Correio braziliense, n. 20781 , 15/04/2020. Economia, p.8

 

Paciência extra pelo auxilio

Marina Barbosa

15/04/2020

 

 

CORONAVÍRUS » Governo anuncia que mais de 35,5 milhões de trabalhadores informais que se cadastraram no aplicativo e no site da Caixa começarão a receber o pagamento de R$ 600 a partir de sexta-feira. Checagem de informações seria a causa da demora para a liberação dos recursos

Muita gente ainda não recebeu o benefício emergencial de R$ 600 que promete ajudar os trabalhadores informais durante a crise do novo coronavírus e, por isso, segue lotando as agências da Caixa e da Receita Federal para tentar entender o que houve com o pagamento. O governo admitiu, ontem, que os mais de 35,5 milhões de brasileiros que se cadastraram no aplicativo e no site da Caixa precisarão de um pouco mais de paciência, pois terão acesso ao dinheiro a partir de sexta-feira. Até lá, será beneficiado quem estava no CadÚnico e no Bolsa Família antes da pandemia de Covid-19.

Coube ao ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, explicar o que aconteceu com o pagamento dos R$ 600. Durante coletiva realizada no Palácio do Planalto, alegou que a checagem dos dados apresentados pelos informais no aplicativo do benefício emergencial acabou durando mais tempo que o esperado. “São milhões de batimentos para cada grupo de trabalhadores”, afirmou, lembrando que o governo precisa conferir o cadastro de cada trabalhador para ter certeza de que, de fato, há direito ao benefício e, assim, encaminhar a ficha de pagamento para a Caixa Econômica Federal.

Onyx ainda admitiu que essa checagem, que o governo inicialmente estimou em cerca de 48 horas, só começará a ser concluída hoje – uma semana depois do lançamento do aplicativo do benefício emergencial. Como a Caixa precisa de 48 horas para fazer o depósito desse pessoal, o pagamento do primeiro grupo de informais acontecerá a partir de sexta-feira. “Vamos trabalhar noite adentro para permitir que, no máximo até a amanhã desta quarta-feira, possamos transmitir a lista de beneficiados para a Caixa Federal, para que, a partir de sexta-feira, esse grupo possa receber”, disse Onyx.

O ministro reconheceu, contudo, que nem todos os 35,5 milhões de brasileiros que se registraram no aplicativo receberão o auxílio na sexta-feira. O governo está avaliando os dados dos 23 milhões de informais que concluíram o cadastro nos quatro primeiros dias de funcionamento do aplicativo, ou seja, até sexta-feira da semana passada. Quem deixou para fazer o cadastro depois, contudo, ainda não começou a ter os dados avaliados. Por isso, só deve receber os R$ 600 na próxima semana. “Fomos do dia 7 ao dia 10 cadastrando. Os outros processaremos a partir desta terça-feira, para que possam receber na próxima semana”, disse Onyx.

O titular da pasta da Cidadania confirmou, porém, a ideia de pagar todos os trabalhadores que têm direito ao benefício na próxima semana. A proposta do governo é começar a depositar a segunda parcela dos R$ 600 logo depois, a partir do dia 27. Para garantir o cumprimento desse calendário, a Receita Federal informou que os 11 milhões de CPFs que apresentavam pendências na Justiça Federal serão regularizados no sistema da Caixa hoje. A Receita ainda promete responder, até amanhã, os 84 mil brasileiros que pediram a inscrição ou a regularização do CPF por e-mail nos últimos dias.

Onyx também ressaltou que, enquanto não começa o pagamento dos trabalhadores registrados pelo aplicativo, o governo está depositando o dinheiro dos brasileiros que estavam registrados no CadÚnico e no Bolsa Família antes da Covid-19 e têm direito ao benefício.

Segundo a Caixa, foram pagos R$ 2,1 bilhões a 3,3 milhões de brasileiros do CadÚnico. As mulheres chefes de família que têm direito ao auxílio em dobro (R$ 1,2 mil) receberam ontem. E mais 8,6 milhões de brasileiros serão beneficiados nesta semana.

Saiba mais

Entenda o calendário de pagamento dos R$ 600

CadÚnico

» 3,3 milhões de pessoas já receberam os R$ 600. Todas estavam no CadÚnico antes da pandemia do coronavírus.

» Mais 5,9 milhões de pessoas do CadÚnico receberão os R$ 600 nesta semana.

Bolsa Família

» 2,7 milhões de segurados do Bolsa Família receberão os R$ 600 nesta semana

» Mais 10 milhões de segurados receberão na próxima semana

E os informais?

» Os trabalhadores informais, os microempreendedores individuais e os contribuintes individuais do INSS que pediram o auxílio de R$ 600 no aplicativo da Caixa devem começar a receber o benefício na sexta-feira.

» Na sexta-feira, devem ser contemplados os 23 milhões de trabalhadores que fizeram o cadastro de 7 a 10 de abril.

» Os demais 12 milhões de trabalhadores que se registraram no aplicativo receberão na próxima semana, pois ainda não tiveram os dados avaliados pelo governo

Cronograma de pagamentos para esta semana

Hoje

» 1,6 milhão de pessoas do CadÚnico, nascidas em fevereiro, março e abril

Amanhã

» 2,2 milhões de pessoas do CadÚnico, nascidas em maio, junho, julho e agosto

» 1,3 milhão de beneficiários do Bolsa Família, cujo último digito do NIS é 1

Sexta-feira

» 1,9 milhão de pessoas do CadÚnico, nascidas em setembro, outubro, novembro e dezembro

» 1,3 milhão de beneficiários do Bolsa Família, cujo último digito do NIS é 2

» Até 23 milhões de trabalhadores informais

Quem recebe na próxima semana

» Os demais segurados do Bolsa Família

» Os informais que se inscreveram no aplicativo da Caixa

Depósitos x Saques físicos

» Os primeiros pagamentos dos R$ 600 serão realizados de forma digital, via depósito em conta.

» O saque físico, nas agências da Caixa e nas casas lotéricas, será liberado de 27 de abril a 5 de maio, de acordo com o mês de aniversário dos trabalhadores

Calendário de saques físicos

27/4 – nascidos em janeiro e fevereiro

28/4 – nascidos em março e abril

29/4 – nascidos em maio e junho

30/4 – nascidos julho e agosto

4/5 – nascidos em setembro e outubro

5/5 – nascidos em novembro e dezembro

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Governo estuda congelamento de salários

Vera Batista

Marina Barbosa

15/04/2020

 

 

O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, acredita que a redução dos gastos com o funcionalismo público tem de entrar no radar do governo e da sociedade brasileira diante da crise do novo coronavírus. Em conferência com o mercado financeiro, pela XP Investimentos, alegou que todos devem contribuir neste momento de desaceleração econômica e rombo fiscal. Por isso, estaria na hora de pensar no congelamento de salários de algumas categorias.

“Quando falo baixar, não é cortar salário. É uma discussão honesta. Algumas carreiras realmente merecem reajuste, porque estão muito defasadas. Mas tem carreira que a pessoa entra ganhando R$ 15 mil, R$ 20 mil, R$ 30 mil. Então, não é tão complicado assim passar um ou dois anos sem reajuste, até porque a inflação está baixa”, defende. Sachsida disse, ainda, que é preciso pensar em medidas econômicas, mas também em questões morais. “Está correto algumas pessoas não perderem emprego e manterem salários? O exemplo tem de vir de cima”, diz, destacando que é servidor de carreira.

O Ministério da Economia foi procurado para falar sobre o andamento da proposta, mas não deu detalhes. Ainda não se sabe, portanto, se o governo apresentará ao Congresso um projeto de congelamento — que tem o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) — ou se tratará do assunto apenas nas reformas econômicas. O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, foi sutil ao comentar a questão. Preferiu não chamar de congelamento salarial.

“Não é queda salarial, mas o adiamento por alguns anos do reajuste. Este ano de 2020 é o primeiro, depois de quatro, que o servidor público das carreiras mais bem pagas não terão aumento nominal”, afirma Mansueto, admitindo, contudo, que é preciso levar a proposta a debate.

Controle

O congelamento dos salários dos servidores deveria ser “o mínimo” de contrapartida exigida no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, que prevê auxílio de R$ 89,6 bilhões para Estados e municípios. “Não colocar essa salvaguarda no texto é absolutamente temerário. Sabemos que, quando o dinheiro não é carimbado, os recursos vão em grande medida financiar as despesas de pessoal, que crescem de forma incontrolada”, disse a economista Ana Carla Abrão, da consultoria em gestão Oliver Wyman.

O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, lembra que, de 2011 a 2018, o crescimento real médio foi de 39,36% nas despesas brutas com pessoal nos Estados. Nos municípios, alta, em valores nominais, de 6,5% de 2017 para 2018, superior à inflação do período. “O receio é que a flexibilização dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em função da Covid-19, sem congelamento dos salários, possa gerar acréscimos ainda maiores com pessoal, em detrimento dos investimentos com saúde, educação, segurança pública”, assinala.

Há outras medidas que o governo pode tomar para evitar o descontrole das contas públicas. Segundo Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), a volta da tributação dos fundos fechados de grandes investidores seria um caminho. “Somente isso representaria aumento da arrecadação de cerca de R$ 20 bilhões. Outras iniciativas poderiam totalizar mais de R$ 260 bilhões. Dificilmente faltariam recursos”, aponta.

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Endividamento bate recorde

Israel Medeiros*

Jailson R. Sena*

15/04/2020

 

 

Uma pesquisa feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), demonstrou que o número de famílias com dívidas em cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro bateu novo recorde em abril de 2020, alcançando 66,6%. Esta foi a primeira Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic)  realizada após o início da pandemia de coronavírus no Brasil. A coleta dos dados ocorreu de 20 de março a 5 de abril.

Segundo o presidente da CNC, José Roberto Tadros, a renovação da alta do endividamento neste mês se baseou na ampliação do crédito ao consumidor. “A crise com a covid-19 impõe ao governo a adoção de medidas de estímulo ao crédito”, diz. Trados reforça a importância de se viabilizarem prazos mais longos para os pagamentos ou alongamentos das dívidas, além da busca por iniciativas mais eficazes para mitigar o risco de crédito. “Assim, os consumidores poderão quitar as contas em dia sem maiores dificuldades, afastando a piora nos indicadores de inadimplência nos meses à frente.”

Na Câmara Federal, um projeto de autoria do deputado federal Denis Bezerra (PSB-CE) foi apresentado em 17 de março e aprovado no último dia 9. O texto altera a lei 12.414/2011, que regulamenta a formação e consulta a bancos de dados relativos a adimplência, suspendendo a inscrição de pessoas em serviços de proteção de crédito, como o SPC e SERASA, enquanto durar a pandemia de Covid-19. Na justificativa, o parlamentar alega que a medida visa conceder o acesso ao crédito para aqueles que forem afetados economicamente pela crise. O projeto aguarda agora apreciação pelo Senado Federal.

Flavio Serrano, economista-chefe do banco Haitong, afirma que a medida é bem-vinda no momento de incertezas na economia. “Vai ajudar os trabalhadores informais, que terão muitas dificuldades em fazer os pagamentos de dívidas”, afirma.

Os indicadores de inadimplência apontam que a quantidade de brasileiros com dívidas ou contas em atrasos ficou estável em abril, após dois meses consecutivos de aumento: 25,3%, percentual igual ao aferido no mês passado. Em comparação com igual período de 2019 (23,9%), contudo, houve crescimento. O percentual de famílias que declararam não ter condições de pagar as contas ou dívidas em atraso e que, portanto, permanecerem inadimplentes apresentou queda em abril, no comparativo mensal, passando de 10,2% do total, em março de 2020, para 9,9%. Entretanto, o indicador havia alcançado 9,5% em abril do ano anterior.

Em relação aos tipos de dívida, o cartão de crédito continua sendo o mais apontado pelos brasileiros como a principal modalidade de endividamento: 77,6%. Carnês (17,5%) e financiamento de veículos (10,2%) também permanecem na segunda e terceira posições, respectivamente.

José Luiz Oreiro, professor de economia da UnB, avalia que o cartão de crédito lidera os segmentos, pois é a ferramenta mais fácil para garantir o consumo quando faltam recursos. “Os números que vi antes do coronavírus mostravam uma tendência do aumento de endividamento. Agora, vai aumentar muito, porque terão de encontrar uma forma de financiar o consumo”, prevê.

*Estagiários sob a supervisão de Fernando Brito