O globo, n. 31648, 31/03/2020. Opinião, p. 2

 

Recuo de Trump fragiliza Bolsonaro na epidemia

31/03/2020

 

 

O passeio que o presidente Bolsonaro deu no domingo por Brasília e arredores foi do ponto de vista político a repetição do discurso que fez em rede nacional contra a estratégia seguida por seu Ministério da Saúde de conter a epidemia da Covid-19 por um isolamento social mais amplo. Conforme indicação da OMS, confirmada pela experiência da China no enfrentamento do coronavírus e pelos desdobramentos da pandemia principalmente na Itália, Espanha e agora nos Estados Unidos.

O presidente mais uma vez descumpriu normas de precaução estabelecidas pelo seu ministro Luiz Henrique Mandetta e equipe, cumprimentando pessoas na rua, o que facilita a transmissão do vírus.Bol sonar o voltou afalar dap reocupação com o desemprego causado pelo isolamento, deixando em segundo plano o risco absoluto de contaminação em grandes proporções, causa de uma inevitável elevação em escala geométrica no número de infectados e de mortos, causando um choque, este sim, incontrolável na economia.

Foi o mesmo descuido com o isolamento, à exceção dos quadros em atividades vitais —saúde, segurança, transportes, por exemplo—,que levou Itália e Espanha a ultrapassarem na semana passada a marcados 3. 300 mortos atingidos na China, país com população bastante maior. Na rota do Oriente para o Ocidente, o Sars-CoV-2, nome deste novo coronavírus, entrou nos Estados Unidos de forma arrasadora, concentrando-se nos últimos dias no estado de Nova York, castigando com dureza sua principal cidade. O registro de caminhões frigoríficos para guardar cadáveres e da construção de um hospital de campanha nos gramados do Central Park mostra a gravidade da crise de saúde pública.

Até o presidente Trump, em campanha para a reeleição, e que resistia a ampliar o isolamento, previsto para acabar no dia de Páscoa, 12 de abril, reviu a posição, estendendo a quarentena até o final de abril. O presidente anunciou a medida no domingo, quando foi atingida a marca de 2.300 mortes. Como Trump, o presidente do México, López Obrador, também um populista, recuou.

Bolsonaro ficou sozinho. Não poderá dizer mais que Trump segue a linha dele. O presidente americano, ao contrário do colega brasileiro, demonstrou que ouve quem entende do assunto. Foi decisivo para Trump recuar mais um alerta que lhe fez —este ele levou a sério, ao contrário de outros — Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas: poderão morrer até 200 mil americanos. Antes, Boris Johnson, primeiroministro britânico, também descrente do perigo, recuou ao ouvir algo semelhante dos especialistas do Imperial College de Londres. Ele mesmo é vítima do coronavírus.

Bolsonaro, por sua vez, age sob o comando de redes de grupos de radicais, a começar pelos filhos, gente há tempos desconectada da realidade e que vive numa bolha de paranoia. Em uma situação grave como a atual, voltaram os rumores de demissão do ministro da Saúde, por insistir que o ministério está do lado da “Ciência e do planejamento”, como repetiu ontem na entrevista coletiva diária de sua equipe. Desta vez, com a presença, entre outros, do chefe da Casa Civil, Braga Netto, que chefia o comitê de coordenação do combate à epidemia.