Valor econômico, v.20, n.4966, 24/03/2020. Política, p. A8

 

Criticado, Bolsonaro tenta centralizar ações contra covid-19

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

Murillo Camarotto

Lu Aiko Otta

Mariana Ribeiro

24/03/2020

 

 

Alvo de críticas de governadores pela maneira como vem conduzindo o país na crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro inaugurou ontem uma série de conversas com os chefes dos Executivos dos Estados e organizou uma frente, sob a liderança do governo federal, para o combate da pandemia.

Ontem, o presidente conversou por teleconferência com governadores dos nove Estados do Nordeste e de seis da Região Norte. As conversas ocorreram um dia após Bolsonaro haver criticado duramente restrições impostas nos Estados à circulação de pessoas e ao funcionamento do comércio para conter a propagação do vírus causador da covid-19. Em entrevista à TV Record, Bolsonaro afirmou que "brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus".

Ontem, ele designou o ministro-chefe da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, para ouvir as demandas dos governadores. O ministro chefiará um novo comitê de crise para enfrentamento da pandemia e tentará uniformizar as ações adotadas pelo governo federal, Estados e prefeituras.

Hoje, o presidente deve fazer teleconferências com governadores de Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Sob ataque por conta de declarações e atitudes polêmicas a respeito da pandemia, o presidente foi desaconselhado por auxiliares a falar depois das teleconferências. Apesar de a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) haver convocado uma coletiva com a presença de Bolsonaro, ele fez apenas um breve pronunciamento e deixou o Planalto rumo à residência oficial do Palácio da Alvorada.

Coube a ministros e secretários do Ministério da Economia responder a perguntas de jornalistas a respeito dos encontros e das medidas de governo. Na avaliação de auxiliares, Bolsonaro tinha tido um bom desempenho na última sexta-feira ao tratar do tema com jornalistas. Mas, no fim da entrevista coletiva, soltou a frase em que comparou a covid-19 a uma "gripezinha", o que amplificou as críticas contra ele. A contragosto, o presidente concordou em não responder às perguntas ontem.

Bolsonaro disse sobre os encontros virtuais que "imperou" entre todos a cooperação e o entendimento. Ele afirmou que todas as partes entendem que há um "inimigo em comum" e que o efeito colateral, que é o desemprego, "deve ser combatido".

O presidente listou as medidas do plano de R$ 85 bilhões de ajuda aos Estados e municípios, anunciado mais cedo via redes sociais, e disse ter pedido aos governadores que tenham "olhar muito especial" para as propostas de interesse do governo que tramitam na Câmara.

Bolsonaro ficou especialmente incomodado com a repercussão ontem nas mídias sociais da medida provisória que possibilitava às empresas suspender os contratos de trabalho e o pagamento de salários por até quatro meses, como forma de ajudar o setor privado a superar a crise.

O forte rechaço à medida levou a hashtag #BolsonaroGenocida ao topo das menções no Brasil no Twitter, rede social onde o presidente tradicionalmente costuma derrotar seus oponentes. Também pelo Twitter, Bolsonaro anunciou a retirada desse dispositivo da MP 927, publicada no "Diário Oficial" no fim da noite de domingo.

Braga Netto, por sua vez, afirmou que a partir de amanhã funcionará em tempo integral um comitê de operações que irá integrar medidas entre governo federal, Estados e municípios.

"O comitê terá contato direto com governos de Estados e municípios, trabalhará 24 [horas por dia] por 7 [dias na semana] e estará operacional amanhã", afirmou.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, cujo protagonismo na crise também chegou a incomodar Bolsonaro, disse que o presidente "literalmente acalmou toda aquela região [Norte e Nordeste", organizando as ações que serão tomadas para combater a pandemia. Mandetta lembrou que o sistema de saúde está lidando com o avanço do vírus e, ao mesmo tempo, atendendo a diversas emergências médicas.

O ministro reforçou a necessidade de uma mobilização nacional com gestores estaduais e municipais. Com o passar dos dias, Mandetta espera medir o impacto das ações que vem sendo tomadas, como restrição de circulação e quarentena. "Vamos tentar passar por isso com menos estresse e menos intervenção na vida das pessoas", explicou.

Mandetta afirmou ainda que nada está "fora do planejado". "Sabíamos que 30 dias após o primeiro caso teríamos pressão. Devemos padronizar soluções nossas, brasileiras, para enfrentamento a crise", defendeu.

O ministro vê de forma positiva o fato de o Brasil possuir profissionais de saúde mais jovens, na comparação com a Europa, o que pode facilitar o combate ao vírus, já que os idosos são mais suscetíveis à doença.