O Estado de São Paulo, n.46180, 25/03/2020. Política, p.A4

 

MP de Bolsonaro restringe Lei de Acesso à Informação

Jussara Soares

Paulo Roberto Netto

25/03/2020

 

 

Medida Provisória suspende prazo e isenta de punição por não atendimento de demandas da sociedade; entidades de transparência e de jornalismo reagem e Rede vai ao Supremo

O presidente Jair Bolsonaro desobrigou repartições públicas de prestar informações pedidas durante o enfrentamento da crise causada pela pandemia de coronavírus. Em mais uma medida provisória (MP) publicada tarde da noite, em edição extra do Diário Oficial da União anteontem, o governo suspendeu os prazos para que a administração pública atenda a solicitações feitas via Lei de Acesso à Informação, que determina o máximo de 30 dias para respostas a demandas de qualquer pessoa. A decisão causou forte reação de entidades de transparência e de jornalismo, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Para a organização não governamental Conectas Direitos Humanos, trata-se de um “ataque a um dos pilares da democracia”. Parte do Congresso já discute formas de derrubar a norma.

Na prática, a medida isenta de punição quem não prestar esclarecimentos sobre itens como gastos públicos, decisões ministeriais e demais dados que não são publicados voluntariamente pelos órgãos governamentais. Como a lei é nacional, prefeituras e governos estaduais também podem ignorar as solicitações. A regra vale enquanto durar o estado de calamidade decretado por causa da pandemia, que se encerra no dia 31 de dezembro.

Segundo a MP, estão livres de cumprir os prazos para respostas todos os órgãos que tiverem seus servidores submetidos a regime de quarentena, teletrabalho ou que, necessariamente, dependam de acesso presencial para poder responder ao pedido de informação. De acordo com o texto, todo pedido negado sob a justificativa de que o funcionário está em quarentena ou em home office não teria possibilidade de recurso, bloqueando a análise da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) sobre o caso.

Levantamento no site da CGU mostra que atualmente há 3.589 pedidos de informação pendentes de respostas feitos à administração federal. Segundo a MP, essas solicitações devem ser reiteradas no prazo de dez dias após o fim do estado de calamidade para serem respondidas.

Para a ANJ, nas situações atuais, o governo deveria ser ainda mais transparente e ágil. “Em situações de calamidade, a informação pública deve ser ainda mais transparente, abrangente e ágil, e não menos, como define a MP”, diz a associação.

Em nota conjunta, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e mais de cinquenta entidades apontaram que as mudanças feitas por Bolsonaro na lei são vagas, contraditórias e sem exposição de motivos. “Ao estabelecer que os pedidos não respondidos no prazo devem ser reiterados em até dez dias passada a calamidade, possibilita que todas as solicitações feitas no período sejam ignoradas”, diz o texto.

Fabiano Angélico, mestre em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em transparência, classificou a MP como “desnecessária e equivocada”. “Agora é o momento de construirmos confiança mútua, e uma MP como essa vai na direção contrária.”

Ontem, menos de 24 horas depois da sua edição, a MP foi usada como argumento pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para negar informações sobre mudanças estruturais no órgão. O pedido havia sido feito pelo Ministério Público Federal.

Congresso. Diante da reação negativa, parlamentares já buscam meios de derrubar a medida. O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) apresentou ontem um pedido de para que seja retirado do texto o trecho que trata da Lei de Acesso à Informação. “Esse tipo de atitude faz parecer que ele quer esconder algo de pouco republicano em seu governo”, afirmou Kataguiri. Já a Rede pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal. “Suspender a LAI agora só favorece a corrupção, porque foi suspenso o limite de gastos do governo”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou ter discutido o texto da MP com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, mas que os deputados poderão fazer ajustes no texto. “De forma nenhuma vai gerar informação para sociedade que estamos restringindo ou omitindo informação”, disse Maia em entrevista à GloboNews.

A justificativa do governo para adotar a medida é concentrar esforços no enfrentamento à pandemia do coronavírus. Ao Estado, o ministro da CGU, Wagner Rosário, afirmou que a intenção é “resguardar” os servidores e que vai divulgar voluntariamente todos os gastos emergenciais do governo.

“Quando você pede informação a um hospital lá na ponta, não tem equipe da LAI para responder. É o pessoal que está atendendo. Então criamos essa suspensão para que possam ser respondidos assim que acabar esse período de emergência”, disse o ministro.