Valor econômico, v.20, n.4967, 25/03/2020. Política, p. A10

 

Bolsonaro ataca governadores e pede 'volta à normalidade'

Fabio Murakawa

Andrea Jubé

Matheus Schuch

25/03/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro voltou a falar ontem em "pânico" e "histeria" sobre o combate à epidemia do coronavírus no Brasil, em postura criticada no início da crise, e retomou os ataques aos governadores, num momento em que busca afinar a relação com os gestores estaduais. Em um duro pronunciamento em rede nacional de rádio e TV, ele defendeu o retorno à normalidade, criticou medidas de isolamento e assegurou que a crise passará "em breve".

O Valor apurou que o texto não foi discutido com nenhum ministro palaciano e foi na contramão de uma tentativa de auxiliares de preservar a imagem presidencial, arranhada pela condução controvertida da crise. O tom adotado no pronunciamento foi discutido com o chamado "gabinete do ódio", composto por aliados do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ).

O presidente retomou termos como "pânico" e "histeria" para se referir à pandemia da covid-19, e voltou a criticar os governadores: "Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada."

Sem defender as ações de isolamento, ressaltou que "a vida tem que continuar, os empregos devem ser mantidos e o sustento da família preservado". Criticou o fechamento de escolas, alegando que "a maior parte das vítimas tem mais de 60 anos".

Durante o pronunciamento, houve nova rodada de panelaços em várias capitais. Bolsonaro permitiu-se uma dose de ironia, ao afirmar que se tivesse sido contaminado, não teria que se preocupar devido ao seu "histórico de atleta".

A manifestação que não ajuda no diálogo com os governadores ocorreu num dia dramático, em que circularam rumores da saída do ministro Paulo Guedes. Bolsonaro foi às redes defender o ministro. "Mais que um posto Ipiranga, um amigo, um irmão para as horas difíceis", registrou o presidente em sua conta no Facebook, postando uma foto em que aparecem lado a lado fazendo sinal de "positivo".

Guedes participou ontem das teleconferências com os governadores das Regiões Sul e Centro-Oeste, ao lado dos ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e do vice-presidente Hamilton Mourão. Hoje Bolsonaro finaliza a rodada com os governadores da Região Sudeste.

Na conversa com os governadores do Sul, Guedes afirmou que o ajuste fiscal, a redução do comprometimento da receita com juros da dívida e a aprovação de reformas contribuíram para que a União tenha hoje mais condições de direcionar recursos para o combate da crise, relatou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).

O tucano considerou "insuficiente" o pacote de R$ 88,2 bilhões anunciado na segunda-feira para socorrer os Estados nas crises de saúde e econômica e apresentou uma relação de propostas, como: a expansão da suspensão do pagamento das dívidas dos Estados com a União e de empréstimos contraídos com organismos internacionais; suspensão do pagamento de precatórios; e a suspensão de pagamento de impostos federais, como PIS/Pasep e contribuições ao INSS.

Segundo Leite, a suspensão temporária do pagamento da dívida do Estado com a União não muda a realidade, pois o Rio Grande do Sul já não vem pagando as parcelas, amparado em uma decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).

O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), pediu que o governo esclareça os critérios de distribuição dos R$ 8 bilhões que serão destinados aos entes federados exclusivamente para ações na área de saúde. Segundo Ratinho Júnior, o governo teria feito um aceno positivo ao pleito de prorrogação do prazo para quitação das dívidas de precatórios. No ano passado, o Paraná pagou R$ 1,7 bilhão em dívidas de precatório.

Já os governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), e de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), ressaltaram que as medidas de recomposição dos fundos, como o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM), atendem os Estados do Norte e Nordeste, mas não os da região central.

Rocha e Caiado pleitearam uma compensação ao governo federal pela queda de arrecadação no ICMS. Caiado disse que esse valor pode chegar a R$ 4,6 bilhões até dezembro.

Ibaneis disse ao Valor que Bolsonaro autorizou no encontro que o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia a fazer junto aos secretários de Fazenda dos Estados "um encaminhamento dessa questão".

Outra demanda foi a aprovação de medidas que tramitam no Congresso, o pacto federativo e o Plano Mansueto, que implementa um novo programa de auxílio financeiro a Estados e municípios. (Colaborou Lu Aiko Otta)

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Aposta redobrada no isolamento é um mau presságio

Maria Cristina Fernandes

25/03/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro saiu em busca da popularidade perdida valendo-se das mesmas armas com as quais a perdeu. Em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, o presidente voltou a criticar o "pânico e a histeria" e culpou a imprensa por ter se valido do exemplo italiano, país com outro clima e pirâmide etária, para fazer previsões catastrofistas para o Brasil.

Posicionou-se contra medidas adotadas no mundo inteiro, criticando governadores e prefeitos pelo confinamento, o fechamento do comércio, restrição das estradas e fechamento de escolas, medida que disse ser desnecessária visto que os quadros mais graves acometem pessoas acima de 60 anos.

Demonstrou total desconhecimento sobre a cadeia de contágio da doença, apesar das diárias explicações das autoridades médicas de seu governo.

Deu curso à exploração massiva em suas redes sociais de um vídeo em que, no início da pandemia, o médico Drauzio Varella, falou sobre a covid-19. "Pelo meu histórico de atleta, não é um resfriadinho ou uma gripezinha, como diz aquele conhecido médico daquela conhecida televisão, que vai me derrubar", disse, num vacina sobre seu eventual contágio.

Ao divulgar os resultados os últimos resultados dos exames do entorno do presidente, o Hospital das Forças Armadas omitiu dois deles. Ao todo, 23 pessoas, envolvidas direta ou indiretamente na comitiva da viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos testaram positivo para o coronavírus.

O presidente valeu-se da boa avaliação do ministro da Saúde para tentar alavancar a sua, contradizendo-o. Elogiou o desempenho de Luiz Henrique Mandetta mas contrariou todas as recomendações que o ministro e toda a comunidade médica têm feito à população.

Voltou a louvar a hidroxicloroquina, remédio cuja eficácia contra o coronavírus não foi atestada pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) nem por qualquer outra autoridade sanitária do mundo.

A redobrada aposta de Bolsonaro no seu isolamento das autoridades médicas, dos governadores, do Congresso e da imprensa são um mau presságio das medidas que pode vir a tomar daqui para frente para fazer valer suas convicções e sua vontade.