O Estado de São Paulo, n.46181, 26/03/2020. Política, p.A6

 

Estados reiteram medidas de isolamento

Patrik Camporez

Jussara Soares

26/03/2020

 

 

Governadores mantêm medidas que foram criticadas por Bolsonaro em pronunciamento; presidente e Doria travam embate em reunião

Um dia após criticar, em rede nacional, medidas de isolamento adotadas por governadores para combater o avanço do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro teve ontem seu embate mais duro com os chefes do Executivo nos Estados desde o início da crise. Pela manhã, em reunião com os governadores do Sudeste, ele foi cobrado por João Doria (PSDB) a ter mais responsabilidade ao tratar da pandemia. O presidente retrucou, acusando o tucano de fazer “demagogia” e usar a situação como “palanque” eleitoral. À tarde, 26 governadores se reuniram para reafirmar que vão manter as medidas de restrição de circulação de pessoas, mesmo contrariando o Palácio do Planalto.

A forma como Bolsonaro tem lidado com a crise custou até mesmo o apoio do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), aliado desde a campanha eleitoral e responsável por indicar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. “Não posso admitir e concordar com um presidente que vem a público sem ter consideração com seus aliados, sem ter respeito”, afirmou Caiado ontem. No início da reunião com os demais chefes de Executivo estaduais, no meio da tarde, Caiado foi saudado pelo petista Wellington Dias, do Piauí, com a frase: “Bem vindo ao clube”.

Governadores do Sudeste escancararam as desavenças com Bolsonaro na videoconferência da manhã. Doria iniciou a reunião afirmando que o presidente deveria “dar exemplo ao País, e não dividir a nação em tempos de pandemia”. Bolsonaro retrucou: “Se você não atrapalhar, o Brasil vai decolar e conseguir sair da crise. Saia do palanque”. Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo, também cobrou liderança e responsabilidade do presidente. “Não é possível que todos os assuntos do Brasil tenhamos enfrentamento. Precisamos de consenso. Não deixamos a economia de lado, mas não podemos menosprezar e desconsiderar as informações dos cientistas de todo o mundo”, disse Casagrande.

Doria voltou ao assunto ao encontrar os demais governadores. “Considerei desrespeitoso (o comentário de Bolsonaro). Ele propôs uma reunião de conciliação, de entendimento e harmonia com o governadores do Brasil e teve um gesto absolutamente equivocado, maldoso em relação aos brasileiros, como ele formulou em rede nacional de rádio e televisão”, afirmou, em referência à fala de Bolsonaro na noite anterior.

Restrições. No fim do dia, após participarem de reunião virtual com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), 26 governadores reiteram a manutenção dos procedimentos de isolamento adotados para conter a pandemia do coronavírus, ao contrário do que Bolsonaro pediu em seu pronunciamento. A manutenção das medidas recomendadas por epidemiologistas foi uma das tônicas da videoconferência. O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), foi o único que relativizou as medidas. “Morro de medo dos reflexos econômicos dessas restrições”, disse.

Outro ponto unânime foi o pedido para que Maia agilize a aprovação do Plano Mansueto – plano de equilíbrio fiscal enviado ao Congresso em junho de 2019 – para ter condições fiscais de atender algumas cadeias produtivas.

Os governadores decidiram cobrar medidas práticas do governo federal em relação aos mais pobres e pequenos empreendedores, enquanto negociam pauta macro diretamente com Maia. Com essa estratégia, eles avaliam que podem se proteger de uma eventual tentativa de Bolsonaro de jogar a culpa da crise econômica nas costas deles no futuro. Outro consenso entre os governadores é que devem frisar que as medidas que estão tomando para combater a crise têm respaldo da ciência e de organismos internacionais.

“Nós nos pautamos pela avaliação dos técnicos, peritos e decidimos com base nessas informações. Qualquer decisão pautada no achismo está sujeita à responsabilização direta daquele que o faz”, afirmou Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro, que também criticou o pronunciamento do presidente. Coordenador do Fórum de Governadores, Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, foi o único que não participou da reunião.

Divergência

“(Autoridades locais e governos) Devem abandonar a proibição de transporte, o fechamento dos comércios e confinamento em massa”.

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE, DURANTE PRONUNCIAMENTO

“Por acaso, em que lugar que ela (covid-19) passou e não deixou esse rastro (problema econômico)? (...) Ignorância não é virtude.”

Ronaldo Caiado (DEM)

GOVERNADOR DE GOIÁS