Valor econômico, v.20, n.4985, 22/04/2020. Brasil, p. A4

 

Indústria e comércio iniciam demissões e preveem ao menos 3 milhões de cortes

Anai's Fernandes

22/04/2020

 

 

Ainda sem dados oficiais para medir o impacto da crise do novo coronavírus no mercado de trabalho, entidades setoriais tentam mapear como empresários têm reagido a esse choque. Pesquisas de associações apontam que a demissão não é a primeira opção dos empregadores, embora em muitos casos ela não tenha sido evitada.

Levantamento da associação da indústria de máquinas e equipamentos (Abimaq) feito entre 30 de março e 3 de abril a partir de uma amostra de associadas aponta que 21,5% demitiram parte de seus funcionários (cerca de 16,4% do quadro) em razão da pandemia. Foram cerca de 11 mil postos diretos fechados, ou 3% dos trabalhadores do setor. A medida mais citada, por 63% dos empresários, porém, foi o oferecimento de férias individuais, para 27% dos funcionários.

Com 86% dos fabricantes relatando piora na atividade, o temor é que o número de demissões cresça significativamente. Segundo José Velloso, presidente-executivo da Abimaq, a estimativa atual é que o contingente chegue a 50 mil desempregados diretos e 150 mil indiretos.

Das empresas ouvidas, cerca de um terço já buscou crédito para capital de giro em bancos, sendo que a finalidade mais citada (48%) era custear a folha de pagamento. Segundo as empresas, as condições médias encontradas foram juros de 14,3% ao ano, com carência de sete meses e prazo de 26 meses. Apenas 11% afirmaram já terem finalizado o processo - entre aquelas que ainda não tomaram os recursos, 20% alegaram falta de crédito no mercado.

"Nenhuma ação de crédito chegou à ponta. Empresas de pequeno e médio porte estão sem capital de giro. Aqueles que recebidos pelos bancos encontram juros no dobro do que tinham", diz Velloso. "Isso vai empurrar ainda mais as empresas para problemas."

Outra pesquisa, encomendada pelo sindicato da micro e pequena indústria do Estado de São Paulo (Simpi), revela situação semelhante. Foram ouvidas 208 indústrias da região nos dias 13 e 14 de abril. Embora 64% dos entrevistados considerem sua situação financeira atual ruim ou péssima e 53% tenham dito de ela piorou nos últimos dez dias, a parcela das empresas que já demitiu desde o começo da crise ainda não é maioria e soma 18%. Boa parte (6% em ambos os casos) desligou até 10% empregados ou então mais de 30% dos funcionários, em fábricas que têm, em média, até 50 empregados.

Na percepção de 71% dos entrevistados, porém, as medidas do governo não chegaram a suas empresas e 91% dizem que não têm acesso a crédito. "A empresa ou vai diminuir a carga horário ou vai demitir. Precisamos de uma enxurrada de recursos imediatamente na ponta. Não podemos enfrentar um problema novo com as velhas fórmulas de análise de crédito" diz Joseph Couri, presidente do Simpi.

Para comércio e serviços, a preocupação é ainda maior. Segundo a associação de bares e restaurantes (Abrasel), cerca de 350 mil postos foram fechados até 10 de abril. A entidade alerta que os cortes no início de maio poderão alcançar 1 milhão, caso estabelecimentos não retornem a suas atividades, ainda que gradativamente.

A Confederação Nacional do Comércio (CNC) não tem número fechado, mas calcula que, considerando queda de 41% no faturamento do varejo em março ante igual mês de 2019, há potencial para destruição de 1,8 milhão de postos formais em três meses. "Estatísticas mostram cerca de 1,2 milhão de acordos para reduzir jornada ou suspender contrato. É um universo pequeno perto do número de trabalhadores formais, então faz pensar que o grosso do impacto ainda pode vir com demissão", diz Fabio Bentes, economista da CNC.