O Estado de São Paulo, n.46183, 28/03/2020. Política, p.A12

 

Decisões seguirão critérios técnicos, afirma Mandetta

Mateus Vargas

28/03/2020

 

 

Em reunião com gestores do SUS, ministro admite igrejas abertas, mas não encampa ideia de isolamento vertical
Na primeira reunião com gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) após o presidente Jair Bolsonaro cobrar regras mais brandas de isolamento social contra o novo coronavírus, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), adotou um tom diferente e prometeu a secretários de Estados e municípios que tomará apenas decisões técnicas, baseadas em evidências científicas.

Segundo pessoas que acompanharam a reunião, realizada ontem por videoconferência, o ministro modulou o discurso ao de Bolsonaro, mas sem aderir a teses como do isolamento vertical, que atingiria apenas idosos e doentes crônicos. Mandetta, no entanto, defendeu a abertura de igrejas para cultos e orações, argumentando que não se pode proibir que pessoas busquem conforto.

Na reunião, o ministro não defendeu o uso da cloroquina, medicamento usado para o tratamento de doenças como malária e que, em pesquisas preliminares, também se mostrou eficiente no combate à covid-19. Mesmo sem resultados conclusivos, Bolsonaro tem feito propaganda da substância e determinou o aumento da produção em laboratórios públicos.

Mudança. A readequação do discurso de Mandetta acontece após o pronunciamento de Bolsonaro à Nação, em cadeia nacional de TV e rádio, no qual o presidente criticou o fechamento de escolas e do comércio para combater a doença. Sob pressão, em entrevista na quarta-feira passada o ministro disse que o modelo de quarentena adotado em parte do País "não ficou bom" e passou a suavizar o tom na defesa de medidas de restrições.

Quem esteve na reunião entre os secretários de Saúde notou uma sutil mudança no discurso de Mandetta, mas afirmou sentir "alívio" porque o ministro não endossou plenamente a fala de Bolsonaro, que atacou governadores, chamou a covid-19 de "gripezinha" e repetiu que há muita "histeria".

Mandetta pediu atenção e cautela nas medidas de restrição de circulação, mas não pediu retomada de serviços. Segundo presentes, em nenhum momento ele citou o isolamento vertical, a nova bandeira de Bolsonaro. Também não se falou em abrir escolas, como pede o presidente. Na leitura dos presentes, a estratégia é evitar o conflito com o presidente para não desmoronar a ação de combate à covid-19 feita até aqui.

O Palácio do Planalto lançou anteontem a campanha publicitária batizada de "O Brasil não pode parar" para defender a flexibilização do isolamento social adotado na maioria do País. A intenção é mostrar os efeitos de medidas como o fechamento de empresas na economia.

Demandas. Na conversa, os secretários de Estados e municípios disseram que não interromperam todas as atividades, mas apenas o que consideram essencial para evitar o avanço da doença. Também ressaltaram que cada local está tomando medidas conforme o número de casos registrados.

Uma cobrança dos secretários foi que nem todos os Estados receberam a parte combinada da primeira leva de kits para instalação de leitos móveis de UTI. O governo federal prometeu distribuir 540, no primeiro momento, dos 2 mil pacotes para montagem de leitos extras prometidos, sendo que cada unidade da federação teria no mínimo 10 leitos.

Os equipamentos teriam sido entregues primeiro em locais com mais casos, como no sul e sudeste, mas gestores de outras regiões pediram o envio imediato para conseguir montar uma "reserva técnica". O ministro prometeu acelerar o envio. Secretários de Estados e municípios pedem para o governo federal fazer compras em larga escala, centralizadas, de respiradores para serem distribuídos conforme a demanda.

Os gestores argumentam que centralizar as compras no Ministério evitaria um leilão entre Estados e municípios, o que permitiria baixar os preços do produto, aproveitando o poder de compra do SUS. A ideia não é proibir que um Estado com poder de compra, como São Paulo, busque os próprios produtos.