Título: Egito volta ao caos
Autor: Walker, Gabriela
Fonte: Correio Braziliense, 06/12/2012, Mundo, p. 20

Novos confrontos em frente ao palácio presidencial deixam ao menos 211 feridos. Três conselheiros de Morsy renunciam

Manifestantes de oposição e simpatizantes do regime de Mohamed Morsy se enfrentaram em frente ao palácio presidencial, no bairro de Heliópolis, no Cairo, no fim da tarde de ontem (hora local). A presença da polícia não intimidou os ativistas e, segundo o Ministério da Saúde, pelo menos 211 pessoas ficaram feridas. Relatos não confirmados por fontes oficial davam conta de duas mortes. Os confrontos começaram com a chegada de apoiadores de Morsy ao palácio, onde militantes opositores participavam de uma vigília desde os protestos de anteontem. “Eles estão se enfrentando com coquetéis Molotov e com pedras”, conta ao Correio, por telefone, Mohsen Kamal, diretor executivo do Instituto para Estudos de Tolerância e Antiviolência no Egito — o órgão monitorou as eleições presidenciais de junho e acompanha os atuais desdobramentos das decisões do governo. Em mais uma demonstração do agravamento da crise política, três conselheiros presidenciais deixaram os cargos, em sinal de protesto, depois que Morsy aumentou os próprios poderes.

O vice-presidente Mahmud Mekki tentou amenizar as manifestações e anunciou que o regime está disposto a negociar emendas ao rascunho da nova Constituição, desde que a oposição entregue por escrito suas reivindicações e que o documento possa ser votado no dia 15. Os líderes da oposição Mohamed ElBaradei, Hamdeen Sabbahi e Amr Moussa descartaram a proposta de Mekki e cobraram uma medida imediata contra a crise. “A revolução não foi feita para isso. Foi feita por princípios, pela liberdade e pela democracia”, defendeu ElBaradei, ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e prêmio Nobel da Paz.

Oposição e governo trocaram acusações sobre a responsabilidade dos confrontos e da crise política. “Nós apontamos o presidente Morsy e seu governo como os responsáveis pela violência que toma o Egito hoje”, afirmou ElBaradei. Em resposta, a Irmandade Muçulmana devolveu a acusação. “Nós temos nas figuras da oposição, Sabbahi e ElBaradei, os culpados pela escalada da violência e a incitação dos militantes”, publicou o grupo em sua conta oficial no microblog Twitter. A Irmandade também condenou ativistas leais ao regime de Mubarak que, segundo a entidade, “promovem ataques e espalham o caos durante os protestos”.

Islamização

“Podemos usar para Morsy a mesma frase que falávamos para Mubarak — muito pouco, muito tarde”, afirma Mohsen Kamal, em referência às ofertas do governo para pôr fim aos protestos. Dividida, grande parte da população não enxerga Morsy como um presidente de todos os egípcios e teme que ele invista em um regime autocrático. Segundo Kamal, um dos maiores medos dos grupos libeirais e religiosos não radicais, é o de que o país trilhe um caminho semelhante ao do Irã, que, depois de uma revolução contra um governo ditatorial, aprovou um Estado chamado de democrático-teocrático, baseado em ideais islâmicos, em referendo votado em 1979. “Os debates sobre a sharia (lei islâmica) como a fonte principal ou única de legislação e as novas regras para o sistema eleitoral preocupam a oposição, que vê o país seguindo para um cenário semelhante ao iraniano”, admite Kamal.

Para o embaixador brasileiro Luiz Augustro de Castro Neves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), a religião não deve ser usada como desculpa para justificar regimes autocráticos. “A democracia é um instrumento, e não um fim em si mesmo. Antigamente, diziam que o subdesenvolvimento não era compatível com a democracia, e que os países não estavam preparados, mas ela é um instrumento e é usada para escutar as aspirações da sociedade”, diz ao Correio. A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, pediu ontem mais transparência e diálogo para evitar novos distúrbios.

Nós apontamos o presidente Morsy e seu governo como os responsáveis pela violência que toma o Egito hoje”

Mohamed ElBaradei, laureado com o Nobel da Paz e líder da oposição

Podemos usar para Morsy a mesma frase que falávamos para Mubarak — muito pouco, muito tarde”

Mohsen Kamal, diretor executivo do Instituto para Estudos de Tolerância e Antiviolência no Egito