Correio braziliense, n. 20780 , 14/04/2020. Política, p.2

 

Socorro de R$ 89,6 bi a estados e municípios

Alessandra Azevedo

14/04/2020

 

 

Câmara aprova projeto que estabelece auxílio financeiro da União a entes federativos como reparação de perdas de receitas com arrecadação de impostos por causa da pandemia. A matéria ainda será avaliada pelo Senado. Equipe econômica é contra a proposta

Mesmo diante de fortes críticas do Executivo, a Câmara aprovou, ontem, um plano emergencial de ajuda a estados, DF e municípios durante a crise do novo coronavírus. O projeto prevê que a União repasse aos governos locais os valores que eles deixarem de recolher entre abril e setembro pela queda na arrecadação de dois tributos: o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, e o Imposto Sobre Serviços (ISS), municipal.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, não aprovou a ideia e deve recomendar ao presidente Jair Bolsonaro que vete a proposta, por considerá-la uma “pauta bomba” — ou seja, que prejudica as contas públicas e dificulta o cumprimento das metas fiscais. A maioria dos deputados, no entanto, discorda desse posicionamento. O texto-base do projeto de lei complementar (PLP) 149/2019 recebeu 431 votos a favor e 70 contra. A matéria ainda precisa ser avaliada pelo Senado.

Um dos maiores críticos da medida, Paulo Guedes defendeu, ao longo da semana passada, que, como contrapartida, os governadores e prefeitos que se beneficiarem do projeto se comprometam a não aumentar salários de servidores públicos. Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cabe ao governo encaminhar o assunto, se julgar necessário. “O presidente da República pode enviar esse projeto”, apontou. Ele não acha que a pauta tem de partir do Congresso, mas considera que a limitação de gastos com funcionalismo “faz sentido”.

Pelo texto aprovado ontem, o governo precisará compensar a diferença entre os valores arrecadados com ICMS e ISS entre abril e setembro deste ano e no mesmo período do ano passado. Os repasses serão feitos entre maio e outubro. Por exemplo: se, em 2019, um estado recolheu R$ 10 bilhões de ICMS ao longo desses meses e, em 2020, a receita cair para R$ 6 bilhões, a União deve repor os outros R$ 4 bilhões. A compensação será nominal, sem levar em conta perdas inflacionárias. A arrecadação desses impostos deve cair entre 30% e 40%, estima Maia.

A versão apresentada ontem pelo relator, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), e aprovada pelos deputados retira o dispositivo que suspenderia as dívidas de estados e municípios com a União, o que custaria entre R$ 45 bilhões e R$ 50 bilhões. Já os débitos com bancos públicos, calculados entre R$ 9 bilhões e R$ 12 bilhões, não serão cobrados no período. Além disso, os deputados decidiram cortar os R$ 55 bilhões que seriam colocados à disposição dos governos locais para empréstimos.

Com as mudanças feitas pelo relator, o impacto do projeto às contas públicas deve chegar a R$ 89,6 bilhões, pelos cálculos de lideranças partidárias. “Tiramos os empréstimos e fizemos uma proposta enxuta”, resumiu Maia. Mas, na visão da equipe econômica do governo, os cortes são insuficientes. Guedes prefere que a União se comprometa com um repasse fixo, sem o cálculo aprovado, que varia de acordo com a perda de arrecadação. A proposta dele é destinar cerca de R$ 40 bilhões a estados e municípios.

Os parlamentares, em geral, discordam dos argumentos usados por Guedes, de que o projeto é uma bomba fiscal e dará um “cheque em branco” para os governos estaduais e municipais. Ontem, antes da votação,  Maia defendeu a reposição com base na queda da arrecadação. Ele ressaltou que, ainda que a União “perca” dinheiro, é o único ente federado que tem a possibilidade de emitir títulos da dívida pública para captar recursos.

O valor proposto pelo governo é menos da metade do que os deputados consideram necessário. Além disso, manter a reposição vinculada à diferença na receita dá mais segurança para os estados e municípios de que terão como cumprir compromissos. “Ou nós vamos de forma emergencial garantir o valor nominal da arrecadação de estados e municípios ou eles vão ficar inviabilizados de atender a população, no máximo, em 30, 60 dias, dependendo da situação de cada estado”, disse Maia.

Regulamentação

O Ministério da Economia vai regulamentar a transferência. Para receber o auxílio, governadores e prefeitos devem comprovar a queda da receita em até 15 dias após o fim do mês. Para que a União reponha o valor referente a abril, o município ou estado deve prestar contas ao ministério até 15 de maio, e o dinheiro será repassado até o último dia do mês.

Dos recursos de compensação do ICMS, 25% serão divididos com os municípios, de acordo com a participação deles na receita do imposto entre abril e setembro de 2019. O restante ficará com os governos estaduais. O Tribunal de Contas da União (TCU) deverá fazer auditorias e fiscalizar os repasses.

Frase

”Ou nós vamos de forma emergencial garantir o valor nominal da arrecadação de estados e municípios ou eles vão ficar inviabilizados de atender a população, no máximo, em 30, 60 dias, dependendo da situação de cada estado”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara

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Relatório mantém salvo-conduta para governo

Jorge Vasconcellos

14/04/2020

 

 

O plenário do Senado adiou para amanhã a votação da chamada PEC do Orçamento de Guerra, que separa do Orçamento da União os gastos emergenciais com o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Inicialmente marcada para ontem, a votação foi transferida para que os parlamentares tenham mais tempo para analisar o substitutivo do relator, Antonio Anastasia (PSD-MG), que alterou o texto aprovado pela Câmara. Em razão das mudanças, a proposta, após passar pelo Senado, terá de retornar para nova análise dos deputados.

A PEC 10/2020 tem o objetivo de isentar os gastos emergenciais das restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pela chamada regra de ouro. Esta última proíbe o Executivo de se endividar para pagar despesas correntes, como os desembolsos com a Previdência Social e o custeio da máquina pública. Segundo a proposta, essa isenção valeria durante o estado de calamidade, que vai até 31 de dezembro deste ano.

O parecer de Anastasia, apresentado e discutido ontem, durante sessão virtual, foi favorável ao texto aprovado pelos deputados, mas promoveu alterações. Uma delas se refere à atuação do Banco Central durante a crise, foco da principal controvérsia entre os senadores.

A proposta aprovada na Câmara autoriza o BC a efetuar a compra direta de títulos públicos e privados no mercado, sem intermediação de bancos. Anastasia, porém, condicionou esse tipo de operação a determinadas modalidades de títulos, desde que tenham classificação positiva de alguma agência internacional de classificação de risco. Além disso, o preço de referência dos papéis precisará ser publicado por entidade reconhecida pela autoridade monetária.

O relatório de Anastasia prevê também que o BC deverá publicar diariamente suas operações, com todas as informações referentes a elas. Esses dados terão de ser consolidados em relatórios mensais dirigidos ao Congresso Nacional.

“É preciso focar no mais importante: os limites que devem ser impostos à atuação do Banco Central. Além desses limites, é fundamental estabelecer quais serão as informações divulgadas, de modo a permitir um maior controle dessas operações por parte dos órgãos de fiscalização. É essencial que o Banco Central envie informações detalhadas sobre as operações”, frisou o parlamentar no parecer.

O texto do senador também exclui, da proposta enviada pela Câmara, o trecho que criava um comitê de crise. Para Anastasia, essa medida compete ao Executivo.