Correio braziliense, n. 20780 , 14/04/2020. Política, p.4

 

Mandetta: Planalto vê provocação

14/04/2020

 

 

Militares do governo consideram uma afronta as declarações do ministro da Saúde a respeito de Bolsonaro. Presidente desconversa

As últimas atitudes do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, elevaram a temperatura do confronto com o presidente Jair Bolsonaro e podem acelerar a saída dele da equipe, vista até por seus aliados como uma questão de tempo. O estopim da nova crise foi a entrevista dada pelo ministro ao programa Fantástico, da Rede Globo, na noite de domingo. O tom adotado por Mandetta foi considerado por militares do governo, e até mesmo por secretários estaduais da Saúde, como uma “provocação” ao chefe do Executivo.

Na ocasião, Mandetta afirmou que o governo carece de um discurso unificado sobre o enfrentamento à pandemia e dirigiu cobranças a Bolsonaro, que tem ignorado recomendações de isolamento social e defendido o retorno ao trabalho. Nos bastidores, não apenas a ala ideológica do governo como até alguns apoiadores do titular da Saúde já acreditam que, com essa estratégia, ele força uma situação para sair do governo.

“O brasileiro não sabe se escuta o ministro da Saúde, o presidente, quem é que ele escuta”, disse Mandetta ao Fantástico, um dia depois de Bolsonaro ter visitado, ao seu lado, um hospital de campanha, em construção, na cidade de Águas Lindas (GO). Naquele sábado, como de outras vezes, o presidente foi ao encontro de eleitores, que se aglomeraram para cumprimentá-lo.

Questionado, ontem, sobre a cobrança de Mandetta, Bolsonaro desconversou. “Não assisto à Globo. Vou perder tempo da minha vida assistindo à Globo agora?” .

No Planalto, não foi apenas a referência de Mandetta à “dubiedade” do governo que causou contrariedade. O fato de o ministro ter dado entrevista para a emissora vista como inimiga também foi tido como afronta.

Ao contrário do que estava previsto, Mandetta não participou da entrevista coletiva de ontem ao lado dos ministros Sérgio Moro (Justiça) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), no Planalto, sobre as medidas contra o vírus. A explicação oficial foi de que ele estava em outro compromisso.

Na avaliação de militares ouvidos pela reportagem, Mandetta tenta montar uma espécie de “ministério técnico autônomo” para se dissociar das ações de Bolsonaro e ganhar os holofotes. Há nas Forças Armadas a percepção de que o ministro desrespeita não apenas a hierarquia como acordos firmados. Mandetta tem confrontado o presidente, quando havia combinado com os militares que agiria para acalmar os ânimos.

Interlocutores de Bolsonaro também afirmam que áreas técnicas do governo já detectaram falhas na execução de medidas por parte do MS, como a distribuição de equipamentos que não estavam em perfeito estado. Respiradores enviados ao Amazonas, Amapá e Ceará, por exemplo, teriam sido entregues com defeito . O secretário executivo da pasta, João Gabbardo, admitiu o problema, mas afirmou que soluções já estão sendo dadas para amenizar as dificuldades.

Na outra ponta, embora secretários estaduais da Saúde estejam se manifestando a favor de Mandetta, há insatisfação com critérios para repasses de recursos e pedidos para que o governo também leve em conta municípios com pequena população, mas grande número de atendimento de pessoas da região procurando os hospitais.

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Pelo mundo, ministros sofrem pressão

14/04/2020

 

 

Enquanto o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, equilibra-se na corda bamba, autoridades que ocupam o mesmo cargo em outros países também enfrentam pressão nesta pandemia, mas por outros motivos. Mandetta trava uma queda de braço com o presidente Jair Bolsonaro ao defender o isolamento social para conter o avanço do coronavírus. Em outras nações, responsáveis pela área da Saúde deixaram o cargo ou foram criticados justamente por descumprir medidas de distanciamento ou por não reagirem à altura da crise.

Na Escócia, por exemplo, a diretora médica do país, Catherine Calderwood, renunciou após ser flagrada viajando durante o período de isolamento social no Reino Unido, que impede esse tipo de deslocamento. O número de mortes na Grã-Bretanha passou de 11 mil. O primeiro-ministro Boris Johnson recebeu alta após contrair a doença e ficar internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Em situação semelhante, o ministro da Saúde da Nova Zelândia, David Clark, deixou o cargo à disposição por ter quebrado as medidas de isolamento e levado a família à praia durante a pandemia. A primeira-ministra, Jacinda Ardern, entretanto, rejeitou o pedido de demissão por considerar que o momento é atípico. Em nota, a premiê reforçou que o que ele fez foi errado e que a Nova Zelândia espera e merece mais de Clark. Com as medidas restritivas, o país tem conseguido controlar a propagação, com pouco mais de mil casos confirmados e apenas uma morte.

Na Romênia, o ministro da Saúde, Victor Costache, renunciou em 26 de março, em meio a críticas por falta de equipamentos em hospitais. Ele pediu demissão 10 dias após o país decretar estado de emergência. A nação registrou mais de quatro mil casos e cerca de 200 mortes decorrentes da doença.

Alguns dias antes, o ministro da Saúde holandês, Bruno Bruins, pediu demissão após desmaiar durante uma discussão sobre a Covid-19 com parlamentares. Ele disse que o mal-estar ocorreu por trabalho intenso, nas últimas semanas, e que não sabia quanto tempo levaria para se recuperar. A estratégia holandesa é de isolamento seletivo, com foco em pessoas que fazem parte do grupo de risco. O país registra mais de 26 mil casos e quase três mil mortes.