Correio braziliense, n. 20780 , 14/04/2020. Política, p.5

 

Bolsonaro decide isolamento

Renato Souza

14/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Aras defende que presidente tem poderes para estender ou reduzir a quarentena, ao contrário do que definiu o ministro Alexandre de Moraes, que disse ser esta uma atribuição de estados e municípios. E assegurou que toma decisões com base técnica, jamais política

Em parecer que deve ser enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, defende que Jair Bolsonaro tem poder para decidir sobre as medidas de isolamento social. No documento, o chefe do Ministério Público aponta que o presidente da República pode avaliar “o momento oportuno” para abrandar ou intensificar as ações adotadas no combate a pandemia do novo coronavírus. Ao mesmo tempo, a PGR rejeitou ações contra a campanha “O Brasil não pode parar”, que chegou a ser ensaiada pelo Palácio do Planalto para solicitar a abertura do comércio em todo o país.

Desde os primeiros casos da Covid-19 no Brasil, o presidente tem travado um cabo de guerra com os governadores. Enquanto os gestores de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal têm determinado fechamento do comércio e a restrição na circulação de pessoas, Bolsonaro tem demonstrado preocupações com os resultados econômicos do isolamento social. Ele defende que a quarentena seja restrita somente às pessoas que fazem parte de grupos de risco, como idosos e portadores de doenças crônicas. As decisões, tanto estaduais quanto federais, têm sido judicializadas.

No STF, Bolsonaro vem sofrendo repetidas derrotas. O ministro Alexandre de Moraes afirmou que os estados e municípios têm autonomia para tomar decisões sanitárias, independentemente do posicionamento do governo federal. No entanto, a palavra final sobre isso será do plenário da Corte, que se reúne amanhã para julgar ações voltadas para a situação da pandemia no país.

Para Aras, a situação é nova e cabe ao presidente tomar as decisões, levando em conta a situação econômica e estrutura de saúde do país. “As incertezas que cercam o enfrentamento, por todos os países, da epidemia de Covid-19 não permitem um juízo seguro quanto ao acerto ou desacerto de maior ou menor medida de isolamento social, certo que dependem de diversos cenários não só faticamente instáveis, mas geograficamente distintos, tendo em conta a dimensão continental do Brasil”, salientou o chefe da PGR.

No dia 26 do mês passado, um grupo de procuradores apresentou pedido para que o CHEFE DA pgr impusesse ao presidente a regra para que seus discursos fossem baseados nas orientações de saúde de entidades nacionais e internacionais que atuam no setor. A solicitação foi negada.

Ontem, Aras também deu parecer contrário a uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), movida pelo partido Rede Sustentabilidade, que pede a suspensão da campanha com o slogan “O Brasil não pode parar”. Em seu relatório, afirma que a sigla não conseguiu provar a existência da campanha.

“O fato é que, mesmo para os que afirmam haver existido o aludido ato, teria subsistido por breve período e, ao final, sido retirado de circulação, o que levaria, de toda sorte, a uma perda superveniente do objeto apontado nesta ADPF”, resumiu.

Sem alinhamento

Em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, da Rádio Bandeirantes, Aras rebateu críticas de que tem se alinhado ao presidente. “O procurador geral da República não é auxiliar do presidente. O procurador geral da República é a única autoridade indicada pelo presidente da República, aprovada pelo Senado, que tem biênio com data para começar e para acabar, tem garantias constitucionais e não deve favor do ponto de vista de gratuidades a quem quer que seja, daí porque a minha posição é sempre nos limites estritos da lei”, afirmou.

Aras também explicou que não toma decisões com base em política, mas sim de maneira técnica. “O PGR pode dar início a uma grave questão social simplesmente saindo de seus limites constitucionais. Basta que ele comece a fazer política partidária”, disse. Ao ser questionado sobre o fato de o governador de São Paulo, João Dória, ter dito que poderia mandar prender cidadãos que desrespeitarem o isolamento social, se a epidemia se agravar, disse que existem limites que não podem ser ultrapassados.

“Na saúde pública, essa esfera é concorrente entre as três unidades federativas. À União, compete estabelecer regras gerais, e estados e municípios no âmbito de suas competências. Agora, repito, existem limites. Os limites para que governadores e prefeitos atuam concorrentemente com a União é o limite da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais”, completou.

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Vetado mapeamento para aglomeração

Simone Kafruni

14/04/2020

 

 

No fim de março, as operadoras de telecomunicações ofereceram ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) um mapa de calor para mostrar a geolocalização da população. O intuito era identificar aglomerações e situações de risco de contaminação pelo novo coronavírus. No entanto, Jair Bolsonaro, que na ocasião havia determinado prudência no compartilhamento de dados, agora vetou o uso das informações.

O ministro Marcos Pontes chegou a gravar um vídeo anunciando a implantação do sistema nesta semana. No sábado, porém, o presidente ligou para Pontes mandando suspender tudo. Alegou que há riscos para a privacidade do cidadão e que a Presidência da República precisa estudar melhor o tema, apesar de um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) aprovar o uso da ferramenta proposta pelas teles, solução semelhante à que foi adotada pela Coreia do Sul, um dos países com menores taxas de mortalidade pela Covid-19.

