O globo, n. 31648, 31/03/2020. Economia, p. 17

 

Informais

Amanda Almeida

Isabela Macedo

Geralda Doca

31/03/2020

 

 

Quatro dias depois de a Câmara ter aprovado o projeto que concede R$ 600 mensais aos trabalhadores informais durante o período da pandemia do coronavírus, o Senado aprovou ontem o texto. O projeto inclui, de forma mais clara, os trabalhadores intermitentes na medida — aqueles que prestam serviço por horas, dias ou meses para mais de um empregador — e tornou automática a migração dos beneficiários do Bolsa Família para o novo auxílio emergencial, nas situações em que for mais vantajoso. Os senadores preparam ainda um novo texto ampliando a concessão do “coronavoucher”, incluindo mais categorias como beneficiários, como motoristas de táxi e pescadores artesanais. A ideia é que ele seja votado ainda hoje.

A votação ocorreu por sessão remota, e a aprovação foi por unanimidade, com 79 votos a favor. Aprovada com alterações consideradas de “redação”, a proposta não voltará à Câmara, seguindo agora para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. Para garantir que o projeto seja logo efetivado, assim que a votação terminou o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEMAP), pediu nas redes sociais celeridade a Bolsonaro. Diagnosticado com coronavírus, Alcolumbre não participou da sessão.

“Em nome dos brasileiros que passam dificuldades financeiras neste momento de pandemia da Covid-19, solicito ao presidente da República @jairbolsonaro a sanção imediata do projeto de lei,que garante auxílio de R$ 600 aos trabalhadores autônomos, aprovado há pouco pelo @SenadoFederal”, escreveu Alcolumbre.

Também pelas redes sociais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrou rapidez:

“Nossa preocupação agora é com a logística: fazer chegar às mãos dos beneficiários esses recursos. Estaremos vigilantes para que isso ocorra com a brevidade necessária. Os mais necessitados têm pressa.”

Meia hora depois da votação, o presidente em exercício do Senado, Antonio Anastasia (PSD-MG), avisou aos senadores que já havia assinado a redação final do projeto aprovado e o encaminhado ao Palácio do Planalto.

INCLUSÃO DE INTERMITENTES

Os senadores gostariam de fazer alterações no texto, mas preferiram abrir mão disso para evitar que o projeto tivesse de passar por nova votação na Câmara. Assim, o relator da proposta, Alessandro Vieira (Cidadania-SE), fez apenas mudanças consideradas como “ajustes redacionais”, como a inclusão dos intermitentes. Segundo ele, as modificações foram feitas para evitar “interpretações prejudiciais às famílias beneficiárias”.

— Os trabalhadores em contrato intermitente (têm de estar) no alcance da proposta. Estes trabalhadores, na redação atual, estão em uma espécie de limbo. O projeto, obviamente, destina-se aos que estão em situação de fragilidade por não poder trabalhar, caso dos intermitentes que não estão sendo convocados. Contudo, ao vedar o recebimento do auxílio emergencial por quem tem “emprego formal”, o texto da Câmara poderia ser interpretado como proibindo o acesso dos intermitentes — justificou Vieira.

O “coronavoucher” foi aprovado pela Câmara na semana passada. Inicialmente, conforme proposta do governo, o benefício seria de R$ 200, mas foi ampliado para R$ 600 pelos deputados, que pressionaram o Palácio do Planalto para bancar a fatura, que deverá custar R$ 45 bilhões aos cofres públicos. Há também a previsão de auxílio emergencial de R$ 1,2 mil para mulheres chefes de família. Quem já recebe benefício previdenciário e assistencial, como Benefício de Prestação Continuada (BPC) e seguro-desemprego, não poderá receber o auxílio.

De acordo com a proposta, o auxílio poderá ser pago a até duas pessoas de uma mesma família, com renda de até três salários mínimos, por três meses. Serão beneficiados todos os trabalhadores que não têm carteira assinada e portanto, não têm direito ao seguro desemprego, incluindo autônomos, microempreendedores individuais (MEI) e contribuintes individuais para a Previdência Social.

O governo pretende distribuir dinheiro apenas para quem trabalha na informalidade e está perdendo renda por causa da crise. São vendedores ambulantes, pedreiros, motoristas de aplicativo, diaristas, manicures, cabeleireiros, entre outras ocupações —um universo estimado em 38 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Economia.

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, disse ontem que o auxílio poderá ser sacado nas agências de Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios e casas lotéricas. Depois da sanção presidencial, um decreto vai regulamentar os saques, e uma medida provisória (MP) será editada para liberar os recursos do Orçamento.

