdência Social e um superávit de R$ 25 milhões do Banco Central (BC). Foi o déficit mais alto para o mês em três anos. A receita líquida teve queda real de 7,2% em relação ao mesmo mês de um ano antes. Já as despesas totais cresceram 0,5% na mesma comparação.

Apesar do resultado negativo no mês passado, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, avisou que o pior ainda está por vir. As medidas de combate à crise ainda não impactaram os números de fevereiro. Será entre abril e junho que as ações emergenciais tomadas para minimizar os efeitos da pandemia sobre a economia terão um efeito mais forte sobre as contas públicas. Segundo o secretário, a estimativa de déficit para o ano será reavaliada pela equipe econômica a cada semana. "Vamos ser transparentes."

Mansueto destacou que as medidas de combate à crise, como o auxílio para informais e o reforço ao Bolsa Família, são necessárias. Pontuou, no entanto, que o país precisa ter cuidado para que "despesas temporárias não se tornem permanentes". É necessário separar o déficit "conjuntural" do "estrutural", completou. Segundo o Tesouro, enquanto a expansão da despesa ficar restrita a este ano, não haverá problemas para a retomada do ajuste fiscal.

O secretário admite também que o Produto Interno Bruto pode ficar negativo neste ano, como já projetam alguns economistas. A projeção atual é de estabilidade, em 0,02%. "Vamos passar por um período difícil." Segundo ele, a programação orçamentária para o ano mudará "radicalmente" nos próximos meses. Será preciso também a revisão da insuficiência para cumprimento da "regra de ouro".

O secretário afirmou que decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) que flexibilizou o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LFR) e da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dá tranquilidade para adoção de medidas emergenciais, mas que isso não dispensa a aprovação da PEC do chamado "orçamento de guerra". Segundo ele, com a decisão, as estimativas de impacto de novos gastos ainda serão divulgadas, mas que, no momento, não se pode "passar meses" discutindo a exatidão dos valores. "Temos que ser rápidos."

Ao defender a PEC do "orçamento de guerra", que regulamenta toda a regra fiscal para calamidade pública, ressaltou a importância do bom diálogo com o Congresso para que a medida, que é estrutural, seja aprovada.

Questionado sobre a demanda de prefeitos pelo adiamento do pagamento de precatórios, disse que o tema deve ser tratado no ambiente do Congresso. Já sobre o pedido de alguns Estados para não pagarem obrigações com a União, afirmou que "decisão judicial não se discute", mas que é preciso diálogo entre as partes.

Em relação à LDO de 2021, que deve ser enviada até 15 de abril, disse que as reuniões devem começar apenas no fim desta semana e que, no momento, é "difícil apontar cenários claros" para os anos seguintes.

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Mansueto nega selo keynesiano e cria controvérsia 

Fabio Graner

31/03/2020

 

 

O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse no sábado e repetiu ontem que o governo não está fazendo uma típica política keynesiana. "A forte expansão do gasto público federal neste ano se concentrará em programas de transferência de renda direcionados aos trabalhadores informais e/ou de baixa renda", diz o texto do Tesouro.

A avaliação, contudo, é polêmica e está longe de ser consenso, em especial junto aos economistas de linhas mais afeitas a John Maynard Keynes, que defendem a intervenção do Estado na economia em momentos de crise ou fraco desempenho.

"Expansão de gasto público, não importa se é por transferência de renda ou para investimento, é política keynesiana de expansão de demanda agregada. A equipe econômica faz ginástica intelectual para não admitir que estão fazendo política keynesiana de expansão da demanda agregada", disse ao Valor o professor de economia José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB).

"A crise do coronavírus foi a pá de cal na ortodoxia econômica. Pessoas vão descobrir que se pode aumentar dívida, financiar gasto com emissão de moeda e a economia não cai no abismo fiscal nem na hiperinflação."