Em seu Instagram, o ministro explicou que a pasta coordena a Rede Conectada MCTIC, composta por especialistas e empresas de telecomunicações, radiodifusão e TI para a busca de soluções no combate à Covid-19. “Na sexta feira, dia 27/03, tivemos a oferta de operadoras para o uso de gráficos de mapa de calor compilados de dados celulares anônimos e coletivos para avaliação de isolamento e previsão de propagação da epidemia, conforme já tem sido feito por outros países”, escreveu.

O ministro ressaltou, no entanto, que os estados têm autonomia e podem ter acordos diretos com as operadoras.

Privacidade

Especialistas observam que São Paulo está utilizando a ferramenta, e com sucesso. “Bastava o documento ser assinado pelo MCTIC. O serviço é fornecido de graça pelas teles, colocados numa nuvem e disponibilizados com um dia de atraso”, explicou uma fonte ligada ao setor.

Outro especialista garantiu que a ferramenta tem risco zero de invasão de privacidade, porque não tem como identificar o usuário, apenas mostra que muitos estão no mesmo local. Os dados vão para uma nuvem e a chave só pode ser usada em acordo de cooperação mediante termo de adesão. Há interesse de Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. “Mas seria muito mais fácil, com ganho de escala, se fosse utilizada pelo governo federal.”

Em nota, o Sinditelebrasil, que reúne as operadoras, informou que os dados que estarão nos “mapas de calor”, disponibilizados sob demanda para os governos federal e estaduais durante o período de calamidade pública, visam exclusivamente o combate à Covid-19 e seguem estritamente a legislação aplicável, inclusive a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que ainda não está em vigor. “Serão dados estatísticos e organizados de forma agregada e anônima. Em nenhum momento serão coletados dados de celulares nem serão gerados dados individuais. Não se identificam pessoas, mas a quantidade de linhas por antena”, explicou.

Frase

“Serão dados estatísticos e organizados de forma agregada e anônima. Em nenhum momento serão coletados dados de celulares nem serão gerados dados individuais. Não se identificam pessoas, mas a quantidade de linhas por antena” 

Trecho da nota do Sinditelebrasil, que reúne as operadoras de telefonia móvel

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Damares: R$4,7 bi para povos tradicionais

Ingrid Soares

14/04/2020

 

 

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, afirmou ontem que o governo federal destinará R$ 4,7 bilhões em diversas ações de proteção aos povos tradicionais, como indígenas, quilombolas e ciganos. Segundo ela, desse total R$ 23 milhões serão investidos em ações de prevenção e atendimento à saúde. Outros R$ 3,2 bilhões estão relacionados à transferência de renda de R$ 600 para famílias de povos tradicionais inscritas no Bolsa Família.

Damares disse ainda que R$ 1,5 bilhão será destinado à compra de cestas básicas e kits de higiene para as comunidades. No entanto, não foram divulgados os prazos para a entrega dos auxílios.

A ministra também detalhou o plano de contingência voltado aos povos tradicionais diante da pandemia. Conforme explicou, mais de 6 mil testes para a Covid-19 devem chegar às áreas indígenas nos próximos dias, “além de cartilhas em mais 270 idiomas com informações sobre o coronavírus para essa população”, ressaltou.

Damares também apontou uma das dificuldades enfrentadas pela pasta para uma ação mais efeitiva: questão cultural dos povos. “Entre os indígenas, tivemos três mortes, um deles da etnia yanomami. Os yanomamis têm um ritual para a morte e sepultamento. Eles dançam, manuseiam o corpo, queimam e usam as cinzas. Como vamos comunicar às lideranças de que esse corpo não vai para a aldeia?”, indagou.

Novo programa

O governo federal lançou, também ontem, o programa Brasil Acolhedor, que visa promover ações em conjunto com a sociedade civil para atender à população vulnerável diante da crise do coronavírus. O programa Pátria Voluntária — em parceria com o Ministério da Cidadania, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a Secretaria de Governo — estará à frente dessa iniciativa na esfera do poder público. Já a Transforma Brasil atuará nas iniciativas de voluntariado.

Participaram da solenidade de lançamento no Planalto os ministros Braga Netto (Casa Civil), Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Damares Alves, além da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Segundo a Casa Civil, o projeto iniciará com duas frentes: uma com foco em doações de bens, como cestas básicas e itens de higiene pessoal, e outra na seleção de organizações da sociedade civil e pessoas físicas para atuarem na execução das iniciativas diretamente com os beneficiários. As contribuições com o projeto e o cadastramento de organizações podem ser realizados na página transformabrasil.com.br e na plataforma patriavoluntaria.org.

Os principais grupos atendidos serão pessoas idosas em situação de vulnerabilidade, pessoas idosas em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), pessoas com deficiência atendidas por organizações da sociedade civil, bem como a população em situação de rua.