O Estado de São Paulo, n.46186, 31/03/2020. Política, p.A5

 

Toffoli critica ‘achismo’ contra o vírus

Vera Rosa

Rafael Moraes Moura

31/03/2020

 

 

Presidente do Supremo afirma que é preciso respeitar os fatos e defende proteção da população mais vulnerável no combate à covid-19

Supremo. Dias Toffoli, em seu gabinete na Corte; ministro diz que governo deve decidir com racionalidade e defende recomendações de isolamento social

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, disse ontem que não dá para combater acrise do coronavírus no Brasil com “achismos” e defendeu as recomendações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para isolamento social. “Não dá para ser contra os fatos. Não são achismos que vão resolver o problema”, afirmou Toffoli ao Estado.

Mesmo sem querer comentar o passeio do presidente Jair Bolsonaro por ruas de Brasília, no domingo, quando ele pregou a volta das pessoas ao trabalho e até posou para selfies, o magistrado deixou implícita sua opinião ao destacar que governantes precisam decidir “racionalmente”.

Toffoli está trabalhando em casa e disse que a quarentena da população é fundamental para impedir o avanço do coronavírus. “As autoridades médicas do mundo inteiro mostram que a pandemia ainda está na elite e não chegou à classe média. O vírus, felizmente, ainda não se popularizou”, afirmou o presidente do STF. “Agora, o Estado precisa estar preparado para criar condições de atendimento e impedir que a doença chegue à população mais vulnerável. Os fatos estão aí eé necessário respeitá-los .”

Ao participar ontem de uma transmissão ao vivo pela internet com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, Toffoli foi na mesma linha. “Não dá para tomar decisões em cima do que eu acho, do que eu penso, do que eu gostaria que fosse. Nós temos que analisar e tomar decisões diante daquilo queéa realidade se não ela se volta contra nós”, afirmou o ministro. No Supremo e em outros tribunais os julgamentos de processos foram substituídos por sessões virtuais.

Os governadores estão confiantes de que o STF deve frear qualquer iniciativa de Bolsonaro nesse sentido, como forma de respeitar o princípio federativo. No entorno do presidente, auxiliares alertam que uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello garantiu que governos estaduais e municipais adotem medidas de isolamento e restrição de circulação. Ou seja, uma ofensiva de Bolsonaro poderia levar ao descumprimento de uma decisão judicial.

“Eu espero a evolução, por parte do presidente, quanto a encarar a crise como muito grave. Eu fiquei pasmo quando vi que ele visitou cidades-satélites (de Brasília), confraternizou com o povo. É algo que nos deixa muito tristes”, disse Marco Aurélio ao Estado. “Não é possível que todos estejam errados e só o presidente da República esteja certo.”

Em conversas reservadas, outros ministros da Corte observaram que, se Bolsonaro levar adiante a ideia de reabrir o comércio, a medida será barrada. O Estado apurou que o STF não vai autorizar nenhuma ação que contrarie a quarentena nacional para evitar o contágio.

“Me parece que a orientação do Ministério da Saúde é inconfundível com as posições que também Estados e municípios, em princípio, vêm defendendo. Surgiu aí esse problema político a partir de um certo posicionamento do presidente da República, mas são questões que depois podemos debater”, argumentou o ministro do STF Gilmar Mendes, ao mediar ontem uma teleconferência sobre a pandemia com o constitucionalista espanhol Francisco Callejón.

Cenário

“Não dá para ser contra os fatos. Não são achismos que vão resolver o problema. O Estado precisa estar preparado para criar condições de atendimento e impedir que a doença chegue à população mais vulnerável.”

Dias Toffoli

PRESIDENTE DO STF