Correio braziliense, n. 20777 , 11/04/2020. Política, p.2

 

Brasil passa de mil mortos, e presidente passeia

Renato Souza

11/04/2020

 

 

No dia em que o país contabiliza 1.057 óbitos pela Covid-19, Bolsonaro ignora, mais uma vez, a medida de isolamento social e vai a hospital, farmácia e prédio residencial no Sudoeste. Chefe do Executivo diz que "ninguém vai tolher" o direito dele de ir e vir  

Pela quarta vez, o presidente Jair Bolsonaro circulou por ruas de Brasília, contrariando o que orientam autoridades de saúde, para que as pessoas permaneçam em casa como medida contra a disseminação do novo coronavírus. Desta vez, o chefe do Executivo foi ao Hospital das Forças Armadas (HFA). Questionado sobre o motivo da visita, ironizou por duas vezes: “Fui tomar um sorvete”, disse. E, depois: “Fazer exame de gravidez”. De acordo com o Palácio do Planalto, ele se encontrou com a equipe técnica.

Após sair do HFA, Bolsonaro seguiu para uma drogaria, no Sudoeste, onde provocou aglomeração de simpatizantes e de jornalistas. “Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”, afirmou. Também no Sudoeste, ele visitou o filho mais novo, Jair Renan, que completou 23 anos. Antes de entrar no carro para ir embora, limpou o nariz e, em seguida, cumprimentou três  pessoas com aperto de mão, uma delas, idosa. A cena foi filmada por moradores e circulou nas redes sociais.

Ao contrário dos passeios anteriores em plena pandemia, o comandante do Planalto foi alvo de muitos protestos. Moradores bateram panelas da janela dos prédios e o hostilizaram. Houve manifestações favoráveis também, com eleitores se aglomerando para tirar fotos com o chefe do Executivo.

Nenhum dos compromissos estava previsto na agenda, e o passeio ocorreu no mesmo dia em que o número de mortos no país passou de 1 mil (leia reportagem na página 4). O Distrito Federal adota medidas de isolamento social, com o fechamento de boa parte do comércio, igrejas, suspensão de serviços públicos e de eventos.

Bolsonaro tem ignorado o distanciamento social pregado pela Organização Mundial da Saúde e pelo próprio Ministério da Saúde, porque considera a medida prejudicial à economia. Ele já saiu do Planalto para cumprimentar manifestantes pró-governo, visitou comércios de Taguatinga e Ceilândia e foi a uma padaria na Asa Norte (veja quadro). O chefe do Executivo responsabiliza seguidamente os governadores por decretaram fechamento de lojas.

Barroso

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso defendeu, de forma veemente, a política de isolamento social como forma de combater a epidemia de coronavírus. “O instrumento eficaz é o isolamento. As evidências empíricas mostram que essa é a ferramenta para enfrentar o problema”, afirmou, em entrevista à Rádio BandNews, ontem.

Ele lembrou que muitos países do primeiro mundo, como Espanha, Estados Unidos e Itália, não adotaram a medida num primeiro momento e agora enfrentam índices de letalidade “devastadores”. “Parece que depois de duas ou três semanas de isolamento rigoroso, consegue-se o achatamento da curva de contágio”, enfatizou, conclamando à população que preste atenção “ao que dizem os especialistas, não os políticos”. “É ruim misturar saúde pública com varejo político”, emendou o ministro, para quem o surgimento da doença resgatou os valores iluministas da ciência e da razão.

Barroso disse entender o lado de quem precisa trabalhar, “não estão vivendo uma situação banal”, e destacou que o governo está promovendo ações para quem não pode fazer home office. “Mas se o trabalhador sair, pegar a doença e morrer, a situação da família vai ser ruim para a eternidade, ou mesmo se trouxer o vírus para casa e contaminar a família, carregará para sempre a culpa e a angústia”, comentou.

O magistrado disse estar trabalhando em casa, fazendo videoconferências, não só para se proteger, mas também para segurança dos outros. “Temos de ter cuidado e preocupação com as pessoas (economicamente), mas temos de preservar a vida acima de tudo”, ressaltou. (Com Agência Estado)

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Mandetta, o "general quatro estrelas"

11/04/2020

 

 

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acredita na permanência do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apesar das divergências dele com o presidente Jair Bolsonaro. “Bolsonaro é um cara que gosta de fazer frases e mandar recados, mas foi ele quem nomeou o Mandetta e conhecia as suas qualidades. Ele disse que, na guerra, de forma nenhuma, ia mandar embora o ministro. Fico com essa frase para crer na manutenção do Mandetta”, frisou o deputado, em entrevista à Rádio Bandeirantes.

Segundo Maia, como Bolsonaro veio das Forças Armadas, ele sabe que “no meio da guerra, mudar o general quatro estrelas não é o melhor momento”, porque teria de mudar toda a estrutura e isso levaria entre dois e três meses. Maia disse ver sinais de melhora no relacionamento entre os dois, e espera que os problemas sejam resolvidos em outro momento, priorizando a solução para a crise do coronavírus.

Ao ser questionado sobre Paulo Guedes, Maia destacou que o ministro da Economia é “um quadro de grande qualidade”, mas que ficou muito tempo no Rio, afastado de Brasília e que, por isso, teve um pouco de dificuldade no começo.

O deputado ressaltou que Guedes está cercado por um excelente corpo técnico, destacando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. “Guedes tem muita experiência e, mesmo com os conflitos que a gente tem, de vez em quando, temos de resolver algumas questões. Hoje, temos de resolver a questão dos estados e municípios. Nós temos um número, eles discordam e têm outro. Mas o grande debate não é quem ganha o texto, e, sim, como resolver o problema”, emendou, em referência à queda da arrecadação de entes federativos.

Na quinta-feira, Maia acusou Guedes de divulgar “informação falsa” sobre o impacto fiscal do projeto de socorro emergencial a estados e municípios. O deputado calcula R$ 95 bilhões, e o ministro fala em R$ 180 bilhões. A proposta, que deve ser votada na Casa na semana que vem, permite que governadores façam novos empréstimos em até 8% da Receita Corrente Líquida, além de suspender o pagamento de dívidas e garantir por três meses a arrecadação de ICMS e ISS, compensando as perdas.

Na ocasião, Maia reforçou a necessidade de compensar os municípios na arrecadação do ISS, sobre os serviços, para garantir recursos a grandes cidades com capacidade para internar pacientes da covid-19. “Não queremos impor uma posição. O que também não aceitamos é que o governo queira impor com informações falsas a sua posição. Com números verdadeiros, topamos discutir.”

Também na quinta-feira, em videoconferência com senadores, Guedes fez um apelo ao Senado para que barre o projeto. De acordo com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ministro foi incisivo. “Ele disse: ‘Se aprovarem isso na Câmara, vou pedir para vocês salvarem a República. Vou pedir aos meus amigos do Senado para que salvem a República’”, relatou a parlamentar, segundo o portal UOL.

Frase

"No meio da guerra, mudar o general quatro estrelas não é o melhor momento”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara