O globo, n. 31646, 29/03/2020. Economia, p. 30

 

Entrevista - Paul Romer: "É mais barato do que destruir a economia"

Paul Romer

Renan Setti

29/03/2020

 

 

PAUL ROMER - Nobel de economia defende testagem em massa da população a cada uma ou duas semanas como única saída para retomar a atividade e evitar o colapso

O Nobel de economia Paul Romer tem um plano de combate à crise do coronavírus que não tem nada a ver com pacotes de estímulo vez de planos trilionários de socorro, o professor da Universidade de Nova York defende um investimento concentrado na produção em larga escala de testes para o vírus e equipamentos de proteção. Em artigo publicado semana passada no New York Times, ele e orei torda Harvard, Alan Garber, defenderam que é preciso achar um a alternativa à quarentena total, porque ela leva-rá à “morte da economia ”.

O artigo “Will our economy die from corona virus?” foi citado pelos críticos à quarentena como argumento para defender a abertura da economia. Segundo os autores, o desligamento econômico por algumas semanas é necessário, pois ajudará a salvar muitas vidas, mas é preciso ter melhores opções dentro de um mês, já que a economia não poderá ficar fechada por um ano, um ano e meio.

A solução, dizem eles, é expandir maciçamente a capacidade de testagem da Covid-19, para que seja possível examinar parte importante da população acada uma ou duas semanas. Seria a única maneira de permitira retomada segurada economia, sem uma explosão de casos.

O senhor defende uma abordagem diferente do isolamento total para a contenção de coronavírus. Quais as principais propostas?

Nossa ideia é que a única maneira segura de permitir que as pessoas voltem ao trabalho é promover testes em escala maciça e fornecer equipamentos de proteção em grandes quantidades à população. Se fizermos isso, não enfrentaremos a escolha terrível que enfrentamos agora, que é ou matar pessoas ou matar a economia. Levará algum tempo, um mês ou dois, para conseguirmos mais testes e equipamentos, mas significa que precisamos investir urgentemente nessas duas soluções.

Mas deve-se manter o bloqueio até que tenhamos testes suficientes?

Há um consenso de que podemos sobreviver a um desligamento econômico por algumas semanas e que isso ajudará a salvar muitas vidas. Então, essa é a coisa certa a se fazer por enquanto. Mas precisamos ter melhores opções dentro de um mês, porque não podemos manter a economia fechada por um ano, um ano e meio.

Em um país como os EUA, quantos testes seriam necessários, quanto isso custaria e em quanto tempo seria eficaz?

Devemos ter o objetivo de testar as pessoas com muita frequência, talvez até toda a população a cada duas ou mesmo uma semana. Quanto isso vai custar? Não sabemos, porque seria um novo investimento. Mas o que sabemos é que custaria muito, muitíssimo menos do que vamos gastar lidando com o desligamento econômico. Porque, se gastássemos US$ 50 bilhões ou US$ 100 bilhões redimensionando os recursos para testar todo mundo acada semana ou duas e ter equipamentos de proteção amplamente disponíveis, não estaríamos enfrentando esse custo multi tri lionár iode danosà economia.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) também recomenda testes em larga escala. Mas muitos governos simplesmente alegam que não há testes suficientes. Como poderiam resolvera falta de kits? Falta foco nisso?

É irracional. Levará um tempo par atermos testes e equipamentos de proteção suficiente. Mas, se gastarmo s US $100 bilhões nisso hoje, poderemos ter o suficiente dentro de alguns meses. Mas os governos seguem apenas dizendo que não há kits para testar todo mundo. Isso é simplesmente absurdo. Eles precisam pensar: “Ok, se não temos agora e precisamos disso, o que devemos fazer para obtê-los?”

E o que eles deveriam fazer? Converter grande parte da indústria em fábricas de testes e equipamentos?

