Valor econômico, v.20, n.4955, 09/03/2020. Política, p. A8

 

Desavença entre Câmara e Senado dificulta contraponto a Bolsonaro

Andrea Jubé

Marcelo Ribeiro

09/03/2020

 

 

O discurso do presidente Jair Bolsonaro conclamando a população a sair às ruas no dia 15 causou indignação entre os dirigentes do Legislativo e Judiciário, mas a reação dos Poderes será de cautela até que se conheça a dimensão e o alcance das manifestações.

O clima de desconfiança entre a Câmara e o Senado conturba ainda mais o quadro e impede uma resposta firme dos chefes do Legislativo. Amanhã devem ser votados os projetos de lei que completam o acordo em torno da execução do Orçamento impositivo, que garantiu a manutenção dos vetos presidenciais.

Recai sobre o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a pressão para garantir a aprovação dos três projetos de lei porque ele se colocou como fiador do entendimento com o Palácio do Planalto.

Negando em público esse acordo, Bolsonaro elevou o tom: em recado implícito ao Congresso, disse que “político que tem medo de rua não serve para ser político”. Uma liderança do Congresso avalia que a declaração do presidente comprova que ele não está disposto a contribuir para um ambiente de conciliação. “Ele quer sobreviver no caos”, analisa.

Mesmo assim, não interessa à cúpula do Congresso acirrar mais os ânimos entre os Poderes porque os parlamentares dependem do cumprimento do acordo, que assegurou R$ 20,5 bilhões em emendas impositivas para as duas Casas. Esses recursos que farão a diferença em suas bases neste ano de eleições municipais.

O valor originário das emendas de relator era R$ 30,1 bilhões. Com o entendimento firmado com o Planalto, R$ 9,6 bilhões retornaram ao governo para investimento onde os ministérios indicarem.

Fontes do entorno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), observam que ele foi coadjuvante nessa negociação. Na semana passada, Alcolumbre saiu na frente de Maia, que retornava da viagem à Espanha, e encabeçou as articulações pela manutenção dos vetos e execução das emendas.

A iniciativa de Alcolumbre foi interpretada por líderes das duas Casas como um gesto para garantir protagonismo ao Senado nessa negociação. Coube a Maia persuadir os deputados a aderirem ao acordo porque eles estavam dispostos a derrubar o veto presidencial.

Foi nesse contexto que Maia cobrou de Alcolumbre que assegure os votos necessários para aprovar o pacote de projetos que asseguram o acordo. Alcolumbre enfrenta a oposição de senadores do Muda Senado e do MDB, que contestam o acerto feito com o Planalto.

“O Congresso errou feio quando aceitou fazer o acordo em função dos projetos [de execução das emendas impositivas]”, criticou o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Renan avalia que para resgatar sua autoridade, o Congresso deveria devolver os projetos de lei ao Executivo.

“Não fica bem com déficit orçamentário, problemas no Bolsa Família, fazer um acordo para sequestrar R$ 20 bilhoes”. Mas ele reconhece que o gesto de Bolsonaro de exortar a população a sair às ruas é “inominável e injustificável sob qualquer aspecto”.

Membro do Muda Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) publicou nas redes sociais que Bolsonaro é “frente de igreja e fundo de cabaré”, porque negou em público o entendimento feito com o Congresso, mas endossou a tratativa dentro do gabinete. Randolfe também votou pela preservação do veto presidencial, contra o acordo.

O líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), disse que a resposta que o Congresso deve dar à manifestação presidencial é com mais trabalho. Efraim lembra que o governo se omitiu em reformas relevantes, como a administrativa e a tributária.

“Nossa resposta é agir, já que o governo não contribuiu com as pautas principais”, completou. Ele destaca que nesta semana começam os trabalhos da comissão mista da reforma tributária, que vem sendo conduzida exclusivamente pelo Legislativo.

Um dirigente do Congresso ressalta que para toda ação há uma reação. Embora não esteja prevista uma resposta explícita nesta semana ao discurso de Bolsonaro, há movimentos sendo articulados nos bastidores.

No começo da semana passada, o presidente Rodrigo Maia acatou pedido do PSL para suspender o grupo de deputados bolsonaristas na bancada, impedindo-os de atuarem nas comissões temáticas. A primeira consequência foi o afastamento de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) da liderança da bancada.

Em outra frente, está prevista a prorrogação da CPMI das Fake News, que funcionaria até abril. Com isso, a comissão deverá atuar até a véspera das eleições. Estão previstas quebras de sigilo bancário e telefônico, até mesmo de Eduardo Bolsonaro. O colegiado vai trabalhar sem a tropa de choque bolsonarista, já que a suspensão impede os aliados de Bolsonaro de atuarem no colegiado.