Valor econômico, v.20, n.4965, 23/03/2020. Brasil, p. A6

 

Crise amplifica formas alternativas de trabalho

Bruno Villas Bôas

23/03/2020

 

 

A expectativa de um longo período de confinamento provocado pelo novo coronavírus vai acelerar mudanças estruturais no mercado de trabalho, como a adoção mais frequente de home office pelas empresas e a automação de funções consideradas repetitivas, como atendentes e caixas, avaliam economistas ouvidos pelo Valor.

São mudanças que já estavam em curso no país e no mundo e que vêm acompanhadas de novos desafios, como a qualificação de trabalhadores. Especialistas temem também pela menor oferta de postos de trabalho, além de uma crescente precarização das relações trabalhistas.

Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, explica que o home office era uma das principais mudanças em andamento no mercado de trabalho antes do coronavírus ter imposto a quarentena a milhões de pessoas. É uma transformação que vem ocorrendo de forma lenta, e não apenas porque envolve uma mudança cultural nas empresas.

"O home office pode ajudar as empresas a reduzir seus custos fixos, como espaço de escritório. Mas exige maior inserção de tecnologia na rotina dos funcionário e depende da capacidade de adaptação do funcionário. É preciso saber usar plataformas digitais de trabalho em equipe. Certas áreas operacionais, de fábrica, nem sequer conseguem aderir", diz Donato.

O estímulo ao trabalho não presencial pode ser positivo em uma série de circunstâncias, como na telemedicina, que vem crescendo em diferentes países, mas ainda é proibida no Brasil, diz Rogério Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole da USP. Por outro lado, ele acredita que, em algumas circunstâncias, pode ser um fator redutor de empregos.

"Um professor ministra aula presencial para 50 alunos. Um professor virtual pode ter milhares, milhões de pessoas numa sala de aula on-line. Isso significa que menos pessoas são necessárias para realizar a mesma quantidade de trabalho. É produtivo, mas, se não houver empregos alternativos, mesmo os qualificados podem sofrer com o desemprego", diz Barbosa.

O confinamento imposto pelo combate ao novo coronavírus também estimula automação. Empresas que robotizaram serviços de atendimentos - caixas, pedágios e linhas de produção - tendem a ser menos afetadas pela ausência de funcionários. Para especialistas, essa constatação pode incentivar planos de empresas no futuro.

"É claro que a automação exige planejamento e investimento. Isso não vai ser feito a toque de caixa durante a crise. Mas, após ela, as empresas podem ser incentivadas a isso. A questão que fica é como elas vão sair da crise, com dinheiro? Isso vai depender", afirma Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados.

Levantamento da consultoria mostra que mais da metade dos empregos formais e informais no Brasil (58,1% do total) pode ser substituída por máquinas nos próximos dez a 20 anos, o equivalente a 52,1 milhões de postos de trabalho. Esse é o percentual dos empregos classificados na faixa de "risco alto" (maior do que 70%) de serem automatizados.

Especialistas apontam que as mudanças estruturais impactam especialmente a parcela mais pobre da população. É ela, inclusive, a que mais deve sofrer em uma crise do mercado de trabalho nos próximos meses. Alocados em postos informais, sem proteção trabalhista, esses trabalhadores dependem da renda gerada pela oferta de bens e serviços nas ruas.

Para Naércio Menezes Filho, professor da cátedra Ruth Cardoso do Insper, a paralisação generalizada da economia durante a pandemia do novo coronavírus pode provocar a elevação da taxa de desemprego nacional dos atuais 11% para níveis recordes de 25%, superando o pior momento da recessão recente enfrentada pelo país.

"O mercado de trabalho informal vinha evitando que a taxa de desemprego aumentasse, mas, sem ninguém saindo nas ruas, essa válvula de escape se perde. O empregado formal também vai ser afetado", diz o pesquisador, que acredita em melhora superado o pior momento do contágio. "Com as pessoas voltando para as ruas, o informal se recupera."

Menezes Filho concorda que o mercado de trabalho precisa passar por transformações, como a redução do sincronismo de horários sugerido pelo economista Ricardo Paes de Barros em entrevista publicada na sexta-feira pelo Valor. "Deveria se produzir mais flexibilidades em horários de trabalhos, mudar a cultura de sincronismo", diz o economista.