Título: Cessar-fogo sob impasse
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 20/11/2012, Mundo, p. 16

Líder do Hamas avisa que decisão sobre a trégua cabe a Israel. Netanyahu se reúne para discutir plano egípcio. Número de mortos em Gaza sobe para 108»

O míssil caiu sobre um carro a cerca de três minutos de onde Majed Abusalama estava. "Tudo explodiu e minha perna ficou coberta de sangue. O cheiro de corpo queimado ficou impregnado em meu nariz e um pedaço de cérebro caiu sobre meus sapatos", contou. Coordenador da Rede de Grupos da Juventude Palestina na Faixa de Gaza, Majed retornava do trabalho, quando a aviação israelense matou Osama Abdul Jawad, militante das Brigadas Izz ad-Din Al-Qassam, na Rua Al-Saftawe, região norte da Cidade de Gaza. Além dele, mais 34 pessoas morreram somente ontem. Pelo segundo dia consecutivo, a Torre Shuruq, prédio que concentra várias empresas de mídia estrangeiras, foi alvo das bombas. A ofensiva contra os jornalistas matou Ramez Harb, comandante das Brigadas Al-Quds (braço militar da Jihad Islâmica). Enquanto as forças israelenses intensificavam a Operação Pilar de Defesa, a possibilidade de trégua permanecia refém de um impasse.

Khaled Meshaal, líder do movimento fundamentalista islâmico Hamas, entregou a Israel o ônus do cessar-fogo e impôs condições. "A demanda do povo de Gaza é legítima: Israel tem que parar com sua agressão, com os assassinatos e as invasões. E o bloqueio sobre Gaza precisa acabar", avisou. O governo israelense insiste que o Hamas ponha fim ao lançamento de foguetes contra o sul do país — ontem, foram 120, dos quais 10 acabaram interceptados. A intenção é que uma trégua de 24 a 48 horas seja respeitada, para que as partes elaborem os termos de um cessar-fogo.

No fim da noite, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, reuniu-se com nove ministros para discutirem o plano egípcio de trégua. Até o fechamento desta edição, não havia informações sobre o resultado do encontro. De acordo com o jornal Jerusalem Post, Meshaal assegurou que o próprio Netanyahu solicitou um cessar-fogo. Numa tentativa desesperada de conter a escalada de violência, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, desembarcou ontem no Cairo, onde o líder do Hamas mantém conversações com autoridades de Israel. Ainda hoje, Ban deve visitar Jerusalém.

A comunidade internacional tem pressa. Em entrevista ao Correio, por telefone, o ministro da Saúde na Faixa de Gaza, Mufeed Al-Mukhalalati, acusou Israel de intensificar a "agressão contra o povo palestino". "Os caças F-16 começaram a bombardear prédios habitados por civis e pequenas casas, pertencentes a famílias pobres. Agora há pouco, um homem, a mulher e duas crianças foram mortos em um ataque ao campo de refugiados de Jabaliya", comentou. "Até o momento, temos a confirmação de 108 palestinos mortos e de 850 feridos." Segundo ele, 21 pacientes em estado grave foram transferidos para hospitais do Egito, por meio da passagem fronteiriça de Rafah. "Temos 8 mil funcionários, a maior parte mobilizada para atender essa crise. Cinco dos 13 hospitais de Gaza estão recebendo feridos, muitos com queimaduras de segundo e de terceiro graus. Israel deve estar usando um novo tipo de arma", acrescentou Mufeed, também membro do Hamas.

Tensão constante

No sul de Israel, o clima permanece tenso. Por telefone, Assaf Farhadian, 27 anos, morador de Beersheva (a 42km de Gaza), admite cansaço. "Nos últimos sete anos, o Hamas tem lançado foguetes contra nós quase todos os dias ou semanas, e isso já basta. Nenhum governo toleraria essa situação", disse. Ele garante que não desejava a morte de palestinos. "O mundo tem que entender que o Hamas usa civis como escudos humanos. Os militantes disparam a partir de escolas e de hospitais."

"Papai, quando será a próxima sirene, para que eu possa ganhar um doce?". A pergunta foi feita anteontem por Aaron, filho de David Ya"ari. Morador de Tel Avive e pai de gêmeos de 3 anos e de um bebê de 18 meses, ele contou ao Correio que, para diminuir o medo dos pequenos, montou uma estratégia. "Cada vez que o alarme antiaéreo soa e temos que correr para o abrigo, eles ganham um doce." Do outro lado da fronteira, as crianças também são vítimas. "Meu filho de seis anos, Mohamed, se recusa a comer e me segue por toda a parte. A cada 10 minutos, ele me pergunta: "Quando vou morrer?"", conta uma mãe de 37 anos, Oum Jihad, que mora em Khan Yunis.

Vozes de Israel

"Um cessar-fogo depende, basicamente, do Hamas. Ele tem que parar de lançar seus foguetes. Israel tem relutado em começar uma ofensiva terrestre. Se os palestinos não pararem com os ataques, veremos essa incursão de tropas na Faixa de Gaza. O Hamas tem insistido em ocupação e bloqueio do território palestino, mas nossos soldados já se retiraram de lá. Nós fornecemos água e eletricidade para Gaza. Penso que as demandas do Hamas são uma desculpa para manterem os ataques."

» Efraim Inbar, diretor do Centro para Estudos Estratégicos Begin-Sadat da Universidade de Bar-Ilan, em Ramat-Gan

"Israel está realizando essa defensiva com o objetivo de proteger seus cidadãos. Quase 4 milhões de israelenses estão sob fogo constante e diário do movimento terrorista Hamas. É como se, no Brasil, mais de 90 milhões de brasileiros estivessem sob fogo. A única coisa que Israel deseja é tranquilidade para seus cidadãos. Israel não impõem condições para o cessar-fogo. Queremos um compromisso total do Hamas de não disparar nem uma vez.."

» Rafael Eldad, embaixador de Israel em Brasília

"Hoje, tivemos alguns alarmes antiaéreos pela manhã e mais dois à tarde. As pessoas estão trancadas dentro de casa e há um grande silêncio. É duro viver assim. Você não pode viver sua vida normalmente. Não podemos ir para a universidade ou para a escola. Ninguém quer uma escalada dessa operação militar, mas temos visto o Hamas disparar contra a população civil. Isso é um crime de guerra. Israel tem que fazer o que puder para nos proteger. O que ocorre em Gaza é um dano colateral."

» Assaf Farhadian, 27 anos, morador de Beersheva

Vozes de Gaza

"Tanto Israel quanto o Hamas precisam de paz nesse momento. O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, não pode continuar com essa guerra por um longo período, por causa das eleições. Ele precisa de tempo para se engajar na campanha. Por sua vez, o Hamas tem o momento certo para a trégua, pois já atingiu Jerusalém e Tel Aviv. Sua popularidade e sua base de apoio aumentaram depois desses ataques, depois que levaram sofrimento a Israel. Cada um dos lados precisa da trégua."