Correio braziliense, n. 20782 , 16/04/2020. Política, p.2/3

 

Cheiro de demissão no ar

Augusto Fernandes

Renato Souza

Maria Eduarda Cardim

Ingrid Soares

Bruna Lima

16/04/2020

 

 

Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, assume divergência com Jair Bolsonaro sobre enfrentamento da pandemia e admite a possibilidade de exoneração. Ele diz esperar que presidente dê ao próximo titular da pasta as condições de trabalhar baseado na ciência

É questão de tempo a demissão de Luiz Henrique Mandetta do posto de ministro da Saúde. Enquanto técnicos da pasta já sinalizam deixar o ministério, como o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, que pediu demissão, mas foi convencido pelo chefe a seguir no cargo, o médico está de sobreaviso quanto à sua exoneração. Resta apenas o presidente Jair Bolsonaro escolher um substituto que tenha o respaldo da classe médica e, principalmente, siga a linha adotada por ele, sobretudo no que diz respeito à flexibilização das medidas de isolamento social, em vigor em alguns estados e municípios, para que a atividade comercial do país não pare por completo durante a pandemia.

Depois de flertar com a dispensa de Mandetta na segunda-feira da semana passada, Bolsonaro declarou, ontem, que vai dar um basta no mal-estar entre o Palácio do Planalto e o ministério. Segundo o presidente, já está na hora de virar a página e fazer com que o país siga em frente. “Pessoal, estou fazendo a minha parte. Resolveremos a questão da Saúde no Brasil para tocar o barco”, disse a apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada.

O próprio Mandetta percebeu que já não há mais clima para continuar, após a última reunião do Conselho de Governo, na terça-feira, quando entendeu “claramente” que Bolsonaro quer um ministro mais próximo dos seus ideais e pediu aos demais comandantes de pastas que tivessem tranquilidade para escolher um novo nome. Ele, porém, voltou a frisar que não pedirá demissão. “Eu deixei muito claro aqui que deixo o Ministério da Saúde em três situações: quando o presidente não quiser mais o meu trabalho; se eventualmente eu pegar uma gripe dessa e tenha que ser afastado por forças além da minha vontade; e quando eu sentir que meu trabalho feito já não é mais necessário que seja continuado”, enfatizou, durante a entrevista coletiva de ontem no Palácio do Planalto.

Mandetta revelou já ter recebido ligações dos cotados para substituí-lo. “Alguns nomes que vão sendo assuntados ligam para mim e eu falo: ‘Venha, vamos trabalhar’. Eu não estou ministro por nada diferente do que do presidente. E ele claramente externa que quer um outro tipo de posição por parte do Ministério da Saúde, que eu, baseado no que nós recebemos, baseado em ciência, tenho esse caminho para oferecer”, destacou. “Fora desse caminho, tem de achar alternativas. E tem muitas alternativas. Gente muito boa, gente muito experiente”, comentou.

 Colaboração

Em diversos momentos, Mandetta demonstrou resignação com a substituição, que deve ser feita ainda nesta semana. “O importante é que, seja lá quem o presidente colocar no Ministério da Saúde, que ele confie e dê as condições para que a pessoa possa trabalhar baseado na ciência, nos números, nas transparências dos casos, para que a sociedade, seus governadores e prefeitos tomem as melhores decisões”, declarou. Ele se colocou à disposição, e toda a sua equipe, para ajudar na transição à nova chefia. “Queremos dar total condição a quem venha trabalhar, não estamos aqui para dificultar a vida de absolutamente ninguém.”

Apesar de dizer que entende o desejo do presidente em adotar outra posição, como o isolamento vertical (pelo qual apenas idosos e doentes crônicos ficaram confinados), Mandetta fez críticas à medida e se opôs às opiniões do deputado Osmar Terra (MDB-RS), aliado de Bolsonaro. “Tem ex-secretários de Saúde que verbalizam diariamente que acham que o caminho é outro. O deputado Osmar Terra, por exemplo, todo dia ele fala: o caminho está errado. Existem pessoas que acreditam fielmente e criam essas teorias de negócio vertical, oblíquo, horizontal, não sei de onde vêm essas angulações, mas acreditam fielmente”, reprovou. Terra, que segue a mesma linha de raciocínio de Bolsonaro e já criticou Mandetta, é um dos mais cotados para comandar o Ministério da Saúde.

Exoneração rejeitada

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não aceitou a demissão do secretário de Vigilância em Saúde da pasta, Wanderson Oliveira, que chegou a enviar uma carta dizendo que se desligaria da função. Ele argumentou que deixaria o cargo devido à insegurança política sobre a permanência ou não de Mandetta à frente do ministério. Oliveira é considerado o homem de confiança do ministro e é apontado com um dos técnicos de maior reconhecimento na equipe. “Wanderson chegou a me mandar um negócio hoje (ontem), e eu mandei voltar do mesmo jeito que chegou”, disse Mandetta ao comentar o caso.

