O Estado de São Paulo, n.46179, 24/03/2020. Metrópole, p.A8

 

País tem 1.891 casos e 34 mortes, mas estudo indica número até 9 vezes maior

Roberta Jansen

24/03/2020

 

 

Estimativa é do Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da London School of Tropical Medicine, do Reino Unido, que analisou a subnotificação em vários países; para especialistas, reduzir a subnotificação seria uma das formas de conter a doença

O Brasil teria hoje mais de 17 mil casos do novo coronavírus – 9 vezes mais do que os 1.891 registrados oficialmente. O número de mortes poderia passar de 300, hoje oficialmente são 34. A estimativa é do Centro para Modelagem Matemática de Doenças Infecciosas da London School of Tropical Medicine, do Reino Unido, que fez uma análise da subnotificação da covid-19 em vários países. O levantamento mostra que no Brasil apenas 11% do total de casos foram diagnosticados.

“Estamos vendo a ponta de um grande iceberg”, afirmou o epidemiologista Roberto Medronho, da Universidade Federal do Rio, que não participou do estudo, mas analisou os dados

a pedido do Estado. “As minhas estimativas eram bem similares, cerca de 10%, mas isso não é, necessariamente, uma falha do sistema.” Isso acontece, segundo especialistas, porque a maioria (cerca de 80%) dos casos da infecção pelo novo coronavírus é assintomática ou apresenta sintomas muito leves e acaba não sendo diagnosticada.

Atualmente, apenas os casos mais graves, que chegam aos hospitais e são testados, recebem o diagnóstico oficial.

“Dentre os casos que apresentam sintomas, apenas uma parte procura o sistema de saúde”, explicou Medronho. “Desses que vão ao hospital, apenas parte é diagnosticada com a covid19 e outra parte pode receber um diagnóstico errado. E ainda tem casos não notificados.”

O mesmo estudo mostra que na Itália, que enfrenta uma das piores epidemias, o porcentual de casos diagnosticados corresponderia a apenas 4,6% do total real. Número parecido com o da Espanha, 5,3%. França e Bélgica têm porcentuais similares aos do Brasil, respectivamente 9,2% e 12%. Por outro lado, nos países que tiveram resultados melhores na contenção da epidemia, como a Coreia do Sul e a Alemanha, os porcentuais de casos diagnosticados seriam bem mais próximos do número real, respectivamente 88% e 75%.

Isso ocorre porque esses países tiveram condições de testar grande parte da população – mesmo a que não apresentava sintomas –, isolando imediatamente todos aqueles cujo teste deu positivo. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) insiste que a testagem em massa é fundamental. O problema é que não há testes disponíveis na escala que seria necessário para o Brasil, com 210 milhões de habitantes. “Esse levantamento mostra que a estratégia de testagem em massa e isolamento daqueles que testam positivo tem um grande impacto na redução da curva de crescimento da doença”, explicou Medronho. “A redução da subnotificação é importante e é crucial que o ministério esteja se adequando a essa diretriz, e aumentando a testagem.”

Embora o estudo tenha sido feito por uma das mais respeitadas instituições científicas do mundo, ele não foi ainda publicado em uma revista científica, o que significa que não foi revisado por outros especialistas. Esse procedimento é aceitável em um momento de pandemia, em que a rapidez na divulgação de informações como essa pode ser importante para elaborar e aprimorar políticas públicas.

Balanço. De acordo com o Ministério da Saúde, subiu para 1.891 o número de casos confirmados da covid-19 e 34 mortes foram confirmadas, sendo 30 no Estado de São Paulo e4 no Rio de Janeiro.

Atualmente, todos os Estados registram casos da doença, mas nem todas as regiões apresentam o mesmo nível de transmissão. A Norte tem 3,1% do total de casos; a Sudeste apresenta o maior porcentual – 60%. Ontem, foi relatada a primeira morte na cidade do Rio. Os outros três óbitos foram registrados em Miguel Pereira, Niterói e Petrópolis.