Correio braziliense, n. 20779 , 13/04/2020. Política, p.3

 

Mandetta é contra "dubiedade"

Alessandra Azevedo

13/04/2020

 

 

Em entrevista à Rede Globo, titular da pasta da Saúde reclama da incoerência do governo do qual faz parte: “O brasileiro não sabe se escuta o ministro ou o presidente”. Ele defende mais uma vez o isolamento e prevê situação crítica em maio e junho

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou ontem, em entrevista ao Fantástico, que a relação com o presidente Jair Bolsonaro diante da crise do coronavírus “preocupa”. Enquanto o chefe do Executivo insiste em desrespeitar as recomendações da pasta, com recorrentes episódios de contato físico e incentivo a aglomerações, Mandetta avisou que o número de infectados no país vai aumentar — a Covid-19 chegou a 22.169 casos ontem no país, com 1.223 mortes. O ápice deve ser entre maio e junho, apontou Mandetta.

O ministro considera ruim o governo ter dois discursos para a população. “Preocupa porque a população olha e fala assim ‘vem cá, será que o ministro é contra o presidente?’”, admitiu Mandetta. “Isso leva ao brasileiro a uma dubiedade. Não sabe se escuta o ministro ou o presidente”, apontou. O presidente Bolsonaro insiste em afrouxar o isolamento social, enquanto o ministério recomenda que as pessoas evitem sair de casa. O chefe da pasta disse esperar “que a validação de diferentes modelos de enfrentamento possa ser comum e termos uma ala única, unificada”.

Mandetta fez um apelo à coerência nas ações do governo que integra um dia após o presidente Bolsonaro, pela terceira vez consecutiva, ignorar as recomendações do ministro e da Organização Mundial de Saúde. No último sábado, em Águas Lindas de Goiás (GO), Bolsonaro promoveu mais uma aglomeração, ao visitar a obra de um hospital de campanha. Na ocasião, uma mulher chegou a beijar a mão dele, que não se incomodou com a atitude, mesmo com Mandetta no mesmo evento. Não foi o primeiro caso de desrespeito às regras por parte do chefe do Executivo. Na última sexta-feira, Bolsonaro limpou o nariz e, em seguida, pegou na mão de uma apoiadora em uma padaria, na Asa Norte, em Brasília. Também esteve em uma farmácia no Sudoeste.

Para Mandetta, o presidente “olha muito (a questão do coronavírus) também pelo lado da economia”. “O ministério entende a economia, entende a cultura, entende a educação, mas chama pelo lado de equilíbrio e de proteção à vida”, disse. O titular da pasta da Saúde também demonstrou preocupação com a possibilidade de um “efeito cascata”, de todos os empresários, de diferentes setores, considerarem que o serviço dele “é essencial e que ele tem que trabalhar”. Apesar da ressalva, ele assegurou que “não há ninguém contra ninguém, a favor de nada” e voltou a dizer que “o nosso principal inimigo é o coronavírus”, discurso que tem reforçado nos últimos dias.

Testes insuficientes

O ministro estimou que maio e junho serão “os 60 dias mais duros para as cidades”. Apesar da subnotificação dos casos, por não haver testes para todo mundo, há cálculos matemáticos da pasta que confirmam a previsão, explicou. Ele reforçou que nenhum país tem condições de fazer exames em toda a população. “O problema é que a gente tem, hoje, um mercado extremamente concentrado e aquecido. Não tem teste suficiente no planeta Terra”, disse.

Segundo Mandetta, o que o ministério tem feito é “dizer qual é o caminho”, mas é apenas uma recomendação. Mais uma vez ele utilizou a metáfora do médico e do paciente para se explicar. “Se você vai ao médico e ele diz ‘não coma doce, porque você é diabético’, tem pessoas que comem doce sistematicamente, mesmo sendo”, comparou. Essa analogia se aplica, no entender do ministro, a quem desrespeita a quarentena. “Quando você vê as pessoas entrando em padaria, entrando em supermercado, fazendo filas uma atrás da outra, encostadas, isso claramente é um equívoco”, reforçou.

Para o ministro, é preciso “foco, disciplina e ciência e ficar muito firme nesse tripé”, além de “planejamento, para que possamos sair disso juntos”. “Infelizmente, não vai ser por um passe de mágica que vamos passar por isso”, disse. “Não tem receita de bolo. O que tem é: o Ministério da Saúde diz ‘tomem cuidado com quem tem nível mais alto de transmissão’. Aí, cada governador, cada prefeito sabe o que está fazendo”, disse.