O globo, n. 31646, 29/03/2020. Especial Coronavírus, p. 8

 

Quarentena por três meses

Marco Grillo

Renata Mariz

29/03/2020

 

 

Saude propoe a estados fechamento de escolas e medidas de isolamento

O Ministério da Saúde apresentou ontem aos estados e municípios um “Plano de Ação da Quarentena” para os meses de abril, maio e junho, visando a reduzir a disseminação da Covid-19. O plano é uma tentativa da pasta de unificar as ações de distanciamento social que já se multiplicam pelo país, e prevê diversas medidas que foram repetidamente criticadas pelo presidente Jair Bolsonaro, como o fechamento de escolas até o fim de abril —com possibilidade de extensão por mais 30 dias— , a proibição de qualquer evento de aglomeração (shows, cultos, futebol, cinema etc.) e a redução da capacidade de bares e restaurantes em 50%. O Brasil chegou ontem a 3.904 casos confirmados —mais da metade deles no Sudeste— e 114 mortes (taxa de mortalidade de 2,9%). São Paulo segue como estado mais afetado, com 84 mortes e 1.406 casos confirmados. Em seguida vem o Rio de Janeiro, com 13 mortes e 558 casos.

Após se reunir com Bolsonaro pela manhã, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deu uma entrevista coletiva à tarde, na qual reforçou a importância de diminuir a circulação de pessoas para combater o novo coronavírus e criticou carreatas que aconteceram nos últimos dias pedindo a reabertura do comércio —motivadas justamente pelo discurso do presidente nesse sentido. A Justiça deu decisões ontem proibindo a realização desses atos (leia mais na página 10). — Daqui a duas, três semanas, os mesmos que falam “vamos fazer carreata de apoio” vão ser os mesmos que vão estar em casa. Não é hora agora. Aqueles que falam que não vai ser nada, que vai ser só um pequeno estresse, que isso passa logo e acaba, espero e rezo todo dia para que estejam corretos nas suas avaliações —disse Mandetta. De acordo com o ministro, a reunião com o presidente e titulares de outras pastas serviu para que fosse construída uma “unidade” de atuação. Ele defendeu que as medidas restritivas sejam reavaliadas com frequência e descartou um isolamento mais rígido em todo o território nacional. Reconheceu, no entanto, que a estratégia pode ser adotada em regiões específicas.

— Não existe quarentena vertical, horizontal, não existe nada. Existe a necessidade de arbitrar, num determinado tempo, qual a necessidade de retenção que a sociedade pode fazer. O lockdown, que é a parada absoluta, pode vir a ser necessário em algum momento, em alguma cidade. O que não existe é lock dow nem todo o território nacional ao mesmo tempo e desarticulado.

INÍCIO NA SEMANA DE 6/4

O documento enviado aos secretários estaduais e municipais de Saúde ainda é preliminar, segundo o ministro. O texto prevê que as chamadas “medidas de transição” sejam anunciadas na semana que se inicia em 6 de abril.

A quarentena sugerida pelo ministério propõe o isolamento por três meses dos grupos de risco —maiores de 60 anos e, independentemente da idade, portadores de doenças crônicas, como cardíacos e diabéticos —“com suporte financeiro governamental”.

As ações sugeridas pela pasta são menos rígidas do que as já adotadas pelos governos de São Paulo e Rio de Janeiro, os dois estados com maior número de casos da Covid-19 no país.

Elas fazem parte de um esforço do Planalto de alinhar, o máximo possível, o discurso em torno das medidas de isolamento social. Seria uma orientação geral para a contenção da doença que não paralise a economia, na linha do que Bolsonaro vem pedindo a Mandetta.

Em sua entrevista coletiva, o ministro foi enfático ao destacar os benefícios do distanciamento social para que o país tenha tempo de preparar seu sistema de saúde para o esperado aumento explosivo do número de casos a partir do próximo mês —segundo a Saúde, apenas a partir de agosto deve começar a haver redução na quantidade diária de novos contágios. Mandetta citou como um exemplo prático de benefício da redução do movimento nas ruas a queda no número de acidentes de trânsito, especialmente envolvendo motos, o que contribuiu para a não ocupação de leitos hospitalares.

— Quando a gente determina a paralisação, imediatamente percebe que diminuem os acidentes e sobram os leitos que eram ocupados por eles. Há informações em alguns lugares de queda de 30%, 40% e até 50% da taxa de ocupação. É mais uma razão para a gente diminuir bastante a atividade de circulação de pessoas, um efeito secundário benéfico. Além do efeito de diminuir a transmissão (do coronavírus). Mais uma razão para ficarmos em casa, parados, até que consigamos colocar os equipamentos (de saúde) nas mãos dos que precisam.

‘VÍRUS ATACA O SISTEMA’

Sem citar nomes, Mandetta criticou projeções do número de mortes —como as feitas por empresários, em vídeos divulgados on-line — que buscavam minimizar o impacto do vírus na saúde em relação ao que o isolamento pode ter na economia.

— Não á receita de bolo. Quem raciocinar pensando que “ah, essa doença vai matar só 5 mil, só 10 mil”. Não é essa a conta. Esse vírus ataca o sistema de saúde e ataca o sistema da sociedade como um todo, ataca a logística, a economia, uma série de estruturas, no mundo. Mesmo defendendo a relevância de as pessoas permanecerem nas suas residências o quanto possível —estratégia que se opõe ao que Bolsonaro manifestou nos últimos dias—, Mandetta deu razão às preocupações manifestadas pelo presidente em relação à economia — Presidente está certíssimo quando diz que a crise da economia vai matar as pessoas. E somos 100% engajados de achar as soluções junto com a equipe da economia —afirmou o ministro, que, depois, acrescentou: —Todo o comércio está falando “eu quero abrir”. Calma, que vamos fazer regrinha.

Ele também criticou a cobertura da imprensa brasileira sobre a epidemia, afirmando que ela apenas enfatizava notícias negativas. — Que seja uma cobertura proativa, que ajude neste momento. Imprensa para apontar erro aqui, erro ali, só vai trazer mais estresse. “Ah, mas quer que a gente não denuncie?”

Denuncie, ótimo, não tem problema nenhum, mas procure mostrar que estamos trabalhando, estamos indo…. Tem dia que vai ser bom, dia que vai ser ruim. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) reagiu às afirmações do ministro. Em nota, lamentou “a equivocada referência aos jornais brasileiros”.