O acordo para a votação de ontem incluiu um novo projeto, que aglutinará as mudanças que os senadores gostariam de ter feito no texto aprovado. A nova proposta já é batizada por seu relator, Esperidião Amin (PP-SC), de “projeto dos excluídos”. Isso porque o principal ponto é a inclusão de outras categorias de trabalhadores.

Amin ainda está avaliando o que incluirá na proposta. As ideias dos colegas vão de assegurar uma redação que garanta os R$ 600 mensais para motoristas de aplicativo, taxistas, índios, músicos, mães menores de idade, entre outros. O próprio senador já havia apresentado uma emenda ao projeto da renda básica para incluir pescadores artesanais e aquicultores entre os que poderiam receber o auxílio.

— Minha disposição é atender, pela ordem, pescadores artesanais e aquicultores, que era a minha emenda. Depois nós também temos motoristas de táxi, comunidades indígenas, outros trabalhadores precarizados, como músicos. Como eu já disse, é o projeto dos excluídos —explicou Amim.

MAIS FAMÍLIAS

De acordo com o senador Alessandro Vieira, esse outro projeto também deve expandir a previsão de recebimento de dois auxílios emergenciais para todas as famílias monoparentais, não apenas aquelas chefiadas por mulheres:

—É verdade que o número de homens provedores de famílias monoparentais, os chamados pais solos, é menor, o que não significa que esses domicílios também não estejam em vulnerabilidade de renda —disse Vieira.

A equipe econômica também estuda mecanismos para evitar fraudes na distribuição do benefícios. Segundo uma fonte a par das discussões, quem não estiver registrado nos cadastros do governo federal terá de informar, na autodeclaração, a renda da sua família para receber o auxílio. Isso poderá ser feito à distância, por aplicativo de celular, ou presencialmente, na rede de lotéricas.

A Caixa, que deverá fazer a maior parte dos pagamentos, também avalia a possibilidade de estender o expediente exclusivamente para atender esses beneficiários. Os detalhes sobre como será feito o pagamento do voucher estão sendo discutidos entre os Ministério da Economia e da Cidadania, que tem nas mãos o Cadastro Único (CadÚnico) — base de dados do Bolsa Família e do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Algumas perguntas ainda sem resposta sobre o benefício

> Quando o trabalhador começará a receber o benefício?

O projeto foi aprovado pelo Senado ontem, mas ainda faltam a sanção presidencial e um decreto. Ainda não está claro quando a ajuda chegará.

> Onde o trabalhador pode saber se tem direito ao auxílio?

O governo ainda não esclareceu como vai contatar e informar os elegíveis ao programa.

> Como a pessoa vai receber?

Diretamente em uma agência de Caixa, Banco do Brasil, Correios ou lotéricas. Falta saber como será o pagamento em cidades cujos bancos e lotéricas estão fechados por determinação dos governos locais e regionais. Uma saída seria convencer a Justiça a classificá-los como serviço essencial.

> Como fazer a autodeclaração?

Os beneficiários fora dos cadastros do governo poderão fazer uma autodeclaração. O governo quer que ela seja feita por aplicativos ou computadores. Mas não se sabe como agir com quem não dispõe desses aparelhos.

> Para evitar aglomerações, como o saque será organizado?

O governo não esclareceu se pretende implementar horário estendido ou em fins de semana, como ocorreu na liberação do FGTS. Não foi explicado se o trabalhador informal com conta em outros bancos poderia transferir os recursos da Caixa para sua instituição sem ir à agência.

> O que é preciso apresentar para receber o benefício?

Ainda não foi informado que documentos o trabalhador terá de apresentar para receber o benefício no caixa, nem se terá de comprovar alguma atividade econômica. Pode-se apresentar o Cartão Cidadão? Outra dúvida é se será preciso ir pessoalmente ou se será aceita procuração.

> Como o trabalhador vai declarar renda própria e a da família?

Para evitar fraudes, o governo vai exigir declaração de renda da família do beneficiário. Para liberar o dinheiro será preciso verificar antes? Não vai atrasar o processo? O governo ainda não explicou.

> Quais são os critérios de renda?

O governo não deixou claro quais serão os critérios para definir a renda do trabalhador e da família.

> O pagamento dos benefícios pode ser cumulativo?

Quem não conseguir receber a primeira parcela por dificuldades no cadastro, poderá receber duas ou três somadas depois? Não está claro.