Sim, isso envolverá a conversão da capacidade produtiva existente para esse objetivo. Não será barato nem fácil, mas será muito mais barato do que deixarmos nossas economias entrarem em colapso

O senhor está discutindo esse modelo com as autoridades?

As autoridades de todo o mundo estão muito distraídas, quase em pânico. É muito difícil fazer com que elas parem e pensem em um plano que pode funcionar nos próximos três meses. Estou fazendo o melhor que eu posso, ma sé difícil ser ouvido. É bom pensar em três horizontes temporais. Hoje, os governos estão tão preocupados com o que fazer nas próximas duas semanas que não conseguem pensar no que fazer nos próximos três meses. Já do lado econômico, miram nos próximos 18 meses e gastam trilhões. Mas ninguém está pensando no que é preciso investir para, daqui a três meses, não estarmos na mesma situação de hoje, tendo que decidir entre duas opções terríveis.

No seu artigo, o senhor afirma que, se mantivermos a estratégia atual de distanciamento social extremo por 12 a 18 meses, quem morrerá será a economia. Muitos especialistas, porém, afirmam que uma quarentena total ocorrerá apenas por alguns meses, o suficiente para achatar acurvado vírus. Nesse caso, não é mais simples manter a estratégia do isolamento?

Aí é que está o problema. Usando a quarentena total, seja por duas semanas ou dois meses, quando a retiramos, o vírus volta ase espalhar rapidamente.

O senhor acha que a quarentena não resolverá o problema?

Não há nenhuma evidência sugerindo que um isolamento de semanas ou meses seguirá funcionando depois de ser relaxado. Os modelos sugerem que, quando relaxamos o isolamento, a epidemia volta ase desenvolver. O que Garber e eu propomos é algo que pode ser feito ao longo de 12, 18 ou 24 meses. Porque a realidade é que não podemos seguir de quarentena por um ano e tampouco podemos impor um isolamento total e depois simplesmente relaxá-lo, porque o vírus volta. Mas você pode fazer o que estamos propondo, investindo durante dois ou três meses.

O modelo que o senhor defende também seria adequado a um país como o Brasil, com milhões de pessoas vivendo em favelas e sistema de saúde precário?

Totalmente. Pode ser aplicado em qualquer lugar. Minha mensagem é: para conter o vírus, você precisa testar as pessoas com frequência e, em seguida, isolar aquelas contaminadas por algumas semanas. Mas isso significa que você só precisa isolar as pessoas que dão positivo. O restante das pessoas poderá trabalhar, seguir suas vidas.

Mas testar grande parte da população com regularidade é factível em um país como a Índia, que tem 1,3 bilhão de pessoas hoje em quarentena?

Sim, com certeza. É mais barato fazer isso do que destruir a economia e manter as pessoas em casa.

Como o senhor avalia as medidas econômicas anunciadas até agora, como o pacote de estímulo aprovado nos EUA? O governo está desperdiçando dinheiro em vez de concentrar esforços na produção de testes e equipamentos de proteção?

Eu não diria que estão desperdiçando dinheiro. Eu diria apenas que estão oferecendo cuidados paliativos. Quando alguém está doente, você gasta dinheiro só para que elas e sintamelhor. Logo, cuidados paliativos são úteis. Masas autoridades deveriam estar gastando também em uma forma de curar o doente. Infelizmente, não estão fazendo isso.

Seu trabalho foca os vínculos entre conhecimento, produtividade e crescimento. Hoje, as empresas passam por um experimento de “home office” em escala global. Essa crise tem o potencial de deixar algum legado positivo em termos de eficiência e digitalização dos negócios?

Qualquer efeito positivo dessa crise será minúsculo diante dos danos à economia, ao nosso sistema político e ao nosso tecido social. Não devemos nos enganar. Estamos enfrentando prejuízos extraordinários. Podemos minimizálos e limitá-los se investirmos nos próximos três meses. Caso contrário, sofreremos todos uma enorme redução na nossa qualidade de vida.