Correio braziliense, n. 20775 , 09/04/2020. Política, p.3

 

Alexandre de Moraes desautoriza Planalto

Jorge Vasconcellos

Luiz Calcagno

Augusto Fernandes

09/04/2020

 

 

Ministro do Supremo Tribunal Federal decide que estados e municípios têm autonomia para definir medidas de isolamento que Bolsonaro ameaça acabar por meio de decreto

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes proibiu o presidente Jair Bolsonaro de adotar medidas revogando decisões de governadores e prefeitos, que determinaram isolamento social, com fechamento de escolas e comércio, no combate à disseminação do coronavírus.

Segundo Moraes, “não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários estudos técnicos científicos”.

A decisão de Moraes é uma resposta parcial a um pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. A OAB acusou Bolsonaro de agravar a crise ao contrariar protocolos de saúde. A entidade pediu medida cautelar para obrigar o presidente da República a agir em conformidade com as determinações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde. O ministro afirmou, no entanto, que o pedido é “incabível”.

Antes da decisão de Moraes, outro ministro do STF, Gilmar Mendes, garantiu que a Corte não aceitará medidas que violem as determinações do Ministério da Saúde e da OMS. “A Constituição não permite que o presidente adote políticas genocidas, que afetem de maneira crucial ou global a vida da população”, ressaltou em live ao UOL. “É preciso pensar muito nesse contexto é e desejável que haja articulação e afinamento dessa orquestra. Ministro da Saúde, Economia, Casa Civil, AGU (Advocacia-Geral da União), são todos necessários neste momento.” O magistrado elogiou a atuação dos governadores de Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal e, também, a disposição do Congresso em combater a crise.

Horas antes da decisão de Moraes, Bolsonaro havia reforçado a sua vontade de que as medidas de isolamento social deveriam ser flexibilizadas para permitir que o setor produtivo do país seguisse funcionando. Em entrevista ao programa Brasil Urgente, da Band, ele disse que apenas idosos deveriam respeitar protocolos de distanciamento como forma de se prevenir contra a Covid-19.

Na conversa, Bolsonaro contou que avaliava se assina ou não um decreto em que classifica como atividade essencial “toda aquela para um homem poder levar para a casa um prato de comida”, o que permitiria o funcionamento de praticamente todos os estabelecimentos comerciais no país. Ele frisou que ainda não tomou a decisão por temer a repercussão negativa que a medida teria no Legislativo e no Judiciário, que poderiam barrar a proposta.

“Quando fiz o anúncio dessa possibilidade, em poucas horas, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que derrubaria. E tive notícias de que o meu decreto sofreria impedimento na Justiça. Estou estudando se assino ou não, porque vou ter um problema enorme”, comentou.

Entidade elogia

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, elogiou o magistrado. “A decisão do ministro Alexandre de Moraes mostra a firmeza do STF na defesa da nossa Constituição, dos princípios da Federação, da independência e harmonia entre os Poderes e, acima de tudo, uma vitória do bom senso na luta contra nosso único inimigo no momento: a pandemia que ameaça a vida de milhares de brasileiras e brasileiros”, destacou.

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Presidente tenta se aproximar do Congresso

Jorge Vasconcellos

Luiz Calcagno

09/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro telefonou, ontem, para líderes de partidos de centro para tratar da crise do novo coronavírus. Um dos assuntos discutidos, conforme o Correio apurou, foi o projeto que cria uma linha de crédito para micro e pequenas empresas durante a pandemia, aprovado pelo Senado na terça-feira. A iniciativa do chefe do Executivo de buscar o diálogo com parlamentares foi elogiada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem sido um dos críticos mais ferrenhos da atuação do governo no enfrentamento da Covid-19.

“Se é possível melhorar o diálogo do governo com o parlamento, só o governo pode responder. O parlamento tem feito sua parte, independentemente de diálogo. O importante é votar as matérias. Mas conversar é sempre positivo”, frisou. “Um ambiente de menos ódio e mais paz sempre ajuda na sinalização à sociedade em ambiente de crise. É muito positiva a atitude do presidente. Deve estar vendo que, por meio do diálogo, se constrói muita coisa. Mandetta é um exemplo disso”, afirmou, aproveitando para elogiar a postura do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que se transformou no mais novo desafeto do presidente da República e deve deixar o governo após a pandemia.

O líder do PL no Senado, Jorginho Mello (SC), autor do projeto aprovado na terça-feira, foi um dos que conversaram com Bolsonaro. A proposta do parlamentar cria o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que prevê a destinação de R$ 10,9 bilhões do Tesouro Nacional para financiar os pequenos negócios. O prazo para o pagamento é de 36 meses, com juros de 3,75% ao ano e carência de seis meses. A condição para concessão do crédito é a manutenção do emprego. Bolsonaro também conversou com o líder do PL na Câmara, deputado Wellington Roberto (PB), e com o vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP).

Na última sexta-feira, Bolsonaro assinou a medida provisória que concede crédito para financiar o pagamento da folha salarial de pequenas e médias empresas. A proposta do governo destina R$ 35 bilhões para financiamentos. Já o projeto aprovado pelo Senado garante, para micro e pequenas empresas, financiamento e uso dos recursos para ações que vão além dos salários, como capital de giro e benefícios a cooperativas de crédito.

Compromisso

Maia disse que pretende votar, ainda nesta semana, a proposta do Senado. Ele anunciou que a Câmara deverá votar o projeto que amplia o número de beneficiários da ajuda emergencial para informais, e defendeu a importância da MP 905, do contrato de trabalho verde e amarelo.

Sobre a MP, o parlamentar pregou o diálogo com os líderes dos partidos de oposição e afirmou que é possível construir um texto mais consensual. “Sempre fui contra fazer outras mudanças de lei trabalho por medida provisória. A 905 não foi editada na calamidade, mas tem outras que sim. Se tiver compreensão dos líderes, isso nos dá condições para votar hoje ou amanhã. É importante construir acordo. Mesmo que uma parte fique fora e venha em outra MP”, ponderou. 

Frase

“Se é possível melhorar o diálogo do governo com o parlamento, só o governo pode responder (…), mas conversar sempre é positivo”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara