Correio braziliense, n. 20773 , 07/04/2020. Política, p.2/3

 

Duro de demitir

Renato Souza

Bruna Lima

Maria Eduarda Cardim

07/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Alvo de picuinhas de Bolsonaro e da ambição de Osmar Terra, Mandetta tem dia turbulento, com ameaça de exoneração, mas se segura no cargo com o apoio popular, de militares e nos Três Poderes. O ministro da Saúde diz que pasta é a "voz da ciência"

Na linha de frente do hercúleo combate à doença que impacta não só o Brasil como o restante do mundo, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ainda tem de encarar a turbulência de que é alvo, imposta pelo presidente Jair Bolsonaro. Ontem, ele passou por mais um dia de grande desgaste, com rumores de que seria demitido, mas avisou, em entrevista coletiva à noite, que permanecerá no cargo. Mandetta pediu paz para trabalhar. “Infelizmente, começamos com mais um solavanco a semana de trabalho e a gente precisa ter paz”, enfatizou.

Os rumores de que Mandetta seria demitido ocorreram após Bolsonaro receber para um almoço no Palácio do Planalto o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania. Ao longo do dia, a informação sobre a saída do titular da pasta da Saúde, que tem arrancado elogios nos Três Poderes por sua atuação contra o coronavírus, agitou o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fizeram chegar até o chefe do Executivo que não aceitariam a demissão de Mandetta.

Ministros do Supremo também manifestaram contrariedade à eventual exoneração. Ao fim da tarde, dezenas de técnicos do Ministério da Saúde foram para a frente da sede do órgão destacar que não ficariam em seus cargos se ocorresse a troca de chefe. O assunto também movimentou as redes sociais. No Twitter, em que Bolsonaro e seus apoiadores alegam ter grande influência, as mensagens relacionadas à eventual demissão do ministro bateram a marca de 300 mil em cerca de três horas. O assunto chegou a ficar entre os mais debatidos do mundo.

“Nós vamos continuar, pois continuando, vamos enfrentar nosso inimigo. Médico não abandona paciente, e eu não vou abandonar”, afirmou Mandetta, na coletiva, tranquilizando, inclusive, os técnicos da pasta. De acordo com o ministro, ao longo do dia, servidores do órgão limparam as gavetas, aguardando a saída dele. “Teve gente que limpou as gavetas, inclusive, me ajudou a limpar as minhas.”

Mandetta reafirmou o caráter técnico das decisões que toma, elogiou a equipe, formada por muitos médicos, e disse que o foco do trabalho é obter equipamentos hospitalares e respiradores para combater o avanço da doença no país. Ele agradeceu o apoio dos servidores, que foram para a frente do prédio aguardar uma decisão sobre sua saída ou não. “Aqui nós entramos juntos, nós estamos juntos e, quando eu deixar o ministério, vamos colaborar com qualquer equipe que venha, mas vamos sair juntos”, completou.

Ciência

O ministro fez questão de deixar claro que todas as estratégias do órgão serão determinadas com base na ciência, e não em critérios políticos ou ideológicos. “Somos aqui a voz da ciência. Nós procuramos a sociedade e o Conselho Federal de Medicina para adotar drogas (no tratamento)”, disse. “Abrimos o Ministério da Saúde para todos os demais ministérios. Trabalhamos o tempo todo com base nos números, discussões e tomadas de decisões. Não temos nenhum medo da crítica. Gostamos da crítica construtiva. O que temos dificuldade é quando, em determinadas situações, as críticas não vêm para construir, mas para colocar dificuldades ao nosso trabalho”, emendou, em uma indireta para apoiadores do governo.

Ele aproveitou para dizer que a tomada de decisões não será feita sem a avaliação técnica necessária. “Levaram-me para uma sala com dois médicos que queriam um protocolo de hidroxicloroquina por decreto, e eu disse que é super bem-vindo, com os debates entre os pares: o Conselho Federal de Medicina e o Ministério da Saúde. Primeiro, precisa saber se é bom, se há indícios. Vamos fazer pela ciência, planejamento, sem perder o foco.”

O ministro afirmou, ainda, que passou o fim de semana lendo a Alegoria da Caverna, de Platão. O texto faz referência à visão limitada da realidade, que gera apenas uma noção parcial do verdadeiro cenário sobre o funcionamento da sociedade.

As cavadas de Terra

Enquanto é fritado por Bolsonaro, Mandetta também é alvo de Osmar Terra, cotado para assumir a Saúde. Nas últimas semanas, o ex-ministro da Cidadania vem se aproximando de integrantes do governo e fazendo declarações públicas que deixam claro seu alinhamento com o Executivo. Ele é a favor do relaxamento do isolamento social, como prega o presidente, e do uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. O chefe do Planalto defendeu, mais de uma vez, o medicamento, ministrado contra artrite e lúpus, mas que ainda está sendo testado no combate ao coronavírus.

Também médico, como Mandetta, Terra, inclusive, reuniu-se com Bolsonaro para tratar do uso da cloroquina. Ele disse não ter conversado com o presidente sobre uma eventual indicação para assumir o Ministério da Saúde.

O presidente também se encontrou com o vice-presidente Hamilton Mourão e com outros integrantes do Executivo, antes de tomar a decisão de seguir com Mandetta no ministério. Ao sair do Planalto, não quis comentar o assunto e apenas cumprimentou apoiadores.

Ameaças

Na semana passada, depois de dias negando a existência de uma crise entre os dois, Bolsonaro disse que faltava “humildade” a Mandetta e que nenhum ministro é “indemissível’. “Em alguns momentos, ele teria que ouvir um pouco mais o presidente da República”, reclamou. No domingo, o chefe do Executivo disse não ter medo de “usar a caneta”. Segundo o comandante do Planalto, “algo subiu à cabeça” de alguns integrantes do governo. “Eram pessoas normais, mas, de repente, viraram estrelas. Falam pelos cotovelos, têm provocações. Mas a hora deles não chegou ainda, não, mas vai chegar a hora deles. A minha caneta funciona. Não tenho medo de usar a caneta”, afirmou.

Frase

"Temos dificuldade quando, em determinadas situações, por determinadas impressões, críticas não vêm para construir, mas para trazer dificuldade no ambiente de trabalho”

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde

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Médica estuda convite

07/04/2020

 

 

Após almoço com o presidente Jair Bolsonaro, a médica imunologista Nise Yamaguchi confirmou, por meio da assessoria, que foi convidada para integrar o gabinete de crise do Planalto criado para monitorar o avanço do novo coronavírus no Brasil. Ela disse que ainda avalia se vai aceitar a função.

Nise defende o chamado isolamento vertical, focado apenas no grupo de risco (idosos e doentes crônicos), e tem pesquisas relacionadas ao uso da cloroquina no combate ao novo coronavírus. As duas pautas são tidas como prioritárias pelo presidente Jair Bolsonaro, além de serem motivo de desgaste entre ele e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Nise tem o apoio da ala ideológica do governo, comandada pelo vereador Carlos Bolsonaro, para substituir Mandetta. Ela negou ter sido sondada para o cargo durante encontro ontem.

A reunião entre Nise e Bolsonaro ocorreu na presença de ministros palacianos e do ex-ministro Osmar Terra, que apoia o discurso contrário ao distanciamento social. Esse foi o segundo encontro que o presidente promove para discutir questões de saúde sem a presença de Mandetta. Na semana passada, ele reuniu um grupo de médicos para discutir a utilização da cloroquina sem informar ao ministro da Saúde.

Legislativos

O avanço do coronavírus no país deflagrou um movimento pela redução salarial de autoridades públicas como prefeitos, secretários, vereadores e deputados. Em São Paulo, ainda que haja resistência, a ideia se converteu em projetos no Legislativo estadual e em câmaras municipais.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o partido Novo apresentou quatro propostas de redução salarial escalonada não só para deputados e comissionados, mas também para servidores concursados. Para o líder do Novo na Casa, Daniel José, a redução de salário tem efeito mais moral do que fiscal. “O setor público nunca dividiu a conta de uma crise com o setor privado”, disse.

A deputada Janaina Paschoal (PSL) apresentou um projeto que prevê a transferência de recursos de verba de gabinete e de parte do salário dos deputados ao Tesouro estadual para o combate à Covid-19. Ela defende que o salário dos deputados seja reduzido em 59% durante período de calamidade e que sejam suspensas as gratificações especiais da Casa. “O exemplo poderá, em alguma medida, incentivar o Poder Judiciário a também desvincular seu elevado fundo para o combate aos efeitos da pandemia”, justificou.

Presidente da Alesp, Cauê Macris (PSDB) já declarou que a Casa não utilizaria os recursos economizados de bancadas que, a exemplo do que faz a do Novo, abram mão dos recursos das verbas de gabinete. Dessa forma, os recursos podem ser utilizados para um fundo de combate ao vírus.

