O globo, n. 31669, 21/04/2020. Especial Coronavírus, p. 4

 

A barreira da lei

Thais Arbex

Naira Trindade

Carolina Brígido

Luísa Martins

Daniel Gullino

21/04/2020

 

 

Após Bolsonaro ir a ato contra democracia, defesa prega ‘obediência à constituição’

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro participar de uma manifestação em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília em que manifestantes defendiam atos inconstitucionais como o fechamento do Congresso, o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, divulgou na noite de ontem uma nota na qual afirma que as Forças Armadas trabalham “sempre obedientes à Constituição”.

Em outro movimento de repúdio à ida do presidente ao ato, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que não havia se posicionado sobre o episódio no domingo, afirmou que não é possível admitir “qualquer solução que não seja dentro da institucionalidade” e que são “nefastos” ataques à democracia. Em tom diferente do usado no domingo, Bolsonaro rebateu o pedido de fechamento do STF feito por um apoiador na porta do Palácio da Alvorada, dizendo que defende “Supremo aberto” e “Congresso aberto”.

Antes de divulgar a nota, o ministro da Defesa se reuniu com os comandantes do Exércio, da Aeronáutica e da Marinha. O documento diz que o coronavírus é o inimigo comum do país hoje e que os militares não se afastarão do que manda a Constituição. “As Forças Armadas trabalham com o propósito de manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”, diz trecho do documento divulgado pelo ministro.

Desde domingo, integrantes de todos os Poderes e militares da ativa e da reserva passaram a atuar para conter a crise e manifestar repúdio à ação do presidente. De acordo com relatos, a atuação de ao menos três generais da reserva foi fundamental para apaziguar os ânimos: os generais Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e frequentemente ouvido por Bolsonaro; Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional do governo Michel Temer; e Alberto Mendes Cardoso, ministro da Casa Militar do governo Fernando Henrique.

Os generais fizeram chegar aos militares do governo que não ficaram confortáveis com o fato de o protesto ter sido em frente ao QG do Exército, lembrando que as Forças Armadas são instituições que servem ao Estado, não a governos.

Ao deixar o Alvorada ontem de manhã, Bolsonaro recuou noto maores pondera um apoiador que pediu para ver o STF fechado:

—Se messa conversa de fechar. Aqui é democracia. Aqui é respeito à Constituição brasileira. Supremo aberto, transparente. Congresso aberto, transparente.

O presidente afirmou ter direito a opinar sobre os outros Poderes.

— Respeito o STF. Respeito o Congresso. Mas eu tenho a minha opinião. Não pode qualquer palavra minha ser interpretada por alguns como agressão, como ofensa.

À noite, quando voltava ao Alvorada, Bolsonaro foi perguntado por um jornalista sobre o progressivo aumento do número de mortes por coronavírus no país, mas interrompeu o questionamento:

— Ô, cara, quem fala de... Eu não sou coveiro, tá certo? —declarou o presidente.

Na mesma entrevista, Bolsonaro informou que está articulando com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, a reabertura do Colégio Militar e dos colégios da Polícia Militar no DF já na próxima segunda-feira, num “primeiro gesto para voltarmos à normalidade”, afirmou.

GOVERNO E CONGRESSO

A presença de Bolsonaro no ato tem como pano de fundo a convicção do presidente e de seus auxiliares mais próximos de que o Congresso tem atuado para inviabilizar o governo financeiramente.

Combas e nessa leitura, Bolso na rofo iao ato como aval até mesmo dos militares do governo. Numa reunião na noite de domingo, os ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Fernando Azevedo e Silva, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (GSI) afirmaram que Bolsonaro “se empolgou” nas manifestações, mas não recriminaram seu discurso.

Já o presidente do Supremo, Dias Toffoli, reagiu duramente ao protesto que defendeu o autoritarismo:

—Não é possível admitir solução que não seja dentro da institucionalidade. O documento( das entidades) expressa (...) o quão nefasto é o autoritarismo, do quão nefasto é o ataque às instituições eà democracia—disse Toffoli, em videoconferência com representantes de entidades civis. (*) Do Valor.