Frase

“Ele (Bolsonaro) claramente externa que quer um outro tipo de posição por parte do Ministério da Saúde, que, baseado no que nós recebemos, baseado em ciência, eu tenho esse caminho para oferecer. Fora desse caminho, tem que achar alternativas, e tem muitas alternativas, gente muito boa e experiente”

  “Temos um conjunto de informações que nos levam a ter essa conduta de cautela. Parece que eu sou contra o presidente, e o presidente é contra mim. Não, são visões diferentes do mesmo problema. Se tivesse uma visão única, seria um problema muito fácil de solucionar”

Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bolsonaro recebe cotados para a vaga

16/04/2020

 

 

O presidente Jair Bolsonaro ainda não bateu o martelo sobre a troca no Ministério da Saúde porque teme reação negativa do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, ele sofreu derrota na Corte — os ministros decidiram que estados e municípios têm poder para aplicar restrições no comércio e na circulação de pessoas em razão da política sanitária necessária para impedir a disseminação da Covid-19 (leia reportagem na página 7).

Na Câmara, parlamentares afirmam que o presidente tem buscado um nome com o perfil mais técnico do que político, justamente para evitar desgastes ainda maiores com a demissão de Luiz Henrique Mandetta. A conversa é de que tudo deve ocorrer até amanhã.

A expectativa é que Bolsonaro começará a receber, hoje, no Palácio do Planalto cotados para a vaga. O primeiro da lista é o oncologista Nelson Teich, que atuou na campanha eleitoral do chefe do Executivo e tem apoio da classe médica. A decisão sobre o novo titular da Saúde, no entanto, ainda não está tomada, afirmam interlocutores do governo.

Devem participar da conversa com o médico os ministros Walter Braga Netto, da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Teich atuou como consultor informal da área de saúde na campanha eleitoral de Bolsonaro, em 2018. À época, a aproximação ocorreu por meio do atual ministro da Economia, Paulo Guedes. Na transição do governo, Teich foi cotado para comandar a Saúde, mas perdeu a vaga para Mandetta, que havia sido colega de Bolsonaro na Câmara de Deputados e tinha o apoio do governador eleito de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM-GO), agora ex-aliado do chefe do Executivo, e de Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que foi chefe da Casa Civil e agora é ministro da Cidadania.

O oncologista tem o respaldo da Associação Médica Brasileira (AMB), que referendou a indicação ao presidente e possui boa relação com empresários do setor de saúde. O argumento pró-Teich de parte da classe médica é o de que ele trará dados para destravar debates hoje “politizados” sobre o enfrentamento da Covid-19. Integrantes do setor de saúde afirmam que a ideia não é ceder completamente a argumentos sobre o uso ampliado da cloroquina ou de isolamento vertical (apenas para idosos ou pessoas em situação de risco), por exemplo. Dizem, porém, que há exageros na posição atual do ministério.

Corrida

A possível demissão de Mandetta provocou uma corrida entre aliados de Bolsonaro para indicar o sucessor no comando da Saúde. Um dos nomes na mira é o da diretora de Ciência e Inovação da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Ludhmila Hajjar. A profissional tem o apoio do médico Antonio Luiz Macedo, cirurgião geral que acompanha o presidente desde que ele foi atingido por uma faca em ato de campanha, em setembro de 2018. No entanto, ela não é adepta do discurso de que a hidroxicloroquina é a grande salvação no combate ao coronavírus, como defende Bolsonaro. Em entrevista à Folha de S.Paulo nesta semana, Ludhmila disse que a medicação “está sendo vista como salvadora, e não é”. Questionada pela reportagem, a cardiologista negou convite do presidente. “Não fui convidada, não fui sondada. Sigo trabalhando normalmente”, disse ontem.

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo, também aparece como cotado para o posto, mesmo que de forma temporária, até que o presidente decida por um nome definitivo. Questionado sobre o assunto, Gabbardo disse que sai com Mandetta, pois está no cargo a convite do ministro, mas se dispôs a continuar colaborando com uma equipe de transição.

Dentro do ministério, as informações são de que a relação entre ele e o titular da Saúde é bastante conflituosa. Mas o secretário é visto como um perfil mais técnico do que Terra e menos resistente às vontades do governo. Seria uma solução mediana para tentar conter reações adversas à saída de Mandetta.

Sem força

Na lista de indicações para substituir Mandetta aparece ainda Claudio Lottemberg, presidente do Conselho Deliberativo do Hospital Israelita Albert Einstein. Lottemberg, no entanto, preside o Lide Saúde, grupo ligado ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), desafeto de Bolsonaro.

Os nomes do deputado Osmar Terra (MDB-RS) e do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, perderam força no Planalto, apesar de terem a confiança de Bolsonaro. A leitura é de que a escolha de um deles não seria bem-aceita no Congresso e entre entidades médicas, por causa da mudança radical de discurso que levariam ao ministério. Defensora do uso da hidroxicloroquina, a oncologista Nise Yamaguchi também teria perdido força por ter pouco apoio da classe médica.