Título: Impasse no marco da internet
Autor: Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 10/12/2012, Política, p. 5

Congresso aposta em Conferência da ONU para solucionar as controvérsias do projeto de regulamentação da rede

Há uma semana, representantes de 193 países, incluindo o Brasil, estão reunidos em Dubai, nos Emirados Árabes, discutindo uma forma consensual de regulamentar a internet. A Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais, organizada pela União Internacional de Telecomunicações (UTI), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), termina nesta sexta-feira com um texto que poderá mudar, em maior ou menor grau, a segurança e a liberdade de acesso à rede mundial de computadores. O que for decidido do outro lado do Oceano Atlântico, porém, pode influenciar a votação sobre o marco civil da internet, que tramita no Congresso Nacional brasileiro e pode voltar à pauta do plenário pela sétima vez.

Os governantes reunidos pretendem reestruturar o Regulamento das Telecomunicações Internacionais, criado em 1988, quando a web comercial nem existia. Há propostas de reduzir o roaming internacional (ligações e troca de dados feitas por aparelho habilitado em outro país), centralizar o controle da internet nas mãos da ONU e até permitir que cada país identifique os dados pessoais do usuário (ideia dos Estados árabes). “As novas regras vão estabelecer os princípios gerais para a prestação de serviços e exploração das telecomunicações internacionais, as bases para a inovação e o crescimento do mercado e um dos maiores desafios será também o problema chave da governança da internet”, comenta o senador Walter Pinheiro (PT-BA), que integra a comitiva brasileira em Dubai. No entanto, o ponto nevrálgico para o Brasil, além da divisão de custos do roaming, é a neutralidade da rede. A regra defendida pelo governo, que impediria os provedores de conexão (telefônicas) de diferenciarem a velocidade de acesso de acordo com o conteúdo, não entrou na proposta do país apresentada na Conferência por ainda ser a principal responsável pela falta de consenso entre os parlamentares.

Para o relator do marco civil na Câmara, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), a imposição da neutralidade beneficiaria diretamente os usuários da rede. “Sem ela, a liberdade de escolha do internauta será violada”, destaca. O advogado especialista em direito digital Leandro Bissoli explica que as operadoras reduzem a velocidade de acesso a partir do tipo de conteúdo e a quantidade de uso do cliente, sem especificar quando isso é feito. “Se você usar um programa para baixar arquivos, por exemplo, o sistema da operadora identifica a porta de conexão e limita a velocidade, por isso fica mais lento”, relata.

Tarifa diferenciada O presidente executivo do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil), Eduardo Levy, comenta que o setor é visto precipitadamente como vilão sem que os usuários compreendam como de fato é feito esse filtro. “A rede usa critérios técnicos para distinguir quem a está sobrecarregando mais ou menos, quem está abrindo um e-mail, um vídeo ou fazendo uma cirurgia online, e terá acessos mais rápidos”, argumenta. “É como a cobrança de tarifas na ponte Rio-Niterói, que é maior para veículos grandes, como caminhões, e menor para motos. Seria justo quem ocupa mais espaço pagar o mesmo que os outros?”.

Levy ressalta que a obrigação da neutralidade poderá elitizar a internet brasileira, que ficará mais cara por conta da estrutura a ser demandada. Diante disso, o especialista Leandro Bissoli alerta ser preciso pensar em um meio-termo para o impasse. “Se a neutralidade for absoluta, corre-se o risco de haver um colapso no atendimento, porque as operadoras não terão estrutura para oferecer serviço igual para todo mundo de uma vez”, explica. “De outro lado, o usuário tem direito de saber quando seu acesso será limitado, então uma possível solução seria as empresas oferecerem várias opções de pacotes de velocidade, mas deixando claro o que cada um oferece”.

“Se a neutralidade for absoluta, corre-se o risco de haver um colapso no atendimento, porque as operadoras não terão estrutura para oferecer serviço igual para todo mundo de uma vez” Leandro Bissoli, advogado especialista em direito digital