Valor econômico, v.20, n.4955, 09/03/2020. Brasil, p. A4

 

Vírus cria 'infeliz coincidência' para Brasil, diz Pires de Souza

Bruno Villas Bôas 

09/03/2020

 

 

O Brasil vive uma infeliz coincidência. No momento em que a economia dava sinais de que aceleraria a recuperação, o mundo caminha para uma recessão, afetado pelo novo coronavírus, inclusive com o recente contágio do mercado financeiro. É o que diz o economista Francisco Eduardo Pires de Souza, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Apesar do crescimento modesto de 1,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, o economista afirma que, não fosse o primeiro trimestre ruim, o país teria avançado mais rapidamente, em 2,2%. Esse é o resultado anualizado do ritmo de crescimento médio dos demais três trimestres de 2019, de 0,5% na série com ajuste sazonal.

Pires de Souza afirma que o país tem um conjunto de fatores favoráveis ao investimento e ao aumento de produção. É o caso dos juros historicamente baixos, a taxa satisfatórias de lucro das empresas, câmbio em nível competitivo e a recuperação da construção civil, além do crescimento do emprego, inclusive aqueles com carteira de trabalho assinada.

"Ninguém contrata pessoas para colocar na geladeira. É uma etapa para crescer a produção. Por esses fatores, apostaria numa aceleração da economia em 2020. Mas, quando estávamos preparados para dançar, chegamos na festa e a festa acabou, que é a recessão global", diz Pires de Souza, que previa há cerca de um mês crescimento de 3% do PIB em 2020 e agora fala em avanço de 2% ou menos no ano.

O problema, ele explica, é que os impactos do surto do novo coronavírus não ficam limitados à produção da China. Os efeitos seriam, nesse caso, até relativamente breves, limitados ao primeiro semestre deste ano. Pires de Souza acredita que o risco está na contaminação do mercado financeiro, com a queda de preços de ativos, do valor das commodities, empoçamento do crédito.

Na sexta-feira, o Brasil viveu um novo dia de turbulência no mercado financeiro por causa da epidemia. O temor estava relacionado, exatamente, à desaceleração da economia global e suas consequências para a atividade econômica brasileira. O Ibovespa, principal índice de ações do país, caiu abaixo da casa dos 100 mil pontos.

Com as incertezas do coronavírus, a preocupação é que os investimentos sofram. "O coronavírus aumenta a incerteza e a decisão de quem estava pronto para investir. O investimento será mais fraco. É um choque importante", diz o economista graduado pela Universidade Federal Fluminense e com mestrado e doutorado pela Unicamp.

A economia brasileira já não crescia mais rapidamente porque apenas dois de seus quatro "motores" estavam ligados no ano passado: o consumo das famílias (alta de 1,8% em 2019) e os investimentos (2,2%). Os demais motores são o consumo do governo (-0,4% no ano passado) e as exportações (-2,5%). Na saída da recessão de 2004, por exemplo, os quatro "motores" estavam ligados.

"Num passado distante o Brasil crescia em períodos de adversidade externa, puxado pela demanda interna. Foi assim após as crises nos anos 70 e 80. Mas hoje o Brasil está mais conectado ao mundo do que no passado, embora sejam uma economia relativamente fechada em comparação às demais", diz Pires de Souza, em entrevista no Instituto de Economia na Praia Vermelha, zona sul do Rio.

Um dos caminhos para acelerar o crescimento seria pela área de infraestrutura, embora ele acredite que mesmo esse tipo de investimento, de maturação de mais longo prazo, possa sofrer influência da incerteza global, uma vez que parte dos investidores é estrangeira. Ele também defende novos cortes da taxa básica de juros, a Selic, dos atuais 4,25% ao ano para 3,75% ao ano pelo Banco Central (BC).

Apesar dos insucessos ele acredita que não se pode responsabilizar a política liberal do governo pelo resultado da economia. As exportações brasileiras, por exemplo, foram afetadas pela crise da Argentina e de outros países da região, além da desaceleração do comércio mundial. E a redução dos gastos públicos seria necessário independentemente da matriz ideológica do governo, dado o tamanho do problema fiscal brasileiro.

"Havia consenso de que alguma coisa precisava ser feita e isso funcionou. No próprio governo Dilma Rousseff já se começou o ajuste, no segundo mandato. Ter um Estado maior pode dar mais estabilidade no momento de crise, pelo componente de gastos e investimentos. Mas um Estado muito grande tira eficiência da economia. Então, não dá para responsabilizar [a política liberal]", acredita Pires de Souza.