A proposta de redução salarial tem apoio da oposição. “Na hora do aperto, os deputados têm que colaborar”, disse o deputado Emídio Souza (PT). Há resistência, no entanto, de deputados que dizem ter o salário contado para o sustento da família, segundo a líder do PSDB na Alesp, Carla Morando. “Eu, que doei meu salário, defendo que o poder público tem que aceitar uma redução para combater o coronavírus.”

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China indignada com ministro

07/04/2020

 

 

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, negou que tenha cometido xenofobia contra o povo chinês após a embaixada do país asiático repudiar declarações dele por uma postagem nas redes sociais. Ontem, em entrevista à Rádio Bandeirantes, ele também aproveitou para atacar o governo chinês, afirmando que o país teria retido informações sobre a pandemia do novo coronavírus para, agora, vender respiradores e equipamentos de proteção individual, como máscaras, a preço de leilão. Weintraub condicionou um pedido de desculpas à venda de mil respiradores da China para o Brasil.

“O governo da república chinesa, onde começou o coronavírus, poderia ter alertado o mundo inteiro que ia faltar respirador, que nós teríamos três meses para fazer respirador. Isso não foi feito. Agora, que estamos desesperados correndo atrás de respirador, o que é que acontece? Aparecem 60 mil respiradores na China, e eles estão leiloando”, criticou. ‘Aparece um monte de equipamento de proteção, de máscara, e eles estão leiloando. Então, assim, teve tempo de eles se prepararem para vender para o mundo, pelo preço mais alto, respirador e máscara.”

Weintraub também justificou o seu envolvimento em uma questão sobre equipamentos hospitalares. Ele lembrou que o MEC é responsável por todos os hospitais universitários do Brasil e disse precisar de mil respiradores que estão em falta. “Dado que a embaixada chinesa ficou tão ofendida, e eu sei como é a negociação dos chineses, esse processo cultural: ‘Estou extremamente ofendido, venha pedir desculpas de joelhos aqui’. (...) Eu vou fazer o seguinte, meu acordo: eu vou lá, eu peço desculpas, peço ‘por favor, me perdoem pela minha imbecilidade’. A única coisa que eu peço é que, dos 60 mil respiradores que estão disponíveis, eles vendam mil para o MEC, para salvar vida de brasileiros, pelo preço de custo. Manda a embaixada colocar aqui nos meus hospitais, e eu vou lá à embaixada e falo: ‘Eu sou um idiota, me desculpem’”, declarou.

Quanto à postagem, especificamente, Weintraub negou que tenha cunho preconceituoso e disse não ser racista. O ministro pontuou que, academicamente e durante sua vida profissional, esteve na China várias vezes, mantendo sempre uma boa relação. “Não acho que foi um post tão pesado. Não xinguei nenhum chinês. Tenho um monte de amigos chineses e conheço a cultura chinesa”, afirmou. “Falar que eu sou racista é uma acusação que, se fosse um brasileiro, ia ter de provar na Justiça, exatamente como alguns chamaram e vão ter de provar, porque é uma acusação grave.”

Desprezíveis

No sábado, Weintraub usou uma imagem de Cebolinha, da Turma da Mônica, criada por Maurício de Sousa, na Muralha da China. Substituindo o “r” pelo “l”, ele fez referência ao modo de falar do personagem, para insinuar que se tratava dos chineses. “Geopoliticamente, quem podeLá saiL foLtalecido, em teLmos Lelativos, dessa cLise mundial? PodeLia seL o Cebolinha? Quem são os aliados no BLasil do plano infalível do Cebolinha paLa dominaL o mundo? SeLia o Cascão ou há mais amiguinhos?”, escreveu o ministro.

A Embaixada da China no Brasil se manifestou, na madrugada de ontem, contra a publicação. “Deliberadamente elaboradas, tais declarações são completamente absurdas e desprezíveis, que têm cunho fortemente racista e objetivos indizíveis, tendo causado influências negativas no desenvolvimento saudável das relações bilaterais China-Brasil”, diz a nota divulgada no Twitter da embaixada. O comunicado afirma, ainda, que “o lado chinês manifesta forte indignação e repúdio a esse tipo de atitude”.

Crise diplomática

Há duas semanas, o governo entrou em crise diplomática com a China, depois de o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicar um tuíte em que acusou os chineses de terem escondido informações sobre o início da pandemia. “A culpa é da China, e liberdade seria a solução”, escreveu o deputado. Dias depois, por causa da crise, o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da China, Xi Jinping, conversaram por telefone. O brasileiro disse que o contato reafirmou os “laços de amizade” entre os países e tratou de ações sobre o coronavírus e ampliação do comércio.