Seu colega de UnB, mas de linha econômica oposta, Roberto Ellery, concorda com a tese de Mansueto. "Uma política keynesiana típica tem foco na expansão da demanda agregada, o objetivo do gasto é o que chamam de aquecer a economia. A transferência de renda tem como objetivo ajudar os mais pobres. No contexto, o ponto é permitir que os mais vulneráveis cheguem à outra ponta da crise", afirmou. "Com alguma ironia, posso dizer que, ao contrário de aquecer a economia, o objetivo é manter a economia 'fria', quase em ponto morto, com o menor dano possível a pessoas e empresas."

Para o pesquisador do Ibre/FGV e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Manoel Pires, a atuação do governo neste momento tem, sim, corte keynesiano. "Indiretamente você está usando a política fiscal para compensar a recessão. Esse impacto existe. A política keynesiana não se resume a aumentar investimentos públicos, mas sustentar a demanda. Nesse caso, isso é feito por meio de transferência de renda, que é o que precisa ser feito."

O ex-diretor do BC e chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, avalia que, na prática, a atual política tem corte keynesiano, mas enfatiza que isso é algo temporário e com nuances que consideram as especificidades para esta crise.

"O Paulo [Guedes] agora é keynesiano por algum tempo. Keynes dizia que, na época da crise, podia pedir alguém para furar buracos e outro para tapar. Em suma, tinha de ter dinheiro circulando. Mas, agora, é mais um problema de completar renda, ajudando os mais necessitados em estimular mais gastos", disse Freitas, que brincou de chamar o ministro da Economia, a quem conhece há décadas, de "Paulo Keynes".

Para o presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio Corrêa de Lacerda, as atuais políticas anunciadas pelo governo "são muito tímidas e creio que Keynes jamais as assinaria".

"A questão central é que toda a equipe econômica está num conflito. Sempre pregaram a austeridade como instrumento de retomada da confiança que nos tiraria da crise. Agora que os países mais relevantes têm adotado políticas de forte intervenção do Estado, se veem obrigados a fazê-lo. Embora de forma tímida, tardia e titubeante", disse. "Precisam dar satisfação ao 'mercado' e aos que os apoiam, mas com explicações que não cabem no momento", completou, cobrando um aumento mais intenso e mais célere de gastos públicos não só para saúde, mas também para reforçar renda de cidadãos e empresas.

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Carga tributária do país tem alta em 2019 e é a maior em uma década

Edna Simão 

Mariana Ribeiro

31/03/2020

 

 

A carga tributária brasileira registrou um ligeiro aumento no ano passado e atingiu maior patamar desde 2010.

De acordo com levantamento feito pelo Tesouro Nacional, a carga tributária representou 33,17% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado.

O número é ligeiramente superior ao registrado em 2018, quando a carga tributária total do país ficou em 33,15%.

Pelos dados apresentados pelo Tesouro, a soma de impostos arrecadados pelos governos municipais foi de 2,27% do PIB; a do governo dos Estados, de 8,67% do PIB; e a do governo central, de 22,24% do PIB em 2019.

Na comparação com ano anterior, o governo federal foi o único a apresentar redução na carga tributária. Em 2018, a carga tributária do governo federal foi 22,42% do PIB; enquanto a dos governos municipais ficou em 2,19% do PIB, e a das administrações estaduais, em 8,52% do PIB.

O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, ressaltou que a arrecadação do governo federal teve redução no ano passado. Isso ocorreu porque existem alguns pagamentos que não são computados para os cofres públicos, como é o caso das contribuições para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Assim como em outras ocasiões, o secretário destacou que a carga tributária no país é elevada em relação a economias equivalentes.

"O Brasil tem carga tributária que é relativamente alta para nosso nível de desenvolvimento. Não existe carga tributária certa ou errada", destacou. "Para nosso nível de desenvolvimento, o Brasil tem carga tributária próxima à da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico]", frisou. A média na OCDE é de 34,3% do PIB.

Anualmente, com três meses de defasagem, o Tesouro Nacional estima a Carga Tributária Bruta brasileira (CTB) para o governo geral.

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Dívida bruta pode chegar a 90% do PIB

Ana Conceição

31/03/2020

 

 

O custo de amenizar o impacto econômico da pandemia de coronavírus no Brasil deve aumentar o déficit primário em centenas de bilhões de reais e provocar um salto na dívida bruta do governo neste ano. Para analistas, esse contexto reforça a necessidade de o governo comunicar de forma mais transparente quais serão suas ações de médio e longo prazo para evitar que o país volte a uma trajetória insustentável da dívida.

As projeções apontam que a dívida bruta deve ficar acima de 80% do PIB, com chance de chegar a 90% em 2020. No ano passado, o indicador fechou em 76,8%.

Nas contas preliminares da Tendências Consultoria, o governo deve ter resultado primário negativo de R$ 345,8 bilhões, o equivalente a 4,6% do PIB, em 2020. "Será o maior rombo da história", afirma o economista Fábio Klein. A meta do governo central, de déficit de R$ 124 bilhões, foi abolida devido à crise.

O estimado pela Tendências levaria a dívida bruta a 83% neste ano. Antes da pandemia, a consultoria estimava que a dívida bruta oscilaria em torno de 77% do PIB por dois ou três anos antes de começar a cair.

Após a crise, a arrecadação vai se recuperar de forma gradual da queda de atividade. Nesse cenário, o PIB deve crescer 3,6% em 2021, calcula a Tendências. "Parece um crescimento forte, mas virá depois de um ano muito negativo", diz Klein.

Por isso, afirma, o governo precisa comunicar de forma clara seu plano de ação no curto, médio e longo prazo para evitar piora do risco-país, o que dificultaria o financiamento do Estado. "É importante saber se haverá compromisso com as reformas", diz. Para ele, o governo tem errado muito na comunicação. Mesmo assim, Klein vê "sensatez" no secretário do Tesouro, Mansueto Almeida.

Do déficit primário total de R$ 345,8 bilhões previsto pela Tendências, R$ 193,7 bilhões referem-se a gastos relacionados à epidemia. Outra parte se deve à perda de arrecadação. A Tendências estima queda de 1,4% do PIB neste ano.

No cenário traçado pela Capital Economics, o gasto extra do governo deve elevar a dívida bruta a 90% do PIB neste ano. Nas contas da consultoria, o pacote fiscal do governo equivale até agora a 4% do PIB. Com a contração econômica, a redução da receita do governo deve ficar entre 1,5% e 2% do PIB em 2020. A Capital prevê que haverá gastos adicionais de 1% a 1,5% do PIB, deixando o impacto fiscal total entre 6,5% e 7,5% do PIB e o déficit orçamentário para 13% do PIB. É neste cenário que a dívida bruta sobe a 90% do produto.

Num cenário otimista, em que há retomada da austeridade fiscal e a taxa de juros média da dívida permanece a mesma do ano passado, a dívida subiria a 90% do PIB e poderia chegar a pouco mais de 100% em dez anos. A dívida voltaria a níveis insustentáveis se a taxa média de juros recuasse aos níveis de 2017, ainda que a agenda de austeridade fiscal fosse retomada. Nesse caso, a dívida iria de 90% a 130% do PIB em dez anos.

Para o UBS, o gasto extra deve ficar entre R$ 200 bilhões e R$ 300 bilhões (2,8% a 4,1% do PIB). A queda de receita ficaria entre 0,5% e 1,5% do PIB (R$ 58 bilhões a R$ 98 bilhões). Essas perdas implicariam déficit primário adicional de até 5,8% do PIB.

Já o ASA Bank vê possibilidade de o déficit chegar a R$ 280 bilhões neste ano (3,9% do PIB), o que elevaria a dívida bruta a 82% do PIB. Isso com uma Selic reduzida a 2% ao ano. "Os números mostram uma brutal e rápida piora da dívida bruta em período de tempo muito curto. Assim, é importante reforçar a mensagem de que o importante é o foco em gastos fiscais ou desonerações de impostos de caráter temporário e emergencial, de modo a não colocar em risco a trajetória de recuperação fiscal estrutural em curso", afirmam economistas do banco.