Valor econômico, v.20, n.4985, 22/04/2020. Política, p. A7

 

Governo quer selar acordo com o Centrão

Raphael Di Cunto

Fabio Murakawa

Andrea Jubé

22/04/2020

 

 

Ao participar de um ato pró-intervenção militar no domingo, o presidente Jair Bolsonaro discursou dizendo que “a velha política ficou para trás” e que “não vamos negociar nada”, mas avançou nas conversas com o Centrão para entregar o controle de cargos com orçamentos bilionários em troca de apoio no Congresso. Seus principais auxiliares pretendem oficializar as nomeações ainda esta semana.

Partidos como PP, PL, Republicanos e PSD estão nas negociações finais para ocuparem cargos de maior relevância na estrutura do governo e tentam levar junto legendas menores, como Patriota, Avante e Pros. O presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), será recebido hoje pelo presidente junto com o líder da sigla no Senado, Eduardo Braga (AM).

Bolsonaro vetou a indicação de ministros, mas decidiu entregar espaços com orçamentos bilionários no segundo e terceiro escalões. O PSD recebeu a promessa de nomear o presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que até fevereiro era de indicação da bancada evangélica. O PP sugeriu nomes para o Fundo Nacional de Educação (FNDE), até dezembro sob controle de um indicado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

As conversas envolvem também o comando de secretarias do Ministério do Desenvolvimento Regional, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), Telebras e a presidência do Banco do Nordeste. A expectativa é de que as nomeações ocorram até sexta-feira para selar o acordo e “diminuir” as desconfianças do Centrão após as declarações de Bolsonaro.

A estratégia foi desenhada pelo ministro da Casa Civil, Walter Souza Braga Netto, para construir uma base de apoio mais confiável no Congresso e enfraquecer Maia, que virou alvo preferencial dos ataques de Bolsonaro. O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, ficou responsável por colocar o plano em prática e negociar no varejo com os partidos.

Responsável pela articulação política do governo, Ramos sempre prescindiu dos líderes e apostou em uma interlocução direta com Maia e o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Porém, “foi engolido” pelos dois no episódio em que o governo cedeu o controle de R$ 30 bilhões do Orçamento para os parlamentares, o que irritou Bolsonaro e quase derrubou o ministro.

Segundo interlocutores, Braga Netto tem reforçado nas últimas semanas a ideia de que é importante para o governo ter uma base mais forte no Congresso. O número de deputados que votam sistematicamente com o Executivo, até nos temas mais espinhosos, hoje não chega a 70.

A leitura no Planalto é que Maia tende a se enfraquecer naturalmente até o fim do ano, quando acaba seu período como presidente da Câmara. A pandemia causada pela covid-19 tornou esse quadro ainda mais agudo, uma vez que medidas de combate à doença monopolizam a pauta e no segundo semestre tem eleições municipais.

Ao fortalecer sua base no Congresso, Bolsonaro também tenta ver um presidente da Câmara alinhado a ele na sucessão de Maia, que ocorrerá em fevereiro, junto com a de Alcolumbre. Sem mudança constitucional, nenhum dos dois poderá se reeleger.

Apesar do distanciamento de Maia, Bolsonaro convidou para um encontro o presidente nacional do DEM, ACM Neto, que deve desembarcar esta semana em Brasília para uma reunião. Até então, a legenda tinha ficado de fora das conversas. Parlamentares do partido pressionam para manter os cargos federais, como o controle da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Após entrar em confronto com o governo por causa do auxílio aos Estados na semana passada, Maia chegou a sinalizar que votaria esta semana as medidas provisórias (MP) de proteção aos trabalhadores e empresas, mas ontem decidiu evitar votações polêmicas e pautou apenas projetos de consenso. Segundo aliados, ele deseja esperar o cenário ficar mais claro para não perder apoio dentro do Congresso.